
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006348-31.2022.4.03.6119
RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. E. A. D. G. P.
REPRESENTANTE: ELISANGELA ALINE DOS SANTOS ALMEIDA
Advogados do(a) APELADO: ERIVELTO NEVES - SP174859-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006348-31.2022.4.03.6119
RELATOR: Gab. 52 - DESEMBARGADORA FEDERAL GABRIELA ARAUJO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. E. A. D. G. P.
REPRESENTANTE: ELISANGELA ALINE DOS SANTOS ALMEIDA
Advogados do(a) APELADO: ERIVELTO NEVES - SP174859-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): Trata-se de recurso de apelação do INSS em face da r. sentença que julgou procedente o pedido de pensão por morte, nos seguintes termos:
“Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e condeno o INSS a conceder pensão por morte NB 21/186.558.184-1 à autora M. E. A. D. G. P., em decorrência do óbito de MARCOS DI GIROLAMO PORTILLO, desde a DER (07/06/2018), nos termos da fundamentação.
Condeno a Autarquia Previdenciária ao pagamento das parcelas vencidas e não pagas, acrescidas dos encargos financeiros previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente por ocasião da liquidação de sentença. Os valores recebidos a título de outros benefícios cuja acumulação seja vedada em lei, concedidos administrativamente ou em razão de decisão judicial, deverão ser descontados do montante devido, evitando-se duplicidade de pagamentos e enriquecimento sem causa lícita.
Uma vez presentes os pressupostos do art. 300 do Código de Processo Civil, defiro a concessão da tutela de urgência para que o INSS proceda à implantação do benefício em 20 (vinte) dias, com DIP em 15/04/2024. A probabilidade do direito extrai-se dos fundamentos desta sentença e o perigo de dano é inerente ao benefício que tem caráter alimentar. Intime-se com urgência a APSDJ. Cópia desta sentença servirá como mandado.
Condeno a parte ré ao reembolso de eventuais despesas e ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo do § 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido pela parte autora, de modo a possibilitar sua eventual majoração, nos termos do § 11 do mesmo dispositivo, e observado, ainda, seu § 5º, por ocasião da apuração do montante a ser pago. O valor da condenação fica limitado ao valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula nº 111 do STJ).
Dê-se vista ao MPF.
Sentença não sujeita ao reexame necessário.”
Em suas razões recursais, pugna o ente autárquico, preliminarmente, pelo recebimento do recurso no efeito suspensivo. No mérito, postula a integral reforma da sentença, para que seja o pedido julgado improcedente, sustentando a ausência dos requisitos para concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a alteração quanto aos critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora.
Com contrarrazões da parte autora.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006348-31.2022.4.03.6119
RELATOR: Gab. 52 - DESEMBARGADORA FEDERAL GABRIELA ARAUJO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. E. A. D. G. P.
REPRESENTANTE: ELISANGELA ALINE DOS SANTOS ALMEIDA
Advogados do(a) APELADO: ERIVELTO NEVES - SP174859-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): Inicialmente, recebo o recurso de apelação do INSS, haja vista que tempestivo, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, ressalvando que a apelação tem efeito suspensivo, salvo no tocante à concessão da tutela provisória (art. 1012, caput e § 1º, inciso V, do referido código).
A pensão por morte é benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, não sendo exigível o cumprimento de carência, nos termos dos artigos 74 e 26 da Lei nº 8.213/91.
Cabe ressaltar que, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o fato gerador para a concessão do benefício de pensão por morte é o óbito do segurado, devendo, pois, ser aplicada a lei vigente à época de sua ocorrência. Nesse sentido, confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO. MILITAR. ESTUDADANTE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. I - Verifica-se que o Tribunal a quo, em nenhum momento abordou a questão referida no dispositivo legal apontado pela recorrente, mesmo após a oposição de embargos de declaração apontando a suposta omissão. Nesse contexto, incide na hipótese a Súmula n. 211/STJ, que assim dispõe: inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo". II - Gize-se, por oportuno, que a falta de exame de questão constante de normativo legal apontado pelo recorrente nos embargos de declaração não caracteriza, por si só, omissão quando a questão é afastada de maneira fundamentada pelo Tribunal a quo, ou ainda, não é abordado pelo Sodalício, e o recorrente, em ambas as situações, não demonstra de forma analítica e detalhada a relevância do exame da questão apresentada para o deslinde final da causa. Também não aponta a recorrente alegação de violação ao art. 1.022 do CPC, a se permitir eventual retorno dos autos para enfrentamento da questão. III - Nada obstante, ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido não destoa da orientação desta Corte Superior, a qual se firmou no sentido de que a pensão por morte é regida pelo princípio tempus regit actum, devendo ser aplicada a lei vigente à época do óbito do instituidor. Nesse sentido: AgRg no AREsp 78.666/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 26/10/2012; EREsp 1181974/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/09/2015, DJe 16/10/2015. IV - Agravo interno improvido." (AIEDRESP - AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - 1675640 2017.01.36932-9, FRANCISCO FALCÃO, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:13/04/2018) - destaquei.
Para a concessão do benefício de pensão por morte é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: qualidade de dependente, nos termos da legislação vigente à época do óbito; comprovação da qualidade de segurado do de cujus, ou, em caso de perda da qualidade de segurado, o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria (artigos 15 e 102 da Lei nº 8.213/91).
O óbito de Marcos Di Girolamo Portillo ocorreu em 15/02/2018, conforme cópia da certidão de óbito (ID 294730567 - Pág. 4).
Verifica-se que o de cujus exerceu atividades laborativas, como empregado, em períodos intercalados entre 1996 e 09/09/2014, conforme cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS (ID 294730567 - Págs.17/22 e ID 294730745 - Págs. 2/17) e extratos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (ID 294730567 - Pág. 16 e ID 294730745 - Pág. 36), tendo recebido benefício por incapacidade temporária entre 23/08/2013 e 11/05/2014 (ID 294730745 - Pág. 38).
A qualidade de segurado se mantém com a filiação ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, ou seja, com o exercício de atividade remunerada. Contudo, a lei estabelece um lapso denominado período de graça no qual, ainda que o segurado não esteja exercendo atividade remunerada, não perde a sua qualidade de segurado, fazendo jus, portanto, ao benefício previdenciário (art. 15 da Lei de Benefícios).
De acordo com o inciso II do art. 15 da Lei 8.213/91, mantém a qualidade de segurado, até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, aquele que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração.
O prazo acima, de acordo com o parágrafo 1º do art. 15 da Lei de Benefícios, será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pagado mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Ainda, aos prazos acima, serão acrescidos 12 (doze) meses para o segurado desempregado que comprovar essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (§ 2º do art. 15 da Lei nº 8.213/91).
No caso dos autos, o falecido fazia jus ao período de graça por 12 (doze) meses, bem como ao acréscimo de mais 12 (doze) meses, por estar desempregado, conforme consulta de habilitação do seguro-desemprego (ID 294730745 - Pág. 42), nos termos do art. 15, inc. II e § 2º, da Lei 8.213/91.
Cumpre assinalar que entre o termo final de seu último vínculo empregatício e a data do óbito teria ocorrido, em tese, a perda da qualidade de segurado. Todavia, os documentos juntados aos autos, sobretudo os Termos de Internação e o Laudo Pericial elaborado pelo Instituto Médico-Legal - IML (ID 294730571 - Pág. 2/3, 44/47, ID 294730574 - Págs. 1/2 e ID 294730579 - Págs. 1/4) revelam que o falecido começou a apresentar os sintomas da doença que culminou em sua morte ainda no período de graça.
Constata-se que Marcos Di Girolamo Portillo esteve internado no Centro de Recuperação Recanto das Garças, por uso abusivo de álcool e/ou substâncias psicoativas, partir de 19/06/2015, pelo período de seis meses, e no Centro de Reabilitação Alfa Max, a partir de 07/12/2015, também por seis meses (ID (ID 294730574 - Págs. 1/2).
Outrossim, como ressaltado na r. sentença recorrida, o benefício por incapacidade (NB 603.023.120-4 – ID 294730745 - Pág. 38) foi concedido, em 2013, ao instituidor "em virtude da CID F19, tendo sido feitas as seguintes considerações pela perícia médica do INSS: ‘EM REGIME DE INTERNAÇÃO TOTAL NA COMUNIDADE TERAPEUTICA UP LIFE POR USO ABUSIVO DE ALCOOL E ESPORADICAMENTE DROGAS P/ CONTINUIDADE DO TRATAMENTO’, o que demonstra que a fruição se deu pelo mesmo motivo das internações posteriores, comprovadas nos autos" - ID 294730899 - Pág. 6.
Importante mencionar que, apesar de o perito judicial concluir não ser possível afirmar se o estado de saúde do de cujus entre 2016 e 2018, atesta que o falecido fazia uso abusivo de álcool, o que o levou a transtornos mentais e internações em clínicas de reabilitação (ID 294730760 - Págs. 1/8, ID 294730773 - Págs. 1/2 e ID 294730895 - Págs. 1/2).
Ressalte-se que o alcoolismo é doença crônica, insidiosa, que não se instala repentinamente, formalmente reconhecida pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS), o que nos permite concluir, com segurança, que o “de cujus” estava acometido por males incapacitantes ainda dentro do período de graça.
Dessa forma, o conjunto probatório revela que o falecido se encontrava incapacitado, ainda no período de graça, para exercer atividade laborativa que garantisse seu sustento, sendo certo que não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de contribuir, em virtude de males incapacitantes.
A questão relativa à perda da qualidade de segurado, em se tratando de benefício de pensão por morte, em que o segurado deixou de efetuar os respectivos recolhimentos por não ter mais condições de saúde para fazê-lo já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim decidiu:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. AUSÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO POR MAIS DE 12 MESES. MALES INCAPACITANTES. POSSIBILIDADE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MATÉRIA PACIFICADA.
A Egrégia 3ª Seção desta Corte, firmou o entendimento no sentido de que o segurado que deixa de contribuir por período superior a doze meses, em virtude de males incapacitantes, não perde a qualidade de segurado." (AGREsp nº 494190/PE, Relator Ministro PAULO MEDINA, DJ 22/09/03, p. 402).
Nesse sentido, também o entendimento desta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE CÔNJUGE. QUALIDADE DE SEGURADO DO FALECIDO INSTITUIDOR. DEIXOU DE CONTRIBUIR EM RAZÃO DO AGRAVAMENTO DO QUADRO PATOLÓGICO.
1. A pensão por morte é devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, e independe de carência.
2. Na condição de esposa a dependência econômica é presumida. Art. 16, I e § 4º da Lei 8.213/91 (Redação dada pela Lei nº 9.032/1995, vigente à data do óbito).
3. A jurisprudência flexibilizou o rigorismo legal, fixando entendimento no sentido de que não há falar em perda da qualidade de segurado se a ausência de recolhimento das contribuições decorreu da impossibilidade de trabalho de pessoa acometida de doença.
4. Preenchidos os requisitos, é devido o benefício de pensão por morte à autora, desde a data do óbito.
5. Aplica-se o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal no que tange aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora.
6. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
7. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
8. Apelação provida." (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002112-82.2016.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 07/12/2022, DJEN DATA: 14/12/2022).
A dependência econômica da parte autora é presumida, nos termos do § 4º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91, uma vez que filha menor à época do óbito do genitor (ID 294730567 - Págs. 10/12). Faz jus ao benefício, portanto, até atingir os 21 (vinte e um) anos.
Assim, presentes os requisitos legais, é devida a concessão do benefício de pensão por morte.
A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, atualmente com as alterações promovidas pela Resolução nº 658/2020 - CJF, de 10/08/2020, observando-se que desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 08/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Em razão da sucumbência recursal, mantenho a condenação da parte ré nos termos fixados na r. sentença e majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento), observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 4º, III, 5º, 11, do CPC/2015.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, bem assim arbitro honorários em face da sucumbência recursal, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 74 E SEGUINTES DA LEI 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
- Em obediência ao princípio do tempus regit actum, deve-se analisar o benefício pela legislação em vigor na data do óbito.
- Para a concessão de pensão por morte, benefício previsto no artigo 74 da Lei nº 8.213/91, devem estar presentes os seguintes requisitos: o óbito do segurado, a qualidade de dependente e a comprovação da qualidade de segurado do falecido ou, em caso de perda dessa qualidade, o preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria, na forma dos artigos 15 e 102 da Lei nº 8.213/91.
- O conjunto probatório revela que o falecido se encontrava incapacitado, ainda no período de graça, para exercer atividade laborativa que garantisse seu sustento, sendo certo que não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de contribuir, em virtude de males incapacitantes. Precedentes.
- Comprovada a condição de filha menor do segurado falecido, a dependência econômica é presumida, nos termos do § 4º artigo 16 da Lei nº 8.213/91.
- Em razão da sucumbência recursal, honorários advocatícios majorados em 2% (dois por cento), observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 4º, III, 5º, 11, do CPC/2015.
- Apelação do INSS não provida.
