
| D.E. Publicado em 06/10/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006924-36.2008.4.03.6108/SP
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de apelação interposta pela parte autora (fls. 312/323) em face da r. sentença (fls. 305/309) que julgou improcedente pedido de revisão de sua aposentadoria mediante o reconhecimento de labor especial nos interregnos de 04/08/1976 a 30/11/1977, de 01/01/1984 a 31/03/1988 e de 01/04/1988 a 31/07/1989, fixando verba honorária em R$ 600,00 (seiscentos reais). Postula a parte autora, preliminarmente, a concessão dos benefícios de Justiça Gratuita (apenas indeferido em sede de sentença) e, no mérito, aduz que comprovou o exercício de atividade especial nos lapsos controvertidos, motivo pelo qual de rigor a revisão pleiteada.
Subiram os autos com contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
DO PEDIDO DE CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DE JUSTIÇA GRATUITA
Analisando os autos, nota-se que o Ilustre Magistrado sentenciante indeferiu os benefícios de Justiça Gratuita (postulado pela parte autora desde a propositura desta demanda - fls. 13) em sede de sentença, com o que a parte autora não concordou (tanto que apelou), pugnando pelo recebimento de seu recurso (ainda que desprovido do pagamento das necessárias custas e do preparo) haja vista ter direito à concessão da benesse.
Com efeito, se é certo que, uma vez indeferido o pedido de gratuidade, o recurso de agravo interposto desta decisão dispensa o recolhimento tanto das custas processuais como do porte de remessa e de retorno (sob pena de se obstar o acesso da parte alegadamente pobre à instância recursal, cerceando sua defesa), tal entendimento também tem aplicação na hipótese dos autos (qual seja, quando a negativa de concessão da benesse se dá no bojo de sentença), já que o não processamento da apelação (por falta de preparo) significaria cerceamento do direito da parte de, eventualmente, obter os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita. Nesse sentido:
Dentro desse contexto, entendo possível conhecer do recurso de apelação manejado pela parte autora (refutando eventual tese de deserção) e, com base na declaração de pobreza acostada às fls. 46, defiro os benefícios de Justiça Gratuita (reformando, assim, a r. decisão impugnada neste ponto).
DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
A aposentadoria por tempo de serviço foi assegurada no art. 202, da Constituição Federal, que dispunha, em sua redação original:
A regulamentação da matéria sobreveio com a edição da Lei de Benefícios, de 24 de julho de 1991, que tratou em vários artigos da aposentadoria por tempo serviço. Nesse contexto, o benefício em tela será devido, na forma proporcional, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos de serviço, se do sexo masculino (art. 52, da Lei nº 8.213/91). Comprovado o exercício de mais de 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e 30 (trinta) anos, se mulher, concede-se a aposentadoria em tela na forma integral (art. 53, I e II, da Lei nº 8.213/91).
A Lei nº 8.213/91 estabeleceu período de carência de 180 (cento e oitenta) contribuições, revogando o § 8º do art. 32 da Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS (que fixava, para a espécie, período de carência de 60 - sessenta - meses). Destaque-se que a Lei nº 9.032/95, reconhecendo a necessidade de disciplinar a situação dos direitos adquiridos e ainda da expectativa de direito que possuíam os filiados ao regime previdenciário até 24 de julho de 1991 (quando publicada com vigência imediata a Lei nº 8.213/91), estabeleceu regra de transição aplicável à situação desses filiados, prevendo tabela progressiva de períodos de carência mínima para os que viessem a preencher os requisitos necessários às aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial, desde o ano de 1991 (quando necessárias as 60 - sessenta - contribuições fixadas pela LOPS) até o ano de 2.011 (quando se exige 180 - cento e oitenta - contribuições).
A Emenda Constitucional nº 20/1998, que instituiu a reforma da previdência, estabeleceu o requisito de tempo mínimo de contribuição de 35 (trinta e cinco) anos para o segurado e de 30 (trinta) anos para a segurada, extinguindo o direito à aposentadoria proporcional e criando o fator previdenciário (tudo a tornar mais vantajosa a aposentação tardia). Importante ser dito que, para os filiados ao regime até sua publicação e vigência (em 15 de dezembro de 1998), foi assegurada regra de transição, de forma a permitir a aposentadoria proporcional - para tanto, previu-se o requisito de idade mínima de 53 (cinquenta e três) anos para os homens e de 48 (quarenta e oito) anos para as mulheres e um acréscimo de 40% (quarenta por cento) do tempo que faltaria para atingir os 30 (trinta) ou 35 (trinta e cinco) anos necessários nos termos da nova legislação.
Tal Emenda, em seu art. 9º, também previu regra de transição para a aposentadoria integral, estabelecendo idade mínima nos termos acima tratados e percentual de 20% (vinte por cento) do tempo faltante para a aposentação. Contudo, tal regra, opcional, teve seu sentido esvaziado pelo próprio Constituinte derivado, que a formulou de maneira mais gravosa que a regra permanente das aposentadorias integrais (que não exige idade mínima nem tempo adicional).
DO TEMPO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS
O tempo de serviço prestado sob condições especiais poderá ser convertido em tempo de atividade comum independente da época trabalhada (art. 70, § 2º, do Decreto nº 3.048/99). Desta forma, não prevalece mais qualquer tese de limitação temporal de conversão, seja em períodos anteriores à vigência da Lei nº 6.887/80, seja em períodos posteriores à Lei nº 9.711/98, sendo certo que o art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91, foi elevado à posição de Lei Complementar pelo art. 15, da Emenda Constitucional nº 20/98, de modo que somente por Lei Complementar poderá ser alterado.
Importante ser consignado que, na conversão do tempo especial em comum, aplica-se a legislação vigente à época da prestação laboral; na ausência desta e na potencial agressão à saúde do trabalhador, deve ser dado o mesmo tratamento para aquele que hoje tem direito à concessão da aposentadoria (STF, RE 392.559/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 07.02.06).
Cumpre salientar que a conversão do tempo de trabalho em atividades especiais era concedida com base na categoria profissional classificada de acordo com os anexos dos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79, sendo que, a partir da Lei nº 9.032/95, faz-se necessário comprovar o exercício da atividade prejudicial à saúde por meios de formulários ou de laudos. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que o rol de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas é meramente exemplificativo (portanto, não exaustivo), motivo pelo qual a ausência do enquadramento da atividade tida por especial não é óbice à concessão de aposentadoria especial, consoante o entendimento da Súmula 198, do extinto TFR: "Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento".
Portanto, o reconhecimento de outras atividades insalubres, penosas e perigosas é admissível, caso exercidas sob ditas condições especiais; porém, tais especialidades não se presumem (como ocorre com aquelas categorias arroladas na legislação pertinente).
A partir de 10 de dezembro de 1997, com a edição da Lei nº 9.528, passou-se a ser necessária a apresentação de laudo técnico para a comprovação de atividade insalubre, documento este que deve demonstrar efetiva exposição do segurado ao agente nocivo, mediante formulário estabelecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com base em laudo técnico do ambiente de trabalho, expedido por médico do trabalho ou por engenheiro de segurança do trabalho, com exceção de ruído (que sempre exigiu a apresentação de referido laudo para caracterizá-lo como agente agressor). Registro, por oportuno, que o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP substitui o laudo técnico em comento, sendo, assim, documento suficiente para aferição das atividades nocivas a que esteve sujeito o trabalhador.
Destaque-se que a extemporaneidade do documento (formulário, laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP) não obsta o reconhecimento de tempo de trabalho sob condições especiais, pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual à constatada na data de elaboração de tais documentos (tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho somente melhoram com a evolução tecnológica).
Saliente-se que os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79 têm aplicação simultânea até 05 de março de 1997, de modo que, verificada divergência entre tais diplomas, deve prevalecer a regra mais benéfica (como, por exemplo, ocorre na constatação de insalubridade em razão de ruído com intensidade igual ou superior a 80 dB, que atrai a incidência do Decreto nº 53.831/64).
Especificamente com relação ao agente agressivo ruído, importante ser dito que até 05 de março de 1997 entendia-se insalubre a atividade desempenhada exposta a 80 dB ou mais. Posteriormente, o Decreto nº 2.172/97 revogou os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, passando a considerar insalubre o labor desempenhado com nível de ruído superior a 90 dB. Mais tarde, em 18 de novembro de 2003, o Decreto nº 4.882/03 reduziu tal patamar para 85 dB. Ressalte-se que o C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.398.260/PR (representativo da controvérsia - Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe de 05/12/2014), firmou entendimento no sentido da impossibilidade de retroação do limite de 85 dB para alcançar fatos praticados sob a égide do Decreto nº 2.172/97.
O E. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Agravo em RE nº 664.335/RS (com repercussão geral da questão constitucional reconhecida), pacificou o entendimento de que, havendo prova da real eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI (vale dizer, efetiva capacidade de neutralizar a nocividade do labor), não há que se falar em respaldo constitucional à concessão de aposentadoria especial. Todavia, em caso de dúvida em relação à neutralização da nocividade, assentou que a Administração e o Poder Judiciário devem seguir a premissa do reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial, pois o uso do EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submeteu - destaque-se que se enfatizou, em tal julgamento, que a mera informação da empresa sobre a eficácia do EPI não é suficiente para descaracterizar a especialidade do tempo de serviço para fins de aposentadoria. Ainda em indicado precedente, analisando a questão sob a ótica do agente agressivo ruído, o Supremo estabeleceu que não se pode garantir a eficácia real do EPI em eliminar os efeitos agressivos ao trabalhador, destacando que são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, não abrangendo apenas perdas auditivas, pelo que é impassível de controle, seja pelas empresas, seja pelos trabalhadores.
Por fim, no tocante à alegada necessidade de prévia fonte de custeio, em se tratando de empregado, sua filiação ao sistema previdenciário é obrigatória, bem como o recolhimento das contribuições respectivas, cabendo ao empregador vertê-las, nos termos do art. 30, I, da Lei nº 8.212/91. Dentro desse contexto, o trabalhador não pode ser penalizado se tais recolhimentos não foram efetuados corretamente, porquanto a autarquia previdenciária possui meios próprios para receber seus créditos.
DO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS
Da atividade especial: Pugna a parte autora pelo reconhecimento como especial do labor exercido entre 04/08/1976 e 30/11/1977, entre 01/01/1984 e 31/03/1988 e entre 01/04/1988 e 31/07/1989. Para tanto, carreou aos autos os formulários de fls. 33/34, 36 e 105/107, nos quais há a informação de que o agente agressivo a que a parte autora esta exposta consistia em intempéries climáticas (sol, chuva, frio, poeira, vento etc.) - ademais, referidos documentos aduzem que uma das funções conferidas à parte autora era a de vistoriar trens com cargas inflamáveis nos momentos de chegada e de partida da composição férrea (o que seria corroborado pelo laudo de fls. 38 e 109, que sustenta que a parte autora estava exposta a produtos inflamáveis na área em que laborava).
A despeito do arcabouço probatório mencionado anteriormente, entendo que a parte autora não tem direito ao reconhecimento da especialidade vindicada nos interregnos outrora descritos. Isso porque não é causa de acolhimento da pretensão a mera exposição a mudanças climáticas ou, nos dizeres contidos nos formulários, a intempéries climáticas - nesse contexto, eventual submissão, durante a jornada de trabalho, a sol, chuva, frio, poeira, vento etc. não tem o condão de fazer com que a atividade laboral desempenhada passasse a ser especial. Ademais, pela leitura da documentação descrita acima, nota-se que a exposição a produtos inflamáveis (a despeito de o laudo insistir em salientar que ocorria durante toda a jornada de trabalho) se dava de forma ocasional e intermitente (vale dizer, apenas quando da vistoria das composições férreas na chegada e na saída), o que impede o deferimento do pugnado, na justa medida em que a legislação de regência impõe que a submissão a agente agressivo deva ocorrer de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente.
Importante ser consignado que, realmente, não é imprescindível a percepção de adicional de insalubridade para que fosse possível o reconhecimento da especialidade do labor; da mesma forma, o fato do interessado perceber tal adicional de remuneração não necessariamente impõe o reconhecimento da atividade especial. A rubrica "adicional de insalubridade" tem seu campo de aplicação junto ao Direito do Trabalho, não repercutindo na seara previdenciária (que possui requisitos próprios para o deferimento de pretensão que tem por escopo o reconhecimento de labor especial, dentre elas a efetiva sujeição a agente agressivo de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente, o que não restou caracterizado neste caso concreto).
Acrescente-se, ainda, que nem mesmo o reconhecimento postulado pode ser deferido com base no mero enquadramento da categoria profissional, uma vez que as profissões de "auxiliar de estação" e de "auxiliar de transportes" não estão elencadas nos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79.
Assim, por todos esses argumentos, a parte autora não faz jus ao reconhecimento da especialidade do labor desempenhado entre 04/08/1976 e 30/11/1977, entre 01/01/1984 e 31/03/1988 e entre 01/04/1988 e 31/07/1989.
DO CASO CONCRETO
Como restou afastada a pretensão de reconhecimento da especialidade do labor nos interregnos controvertidos, correta se mostra a contagem final de tempo de serviço levada a efeito pela autarquia previdenciária (fls. 147/148), na qual se apurou 31 anos, 10 meses e 26 dias de labor, o que culminou no deferimento da aposentadoria retratada nos documentos de fls. 25/26 e 157. Nesse diapasão, a revisão pretendida pela parte autora deve ser refutada.
Sucumbente, a parte autora deve ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, devendo-se observar o disposto no art. 12, da Lei nº 1.060/50 (benefício de Justiça Gratuita deferido no início deste voto). Nesse sentido é o julgado da E. Suprema Corte:
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação da parte autora (apenas para conceder os benefícios de Justiça Gratuita), nos termos anteriormente expendidos.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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| Data e Hora: | 27/09/2016 16:33:45 |
