Processo
RemNecCiv - REMESSA NECESSáRIA CíVEL / SP
5002498-93.2017.4.03.6102
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
16/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/06/2020
Ementa
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO DESEMPREGO - LIBERAÇÃO. SENTENÇA
ARBITRAL. EFEITOS SOMENTE ENTRE AS PARTES.
1. O mandado de segurança é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra
regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça".
2. Mesmo que se considere válida a sentença arbitral proferida, é forçoso concluir que ela não
possui efeitos sobre terceiros que não aqueles diretamente vinculados à arbitragem realizada. O
artigo 31 é explícito ao determinar que a sentença arbitral somente produz seus efeitos "entre as
partes e seus sucessores", não sendo oponível a terceiros.
3. Portanto, sem que se adentre no mérito da validade da sentença arbitral, é certo que a mesma
não é oponível em face da União, o que justifica a recusa da Autoridade Impetrada no
deferimento do pagamento do seguro-desemprego da Impetrante. O Impetrado, ao analisar se o
caso concreto se enquadra nas hipóteses legais de pagamento do seguro-desemprego, negando-
o se entender não ter havido verdadeira dispensa imotivada, age dentro de suas atribuições
legais, não existindo qualquer ilegalidade a ser a ele imputada.
4. Remessa necessária provida. Segurança denegada.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº5002498-93.2017.4.03.6102
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
PARTE AUTORA: JENNIFER VITORIA DOS SANTOS
Advogados do(a) PARTE AUTORA: RENATA ZANON - SP3331340A, PAULO HENRIQUE
HERRERA VALENTE - SP2690110A
PARTE RE: MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO - MTE
REPRESENTANTE: UNIAO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº5002498-93.2017.4.03.6102
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
PARTE AUTORA: JENNIFER VITORIA DOS SANTOS
Advogados do(a) PARTE AUTORA: RENATA ZANON - SP3331340A, PAULO HENRIQUE
HERRERA VALENTE - SP2690110A
PARTE RE: MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO - MTE
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de liberar as parcelas do seguro
desemprego devido ao impetrante, negado pela autoridade coatora por não reconhecer a
validade da sentença arbitral. Houve pedido de liminar.
A liminar foi parcialmente deferida para determinar que o requerimento da impetrante fosse
analisado, considerando como válida a sentença arbitral para fins de comprovação da demissão
sem justa causa.
Informações da autoridade impetrada no sentido de que o benefício foi concedido.
A sentença julgou procedente o pedido, concedendo a segurança para reconhecer, em definitivo,
o direito da impetrante às parcelas do seguro desemprego, em decorrência de sua demissão em
07.05.17. Sem condenação em honorários advocatícios.
Sentença submetida ao reexame necessário.
Sem recursos voluntários, subiram os autos a esta Corte por força da remessa necessária.
O Ministério Público Federal em seu parecer opinou pelo regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº5002498-93.2017.4.03.6102
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
PARTE AUTORA: JENNIFER VITORIA DOS SANTOS
Advogados do(a) PARTE AUTORA: RENATA ZANON - SP3331340A, PAULO HENRIQUE
HERRERA VALENTE - SP2690110A
PARTE RE: MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO - MTE
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da remessa oficial, nos termos do art. 14,
da Lei 12.016/09.
Passo ao exame do mérito.
O mandado de segurança é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra
regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça".
Dentre outras exigências, é necessário que o direito cuja tutela se pretende seja líquido e certo,
assim considerado o direito apurável sem a necessidade de dilação probatória, ou seja, quando
os fatos em que se fundar o pedido puderem ser provados de forma incontestável no processo.
No caso concreto, a parte autora impetrou o presente mandado de segurança, objetivando o
reconhecimento da validade e eficácia da sentença arbitral homologatória de acordo de rescisão
de contrato de trabalho, a qual fora recusada pela autoridade impetrada.
Para a análise da questão debatida nos autos, principio por analisar algumas disposições da Lei
no 7.998/90 que regula "o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências".
No tocante às hipóteses de percepção do seguro-desemprego, assim diz a mencionada Lei:
"Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa
causa que comprove:
I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um
dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa;
II - ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido
atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos
últimos 24 (vinte e quatro) meses;
III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no
Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio
suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de
permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua
família".
No presente caso, embora no âmbito formal se presuma o cumprimento dos requisitos do artigo
3º da Lei nº 7.998/90, verifica-se não existir efetivamente a transação que caracteriza o processo
autocompositivo da arbitragem.
Como se vê dos autos, a Impetrante e o empregador optaram por não pleitear a homologação do
acordo perante o respectivo sindicato ou o Ministério do Trabalho. Igualmente, não apresentou o
ex-empregado qualquer pedido que diga respeito à rescisão contratual ao crivo do Poder
Judiciário. Ao contrário, as partes parecem ter preferido fazer uso da arbitragem como forma de
composição, nos termos da Lei nº 9.307/96.
Não prospera argumento de que os direitos trabalhistas estariam revestidos de indisponibilidade e
irrenunciabilidade, o que excluiria a possibilidade de aplicação da arbitragem. Vê-se que a
realização de conciliação em âmbito judicial (artigo 846 da CLT) e a utilização das Câmaras de
Conciliação Prévias (artigos 625-A a 625-H da CLT), por exemplo, contemplam a disponibilidade
de direitos trabalhistas.
Sobre os efeitos da sentença arbitral, dispõe o artigo 31 da Lei nº 9.307/96:
Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título
executivo.
Assim, a sentença arbitral possui exatamente os mesmos efeitos previstos para a sentença
proferida por um Juiz do Trabalho, não existindo qualquer distinção legal entre as mesmas.
Vale dizer: em surgindo um conflito a partir da extinção de um contrato de trabalho, as partes
podem efetivamente levá-lo à apreciação de um árbitro, que o decidirá. A transação também não
é, a priori, vedada.
Contudo, por vezes esse tipo de conduta, de levar a extinção de um contrato de trabalho a
alguém que atua como árbitro, acaba por evidenciar não a solução de um conflito, mas tão
somente a homologação de um acordo já existente: nessas hipóteses, a "arbitragem" não se
substitui à atuação do Poder Judiciário ao decidir um conflito, mas sim à atuação homologatória
do sindicato, ou do Ministério do Trabalho - mas, com uma suposta força de sentença judicial, a
fim de ser inatacável posteriormente.
Muitas vezes - o que pode ser até o caso dos autos - as partes optam pela via "homologatória
com roupagem arbitral" com o intuito de subtrair-se a consequências legais e irrenunciáveis
derivadas da rescisão de contratos de trabalho: por exemplo, evitar que o empregador efetue o
pagamento da multa sobre o FGTS, em casos de dispensa sem justa causa; ou ainda, para evitar
que a ex-empregada deixe de sacar o FGTS, caso tenha requerido a sua demissão. Em ambos
os casos, trata-se de simulação sob o manto de uma sentença arbitral.
Entretanto, esse procedimento não é indolor para o ex-empregado; vale lembrar que essa atitude
retira deste a possibilidade de buscar a via da Justiça do Trabalho para receber verbas que não
lhe tenham sido pagas por ocasião da rescisão.
É exatamente por serem específicas as normas trabalhistas, e por existirem repercussões
diversas sobre as verbas dessa natureza, que existe a homologação de rescisões; e é para evitar
a formação e perpetuação de litígios junto ao Judiciário que foram criadas as comissões de
conciliação prévia no âmbito das relações de trabalho.
Todavia, não cabe aqui analisar a legitimidade do acordo formulado entre o ex-empregado e seu
empregador, por não ser objeto da presente lide, nem ser possível a sua discussão em sede de
mandado de segurança.
O que importa, neste feito, é analisar a recusa do Impetrado em efetuar o pagamento do Seguro-
Desemprego ao empregado a partir de rescisão levada à arbitragem. Para isso, é necessário
perquirir a respeito dos efeitos subjetivos de uma sentença, tanto judicial como arbitral.
Mesmo que se considere válida a sentença arbitral aqui proferida, é forçoso concluir que ela não
possui efeitos sobre terceiros que não aqueles diretamente vinculados à arbitragem realizada. O
artigo 31 é explícito ao determinar que a sentença arbitral somente produz seus efeitos "entre as
partes e seus sucessores", não sendo oponível a terceiros.
Ainda que o artigo 31 não fosse explícito na delimitação subjetiva dos efeitos da sentença, o
artigo 506 do CPC, aplicável subsidiariamente às relações trabalhistas por força do artigo 769 da
CLT, disciplina que "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
prejudicando terceiros ".
Ou seja: ainda que se reconheça a homologação da rescisão do contrato de trabalho como
verdadeira arbitragem, o fato é que esse tipo de acordo não pode obrigar a quem não foi parte
dele.
As verbas trabalhistas podem ser objeto de rescisão entre empregado e empregador, no que se
refere às obrigações recíprocas. Mas, se o seguro-desemprego é pago a quem foi dispensado
sem justa causa não pelo empregador, mas pela União, é imperioso concluir que as partes não
podem transigir para criar obrigação à terceiro, e, por exemplo, determinarem o pagamento dessa
verba pela União à Impetrante.
Assim, sem que se adentre no mérito da validade da sentença arbitral, é certo que a mesma não
é oponível em face da União, o que justifica a recusa da Autoridade Impetrada no deferimento do
pagamento do seguro-desemprego da Impetrante. O Impetrado, ao analisar se o caso concreto
se enquadra nas hipóteses legais de pagamento do seguro-desemprego, negando-o se entender
não ter havido verdadeira dispensa imotivada, age dentro de suas atribuições legais, não
existindo qualquer ilegalidade a ser a ele imputada.
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial, para reformar a r. sentença recorrida,
denegando a segurança anteriormente concedida.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. DES. FED. INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de mandado de segurança impetrado com o
objetivo de liberar o benefício de seguro desemprego devido a impetrante, negado pela
autoridade coatora pelo fundamento de que a sentença arbitral é nula no que versar sobre direitos
indisponíveis, como é o caso dos direitos trabalhistas.
A sentença julgou procedente o pedido, concedendo a segurança para liberar as parcelas
relativas ao benefício de seguro desemprego em favor da impetrante. Sentença submetida ao
reexame necessário.
O I. Relator, Eminente Desembargador Federal Paulo Domingues, em seu brilhante voto, houve
por bem DAR PROVIMENTO à remessa oficial, para reformar a r. sentença recorrida, denegando
a segurança anteriormente concedida, pelos valorosos motivos expostos em seu voto.
Ouso discordar, respeitosamente.
A teor da Lei no. 9.370/96, a homologação da rescisão do contrato de trabalho mediante sentença
arbitral é absolutamente válida, prescindindo de outras formalidades para alcançar sua eficácia,
tais como a homologação pelo Sindicato da categoria e conferindo jurisdição ao árbitro para
decidir determinadas controvérsias, devendo ser ressaltado que o princípio da indisponibilidade
dos direitos trabalhistas milita em favor do empregado e não pode ser interpretado de forma a
prejudicá-lo.
A sentença arbitral possui a mesma validade e eficácia de uma decisão proferida pelos órgãos do
Poder Judiciário, constituindo, inclusive, título executivo, conforme previsto no art. 31 da
mencionada Lei.
Assim, tal qual a sentença judicial, produz efeitos em relação a terceiros, aos quais é garantido o
direito de discutir eventual prejuízo a seus interesses jurídicos.
Neste sentido, julgado desta Corte:
"PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DE CONVERSÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM
RETIDO. AGRAVO. ART. 527, II E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. NÃO CABIMENTO.
MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO DESEMPREGO. MEDIDA LIMINAR.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AGRAVO DA UNIÃO FEDERAL
DESPROVIDO.
(...)
- De outra parte, consoante bem assinalou o MM. Juiz ao deferir a medida liminar pleiteada pelo
impetrante, restou demonstrada in casu a presença dos requisitos legais, em especial, a
verossimilhança de suas alegações, por inexistir respaldo legal para a autoridade impetrada
impedir o cumprimento da sentença arbitral apresentada, bem como o fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação em relação ao direito postulado, por ficar o impetrante impedido
de receber os valores do seguro desemprego a que tem direito.
- Agravo desprovido."
(AI 2010.03.00.008426-0/SP, Rel. Des. Federal Diva Malerbi, DJF3 de 12.08.2010, p.1599)
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à remessa oficial, mantendo a r. sentença
prolatada.
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO DESEMPREGO - LIBERAÇÃO. SENTENÇA
ARBITRAL. EFEITOS SOMENTE ENTRE AS PARTES.
1. O mandado de segurança é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra
regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça".
2. Mesmo que se considere válida a sentença arbitral proferida, é forçoso concluir que ela não
possui efeitos sobre terceiros que não aqueles diretamente vinculados à arbitragem realizada. O
artigo 31 é explícito ao determinar que a sentença arbitral somente produz seus efeitos "entre as
partes e seus sucessores", não sendo oponível a terceiros.
3. Portanto, sem que se adentre no mérito da validade da sentença arbitral, é certo que a mesma
não é oponível em face da União, o que justifica a recusa da Autoridade Impetrada no
deferimento do pagamento do seguro-desemprego da Impetrante. O Impetrado, ao analisar se o
caso concreto se enquadra nas hipóteses legais de pagamento do seguro-desemprego, negando-
o se entender não ter havido verdadeira dispensa imotivada, age dentro de suas atribuições
legais, não existindo qualquer ilegalidade a ser a ele imputada.
4. Remessa necessária provida. Segurança denegada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a sétima turma, POR
MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DO VOTO DO
RELATOR, COM QUEM VOTOU O DES. FEDERAL CARLOS DELGADO, VENCIDA A DES.
FEDERAL INÊS VIRGÍNIA QUE LHE NEGAVA PROVIMENTO. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O
RELATOR, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
