Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0003609-63.2019.4.03.6318
Relator(a)
Juiz Federal CLECIO BRASCHI
Órgão Julgador
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
10/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 16/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. SENTENÇA EXTINGUIU O PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO QUANTO AO
PERÍODO A PARTIR DA DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE, POR SER ESTA
SUPERVENIENTE À CESSAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E NÃO HAVER
PEDIDO ADMINISTRATIVO, O QUE CARACTERIZA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL, E
IMPROCEDENTE O PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO, POR NÃO RESTAR
COMPROVADA A INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE QUANDO DA CESSAÇÃO DA
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, TENDO EM VISTA A FALTA DE DOCUMENTOS
MÉDICOS QUE COMPROVASSEM “CONDUTA E SEGUIMENTO MÉDICO CONSISTENTES
COM QUADRO DESESTABILIZADO”. SENTENÇA MANTIDA, POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS, COM ACRÉSCIMOS. RECURSO INOMINADO INTERPOSTO PELA PARTE
AUTORA DESPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003609-63.2019.4.03.6318
RELATOR:5º Juiz Federal da 2ª TR SP
RECORRENTE: NAIR TOFANIN RIBEIRO
Advogado do(a) RECORRENTE: ROBERTA LUCIANA MELO DE SOUZA - SP150187-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003609-63.2019.4.03.6318
RELATOR:5º Juiz Federal da 2ª TR SP
RECORRENTE: NAIR TOFANIN RIBEIRO
Advogado do(a) RECORRENTE: ROBERTA LUCIANA MELO DE SOUZA - SP150187-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Recorre a parte autora da sentença, cujo dispositivo é este: “extingo o feito apenas no que
tange ao pedido relacionado ao período de 22/01/2020 até 07 meses da realização da perícia,
por falta de condição da ação e julgo improcedentes os demais pedidos, resolvendo o mérito,
nos termos do artigo 487, I, do CPC. Defiro a gratuidade da justiça requerida pela parte autora.
Indevidas custas e honorários advocatícios nesta instância”.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003609-63.2019.4.03.6318
RELATOR:5º Juiz Federal da 2ª TR SP
RECORRENTE: NAIR TOFANIN RIBEIRO
Advogado do(a) RECORRENTE: ROBERTA LUCIANA MELO DE SOUZA - SP150187-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A sentença resolveu que “quanto à verificação da incapacidade laborativa, realizada perícia
judicial, em 18/11/2020 o jurisperito, em respostas aos quesitos formulados, concluiu que a
parte autora apresenta incapacidade laborativa atual, total e temporária (arquivo27). Fixou a “DII
atual definida como 22/01/2020 (data de alteração de conduta consistentes com o relato de
sintomas significativos mantidos)”. Relata a perícia que: “Após anamnese psiquiátrica, exame
psíquico realizado em perícia e documentos médicos disponíveis, concluo que o Autor da ação
apresenta quadro de transtorno esquizoafetivo. A DID foi definida como sendo 20/03/1990
(definida em perícia junto ao INSS). Não há comprovação de que vinha em tratamento
psiquiátrico regular ou com incapacidade multiprofissional nos 2 anos prévios à perícia de
cessação do benefício de aposentadoria em 2018. A DII atual definida como 22/01/2020 (data
de alteração de conduta consistentes com o relato de sintomas significativos mantidos). Trata-
se de transtornos episódicos nos quais tanto os sintomas afetivos quanto os esquizofrênicos
são proeminentes de tal modo que o episódio da doença não justifica um diagnóstico quer de
esquizofrenia quer de episódio depressivo ou maníaco. O tratamento se constitui no uso de
medicação antipsicótica, muitas vezes associada a antidepressivos ou estabilizadores de
humor. A evolução é bastante variada para cada paciente, com presença de sintomas residuais
em um bom número de pacientes. O Autor da ação, segundo a documentação disponível, não
vinha em seguimento regular nos 2 anos prévios à perícia de cessação a aposentadoria junto
ao INSS em 2018. Retoma o seguimento naquela época, com consultas esporádicas e uso de
doses baixas de medicação, consistentes apenas com quadro estabilizados. Comprova conduta
e seguimento médico consistentes com quadro desestabilizado apenas a partir de janeiro/2020.
Não há relato de uso de várias alternativas medicamentosas que podem levar a melhora do
quadro (Aripiprazol, Clozapina, Ziprasidona, entre outros), ou tratamento em regime semi-
intensivo (CAPS ou Hospital-Dia). Ao exame psíquico atual apresentava bom estado geral,
vestido adequadamente, inicialmente se mantendo calado e sem responder nem mesmo a
questionamentos básicos (como a data de nascimento); ao ser advertido de que não é sintomas
típico de seu diagnóstico, informa a data de forma lenta e também pouco consistente com o
diagnóstico. No restante da perícia, se mantém calado e as perguntas são respondidas apenas
pela esposa/curador. Apresenta suposto embotamento afetivo e empobrecimento do
pensamento. Portanto, do ponto de vista psíquico, existe uma incapacidade total e temporária
atualmente. Como há bastante margem para otimização do tratamento, sugiro que seja
realizada reavaliação de capacidade laboral após um período de 7 meses (tempo estimado para
maior estabilização) . (arquivo27). A parte autora impugnou do laudo pericial. Observo que, no
próprio laudo, não se nega a existência de enfermidade. O que se conclui é que há
incapacidade total e temporária. Saliento que o requisito legal para a concessão do benefício é
a incapacidade ( permanente para a aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente e temporária
para o auxílio-doença) e não meramente a enfermidade, a qual, por si só, desvinculada
daquela, não engendra direito à percepção. Embora o magistrado não esteja vinculado ao laudo
pericial, podendo formar sua convicção com base noutros elementos de prova constantes dos
autos (artigo 371 do Código de Processo Civil), observo que o(a) perito(a) médico(a) é
profissional qualificado, sem qualquer interesse na causa e submetido aos ditames legais e
éticos da atividade pericial, além de ser da confiança deste Juízo. Eventual alegação de
nulidade da perícia médica judicial tem alguma plausibilidade desde que evidenciada omissão
ou incongruência substancial na prova técnica relativamente aos demais elementos de prova
trazidos aos autos. Ressalto, outrossim, que o fato do perito discordar da conclusão de outro
profissional não caracteriza, de modo algum, violação ao Código de Ética Médica, pois a
avaliação pericial não tem finalidade de validar diagnósticos e sim a de apurar repercussões
das doenças ou de sequelas e analisar a (in)compatibilidade delas frente às exigências da
atividade exercida. Pelas razões acima expostas, rejeito a irresignação da parte autora quanto à
validade do laudo pericial, extraio que os quesitos foram respondidos de forma satisfatória e
conclusiva, não se fazendo necessária, portanto, a submissão da parte autora à nova perícia,
seja na mesma especialidade, seja em outra, nem tampouco qualquer esclarecimento
complementar. Porém, embora constatada a incapacidade, a parte autora não faz juz ao
benefício. Explico. Em consulta ao CNIS e PLENUS (eventos 41/42), verifico que a parte autora
já recebeu os benefícios previdenciários 31/1129818222 de 25/02/1999 até 02/05/2000 e NB
1174196863 no período de 03/05/2000 a 07/11/2019. O perito FIXOU a DII atual como
22/01/2020 (data de alteração de conduta consistentes com o relato de sintomas significativos
mantidos). Assim, a análise deste fato ( incapacidade decorrente “de alteração da conduta
consistentes com o relato de sintomas significativos mantidos”) não foi objeto de apreciação
pela Autarquia Previdenciária. Assim, quanto ao período constatado pelo perito de 22/01/2020
até 07 meses da realização da perícia, não há requerimento administrativo, razão pela qual a
ação, quanto a este objeto, deve ser extinta sem resolução do mérito”.
O recurso não pode ser provido. A sentença deve ser mantida, por seus próprios fundamentos.
Por falta de documentação médica que comprovasse “conduta e seguimento médico
consistentes com quadro desestabilizado”, o perito fixou a data de início da incapacidade,
temporária, apenas a partir de janeiro/2020, estimando em 7 meses o prazo para reavaliação
médica. Em outras palavras, não encontrou o perito elementos de prova que indicassem que
havia a incapacidade para o trabalho quando cessada a aposentadoria por invalidez.
A sentença, corretamente, extinguiu o processo sem exame do mérito, por falta de interesse
processual, tendo em vista que a data de início da incapacidade, fixada em 22/01/2020, é
posterior à cessação da aposentadoria por invalidez e não houve apresentação de
requerimento administrativo de concessão do benefício depois de cessada a aposentadoria por
invalidez. A extinção do processo sem resolução do mérito é cabível pela falta de requerimento
administrativo de concessão do benefício depois de cessada a aposentadoria por invalidez, em
razão de a incapacidade temporária ter sido comprovada somente depois da cessação desse
benefício.
A interpretação adotada pela sentença vai ao encontro da tese adotada pelo Supremo Tribunal
Federal em repercussão geral, no julgamento do RE 631240 e não está presente nenhuma das
hipóteses previstas na modulação dos efeitos desse julgamento (Relator Min. ROBERTO
BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014):
I - A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se
caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS,
ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de
prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas;
II – A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o
entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do
segurado;
III – Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício
anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação
mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se
depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –,
uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito
da pretensão;
IV – Nas ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240/MG (03/09/2014)
que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses
em que exigível, será observado o seguinte: (a) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de
Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção
do feito; (b) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o
interesse em agir pela resistência à pretensão; e (c) as demais ações que não se enquadrem
nos itens (a) e (b) serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o
autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo
por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS
para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias. Se o pedido for acolhido
administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao
próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e
o feito deverá prosseguir;
V – Em todos os casos acima – itens (a), (b) e (c) –, tanto a análise administrativa quanto a
judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento,
para todos os efeitos legais (Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª
Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015
Também agiu com acerto a sentença ao julgar improcedente o pedido de restabelecimento da
aposentadoria por invalidez, por não ter sido demonstrada a incapacidade total e permanente
quando da cessação desse benefício.
A autora atribui a ausência de exibição de documentos médicos que comprovassem “conduta e
seguimento médico consistentes com quadro desestabilizado” ao fato de tê-los destruído
durante crise mental. Conduto, é dela o ônus de produzir tal prova e de exibir relatório médico
circunstanciado que descrevesse que estava em acompanhamento médico e usando
medicação cuja dosagem revelasse o descontrole da doença mental. Bastaria ter solicitado à
médica que realmente a acompanhou durante todo o suposto tratamento no período não
comprovado relatório médico circunstanciado.
A crítica veiculada ao laudo pericial trata-se de mera opinião do profissional de advocacia, que,
com o devido respeito, não pode ser acolhida, por se tratar de matéria técnica. Somente um
médico pode emitir opinião técnica desse teor, nos moldes dos artigos 4º, XII, e 5º, inciso II, da
Lei nº 12.842/2013: “Art. 4º São atividades privativas do médico: XII - realização de perícia
médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas,
toxicológicas, genéticas e de biologia molecular; “Art. 5º São privativos de médico: II - perícia e
auditoria médicas; coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às
atividades privativas de médico”. O profissional da advocacia, por mais qualificação técnica que
ostente, não tem formação profissional para questionar a qualificação técnica do perito médico
ou a necessidade de realização de nova perícia na mesma ou em outra especialidade médica.
Essa impugnação caracteriza exercício da medicina, pois somente outro profissional médico,
assistente técnico da parte autora, poderia veicular manifestação técnica que desqualificasse o
perito que produziu o laudo ou o próprio laudo pericial, o que não ocorreu na espécie.
A parte deve apresentar críticas concretas ao laudo pericial por meio de assistente técnico de
quem não tenha sido paciente, não bastando para tanto a apresentação de atestado ou relatório
médico genérico de médico que não atua como assistente técnico nem dirige críticas concretas
ao laudo pericial. O assistente técnico também deve se expor às críticas, ao contraditório e à
ampla defesa, enfrentando concretamente os fundamentos e as conclusões expostos no laudo
pericial, por meio de parecer técnico que aponte o erro na interpretação adotada pelo perito
judicial ou a falta de qualificação profissional deste na área médica específica em que produzida
a perícia. Sem que a parte apresente parecer de assistente técnico que impugne concretamente
a laudo pericial, relatórios e/ou atestados médicos, especialmente de profissionais de que seja
ou tenha sido paciente, não servem para infirmar os fundamentos e as conclusões expostos
pelo perito. Cumpre salientar que “Na formação de sua opinião técnica, o médico investido na
função de perito não fica restrito aos relatórios elaborados pelo médico assistente do
periciando”, é o que estabelece a primeira parte do artigo 3º da Resolução 126/2005, do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - CREMESP. “O atestado ou relatório
médico solicitado ou autorizado pelo paciente ou representante legal, para fins de perícia
médica, deverá conter informações sobre o diagnóstico, os exames complementares, a conduta
terapêutica proposta e as consequências à saúde do paciente, podendo sugerir afastamento,
readaptação ou aposentadoria, ponderando ao paciente, que a decisão caberá ao médico
perito” (artigo 8º da Resolução 126/2005 do CREMESP). Por força de Resolução do Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo, atestados ou relatórios médicos não vinculam a
decisão do médico perito, a quem incumbe decidir, com absoluta exclusividade e de modo
vinculante, sobre a incapacidade do periciando para o trabalho e suas ocupações habituais. É
importante ter presente também que por força do § 1º do artigo 7º da referida Resolução
126/2005 do CREMESP, “É dever do perito judicial e dos assistentes técnicos conferenciarem e
discutirem o caso sub judice, disponibilizando, um ao outro, todos os documentos sobre a
matéria em discussão após o término dos procedimentos periciais e antes de protocolizarem os
respectivos laudos ou pareceres”. Somente se observado esse procedimento, por meio de
críticas concretas ao laudo pericial por assistente técnico, haverá respaldo técnico em que o juiz
poderá se motivar para afastar o laudo pericial. Fora desse procedimento, sem respaldo em
laudo pericial o Poder Judiciário não tem capacidade institucional para resolver a questão
técnica.
A capacidade para o trabalho deve ser comprovada por perícia médica oficial a cargo da
Previdência Social, a teor da Lei 8.213/1991 (artigos 42, § 1º, e 60, § 4º). A Lei 8.213/1991 não
autoriza a concessão de benefício por incapacidade com base em atestado ou relatório médico
apresentados pelo segurado. É necessária a produção de perícia médica oficial para a
concessão desse benefício, nos termos da Lei 8.213/1991. Indeferido o benefício pela
Previdência Social, com base na perícia médica oficial, cabe a revisão judicial do ato de
indeferimento do benefício. Para tal revisão é necessária a produção de perícia médica em
juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A revisão judicial do ato de indeferimento
do benefício não pode se dar com base em relatórios ou atestados emitidos por médicos que
atendem o segurado. Os diagnósticos, conclusões ou opiniões constantes de tais documentos,
porque produzidos unilateralmente pela parte autora, devem ser confirmados em juízo,
observados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, por meio de perícia
médica realizada por perito nomeado pelo Poder Judiciário.
O perito não desrespeitou nenhuma prescrição ou tratamento recomendados pelo médico do
segurado. O fato de o perito emitir laudo pericial e emitir opinião contrária à exposta em
relatórios ou atestados médicos sobre a capacidade para o trabalho não constitui desrespeito a
prescrição ou tratamento de paciente, determinados por outro médico. Caso contrário seria inútil
a produção de laudo pericial, pois o perito judicial sempre seria obrigado a concordar com a
opinião do médico do segurado. Bastaria a parte apresentar relatório de médico particular que
afirmasse a incapacidade para o trabalho que o benefício por incapacidade seria concedido
automaticamente. Mas não é isso o que estabelece a Lei 8.213/1991. Conforme assinalado
acima, esta estabelece a necessidade de perícia médica oficial pela Previdência Social. Se o
segurado não concorda com o resultado da perícia oficial, tem direito de acesso ao Poder
Judiciário. Ajuizada a demanda, instaura-se o processo de revisão judicial do ato administrativo.
O Poder Judiciário nomeia perito médico equidistante das partes, que não fica vinculado à
opinião do perito médico oficial tampouco ao médico do segurado. Se o perito não pudesse
emitir opinião diversa da do médico do segurado, então nem deveria haver perícia pela
Previdência Social nem revisão judicial do ato de concessão do benefício. A mera exibição do
atestado médico implicaria concessão automática do benefício. Não é isso o que estabelece a
lei, segundo a qual a Previdência Social produz a perícia oficial e esta é suscetível de revisão
judicial pelo Poder Judiciário, que se vale de perito imparcial e equidistante das partes. De
resto, consoante também já frisado, por força de Resolução do Conselho Regional de Medicina
do Estado de São Paulo (artigo 8º da Resolução 126/2005 do CREMESP) atestados ou
relatórios médicos não vinculam a decisão do médico perito, a quem incumbe decidir, com
absoluta exclusividade, independência e de modo vinculante, sobre a incapacidade do
periciando para o trabalho e suas ocupações habituais - aliás, o médico do segurado nem
sequer pode figurar como assistente técnico deste; se o segurado pretender apresentar parecer
de assistente técnico, deverá fazê-lo por meio de médico do qual não é paciente.
As provas hábeis à verificação da incapacidade laboral da parte autora foram produzidas. Ela
foi submetida a perícia médica realizada por profissional imparcial e de confiança do Juízo,
devidamente habilitado para tanto. A parte autora apresentou prova documental e poderia ter
apresentado críticas concretas ao laudo pericial, por meio de profissional habilitado, respeitando
o contraditório e a ampla defesa, e não por meio de opinião do profissional da advocacia, que
não é médico. A ausência de exercício desse direito não decorreu de nenhum obstáculo ou
impedimento criado pelo Juizado Especial Federal, e sim por opção da parte autora. A aferição
da capacidade para o trabalho somente pode ser feita por meio de prova técnica, realizada por
profissional de Medicina, nos moldes dos artigos 4º, XII, e 5º, inciso II, da Lei nº 12.842/2013. A
conclusão desfavorável do perito às pretensões da parte autora não torna a prova imprestável
nem determina a realização de nova perícia. Os atestados, receituários e exames médicos
juntados aos autos não possuem o condão de infirmar a conclusão do laudo pericial judicial, nos
termos da fundamentação exposta acima. O laudo pericial é elucidativo e conclusivo e não
restou demonstrado, por meio de assistente técnico, que padeça de omissão ou contradição. O
perito judicial, com amparo no exame físico e análise dos documentos juntados aos autos,
afirmou que a parte autora comprovou incapacidade somente a partir de janeiro de 2020, data
posterior à da cessação da aposentadoria por invalidez. Tal conclusão não foi infirmada por
parecer fundamentado de assistente técnico, emitido sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa, observando-se o devido processo legal, o que ocorreria caso também se submetesse, o
assistente técnico, à réplica do perito.
Não há nulidade a ser reconhecida por afirmado cerceamento do direito de produzir outra
perícia médica ou de obter esclarecimentos do perito. O perito não recomendou a realização
dessa perícia. Não há parecer técnico devidamente fundamentado que recomende a
necessidade de realização de perícia médica em área específica. A necessidade de realização
dessa perícia decorre da opinião do profissional da advocacia que representa a parte autora.
Ele, com o devido respeito, não é médico nem pode, sob o pretexto de exercitar a ampla
defesa, emitir opinião médica recomendando a realização de nova perícia. Conforme já
assinalado, trata-se de matéria técnica, privativa do médico, inclusive por força de lei. De resto,
o perito examinou a parte autora em todos os aspectos e concluiu que ela não apresenta
incapacidade para o trabalho, donde a desnecessidade dos esclarecimentos solicitados pela
parte autora. O laudo pericial, produzido por profissional imparcial, porquanto equidistante das
partes, não padece de obscuridade, omissão ou contradição. Nele foram analisados todos os
aspectos relevantes do caso, sendo suficiente para sua resolução.
É certo que o artigo 479 do CPC dispõe que “O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o
disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar
de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”. Assim,
para poder desconsiderar as conclusões do laudo pericial, o juiz deve observar o método
científico utilizado pelo perito e somente pode desconsiderar o laudo pericial quando restar
evidenciado que não é predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento
da qual se originou. Ocorre que estes juízes da Turma Recursal não procederam ao exame
médico da parte autora com base em método científico, para poderem desconsiderar as
conclusões do laudo pericial. Tampouco está comprovado que o laudo pericial adotou
metodologia que não é aceita pela medicina. Daí por que os juízes necessitam da opinião de
um perito para fundamentar julgamento com base em critérios técnicos. Não cabe ao juiz emitir
opinião pessoal, com base em critérios discricionários, em tema que só pode ser resolvido com
conhecimentos técnicos ou científicos. Não procede a afirmação corrente de que o juiz é “o
perito dos peritos”. Em tema que exija conhecimentos técnicos ou científicos, não existe
nenhuma margem de discricionariedade para o juiz formar seu convencimento, ainda que
motivado. Seria uma mera opinião pessoal, que, como qualquer outra, poderia estar certa ou
errada. O novo CPC limitou a possibilidade de desconsideração, pelo juiz, das conclusões do
laudo pericial: para fazê-lo deve observar o método científico, esclarecendo-o e demonstrando
ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou.
Fora dessa limitação, sem a observância do método científico imperam a arbitrariedade, o
solipsismo e o decisionismo, que atentam contra a democracia e, portanto, são inaceitáveis.
Nesse sentido os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: “No caso dos autos, o
laudo pericial categoricamente afirmou ter o autor condições para o trabalho e ressaltou não
haver diminuição da capacidade funcional ou prejuízo da função da mão atingida. Note-se que
nestes casos a avaliação da prova técnica é indispensável, não podendo ser desconsiderada. 3.
Não há falar em incidência da Súmula 7/STJ ao presente caso, uma vez que o quadro fático-
probatório foi narrado pelo próprio Tribunal a quo, não tendo sido feita análise literal das provas
dos autos Agravo regimental improvido” (AgRg no AREsp 414.456/SP, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 14/11/2013); “Ao
Tribunal a quo não é dado valer-se apenas de conhecimentos pessoais do julgador, de natureza
técnica, para dispensar a perícia, elemento probatório esse indispensável à comprovação do
grau de lesão e da redução da capacidade laborativa do acidentado. 2. A matéria não está
atrelada ao exame de provas, cuja análise é afeta às instâncias ordinárias, mas sim à
revaloração do conjunto probatório dos autos, razão pela não qual não há falar em incidência, à
espécie, da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental improvido” (AgRg no Ag 892.012/SP, Rel.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 30.10.2007, DJ de
26.11.2007). “Não pode o Tribunal a quo valer-se tão-somente de conhecimentos pessoais do
julgador, de natureza técnica, para dispensar a perícia, conforme claramente ocorreu no caso
dos autos” (AgRg no AG 622.205/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, DJ
de 2/8/2005). “No caso dos autos, o laudo pericial categoricamente afirmou ter o autor
condições para o trabalho e ressaltou não haver diminuição da capacidade funcional ou prejuízo
da função da mão atingida. Note-se que nestes casos a avaliação da prova técnica é
indispensável, não podendo ser desconsiderada. 3. Não há falar em incidência da Súmula
7/STJ ao presente caso, uma vez que o quadro fático-probatório foi narrado pelo próprio
Tribunal a quo, não tendo sido feita análise literal das provas dos autos Agravo regimental
improvido” (AgRg no AREsp 414.456/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 14/11/2013). “[A] diretriz resultante da interpretação
conjunta dos arts. 131 e 436, Código de Processo Civil, permite ao juiz apreciar livremente a
prova, mas não lhe dá a prerrogativa de trazer aos autos impressões pessoais e conhecimentos
extraprocessuais que não possam ser objeto do contraditório e da ampla defesa pelas partes
litigantes, nem lhe confere a faculdade de afastar injustificadamente a prova pericial, porquanto
a fundamentação regular é condição de legitimidade da sua decisão” (REsp 1095668/RJ, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 26/03/2013).
As provas se destinam ao convencimento do juiz e se este as considera suficientes para tanto,
não há necessidade de se produzir outras (EDcl no REsp 1364503/PE, Rel. Ministro MOURA
RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 09/08/2017). “O Superior Tribunal
de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que não há cerceamento de defesa quando
o julgador considera desnecessária a produção de prova, mediante a existência nos autos de
elementos suficientes para a formação de seu convencimento” (AgInt no AREsp 938.430/SP,
Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe
28/08/2017). No mesmo sentido: “No que toca ao cerceamento de defesa, o Tribunal a quo,
amparado na sentença, consignou que o pedido de realização de nova prova pericial foi
indeferido, porque o laudo pericial existente nos autos foi considerado claro e objetivo. E, após
a análise do conjunto probatório, julgou desnecessária a prova oral. Deveras, é o Juiz o
destinatário das provas e afirmando-se convencido, tem a faculdade de indeferir motivadamente
a produção de prova” (AgInt no AREsp 1070518/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 25/09/2017). “Se o magistrado
entendeu não haver necessidade de nova perícia, uma vez que o laudo pericial não continha
qualquer irregularidade técnica, não há que se falar em cerceamento de defesa na impugnação
do pedido de nova perícia” (AgRg no REsp 1378370/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 16/12/2014). “Não ocorre
cerceamento de defesa nas hipóteses em que o Juiz reputa suficientes as provas já colhidas
durante a instrução. Isso porque o Magistrado não está obrigado a realizar outras provas com a
finalidade de melhor esclarecer a tese defensiva do réu, quando, dentro do seu livre
convencimento motivado, tenha encontrado elementos probatórios suficientes para a sua
convicção. Nesse sentido: AgInt no AgInt no AREsp n. 843.680/SP, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/12/2016, DJe 13/12/2016; AgInt no REsp n.
1440314/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 17/11/2016, DJe
29/11/2016” (AgInt nos EDcl no AREsp 1221666/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO,
SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2019, DJe 23/08/2019).
Mantenho a sentença nos termos do artigo 46 da Lei nº. 9.099/1995, por seus próprios
fundamentos, com acréscimos, nego provimento ao recurso e, com fundamento no artigo 55 da
Lei 9.099/1995, condeno a parte recorrente, integralmente vencida, a pagar os honorários
advocatícios, arbitrados no percentual de 10% sobre o valor da causa, atualizado na forma do
Manual de Cálculos editado pelo Conselho da Justiça Federal (tabela das ações condenatórias
em geral, sem a Selic, em razão do que resolvido pelo STF no RE 870.947 em 20/9/2017), cuja
execução fica condicionada à comprovação, no prazo de 5 anos, de não mais subsistirem as
razões que determinaram à concessão da gratuidade da justiça, se deferida. O regime jurídico
dos honorários advocatícios é regido exclusivamente pela Lei 9.099/1995, lei especial, que
neste aspecto regulou inteiramente a matéria, o que afasta o regime do Código de Processo
Civil. Os honorários advocatícios são devidos, sendo a parte representada por profissional da
advocacia, apresentadas ou não as contrarrazões, uma vez que o profissional permanece a
executar o trabalho, tendo que acompanhar o andamento do recurso (STF, Pleno, AO 2063
AgR/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão Min. Luiz Fux, j. 18.05.2017; AgInt no
REsp 1429962/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
27/06/2017, DJe 02/08/2017).
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. SENTENÇA EXTINGUIU O PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO QUANTO AO
PERÍODO A PARTIR DA DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE, POR SER ESTA
SUPERVENIENTE À CESSAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E NÃO HAVER
PEDIDO ADMINISTRATIVO, O QUE CARACTERIZA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL,
E IMPROCEDENTE O PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO, POR NÃO
RESTAR COMPROVADA A INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE QUANDO DA
CESSAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, TENDO EM VISTA A FALTA DE
DOCUMENTOS MÉDICOS QUE COMPROVASSEM “CONDUTA E SEGUIMENTO MÉDICO
CONSISTENTES COM QUADRO DESESTABILIZADO”. SENTENÇA MANTIDA, POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM ACRÉSCIMOS. RECURSO INOMINADO INTERPOSTO
PELA PARTE AUTORA DESPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo
decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, Juiz
Federal Clécio Braschi. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes Federais Uilton
Reina Cecato, Alexandre Cassettari e Clécio Braschi, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
