Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0035309-21.2013.4.03.6301
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
13/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 2010, NA VIGÊNCIA DA LEI Nº
8.213/91. CÔNJUGE FALECIDO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. VÍNCULO
EMPREGATÍCIO FICTÍCIO. ANOTAÇÕES EM CTPS. AUTENTICIDADE ILIDIDADE. PERDA DA
QUALIDADE DE SEGURADO. RESTABELECIMENTO INDEVIDO. RESTITUIÇÃO DO
NUMERÁRIO AUFERIDO INDEVIDAMENTE. BOA-FÉ DA BENEFICIÁRIA. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO.
- Resta prejudicado o agravo retido interposto pela parte autora contra a decisão que indeferiu a
produção de prova oral, tendo em vista que, no curso da demanda, referida decisão foi
reconsiderada, com a oitiva de testemunhas em juízo.
- Em decorrência do falecimento do cônjuge da parte autora (Francisco Rosa), ocorrido em 15 de
janeiro de 2010, foi-lhe deferida administrativamente a pensão por morte (NB 21/148.863.955-5),
desde a data do óbito, conforme se verifica da respectiva carta de concessão.
- Em 30 de outubro de 2012, a Autarquia Previdenciária emitiu à parte autora o ofício nº
49/21005090/Agência da Previdência Social em Guaianases – São Paulo, informando-a acerca
da identificação de irregularidade no benefício, consubstanciada na ausência de autenticidade do
último contrato de trabalho estabelecido pelo de cujus.
- Após propiciar a apresentação de defesa em processo administrativo, o INSS concluiu pela
cessação do benefício e apurou complemento negativo, no importe de R$ 101.762,54.
- Conforme se depreende das informações constantes no extrato do Sistema Único de Benefícios
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- DATAPREV, ao de cujus houvera sido deferida administrativamente a aposentadoria por
invalidez (NB 92/525565688-3), desde 08 de janeiro de 2008, a qual se encontrava em
manutenção ao tempo do óbito (15/01/2010).
- Anteriormente, estivera em gozo dos seguintes benefícios de auxílio-doença (NB 31/502618681-
1), entre 14/09/2005 e 16/12/1005; (NB 31/502868634-0), entre 16/04/2006 e 30/10/2007; (NB
91/522886674-0), entre 30/11/2007 e 07/01/2008.
- Na seara administrativa, em 15 de março de 2010, o proprietário da empresa Empreiteira Minas
Sul – Ltda., esclareceu não reconhecer a autenticidade do suposto contrato de trabalho, firmado
junta à sua empresa por Francisco Rosa, a partir de 18 de janeiro de 1999, esclarecendo tratar-se
de manobra de um contador de nome Dorival Baptista.
- Conforme se depreende das cópias trazidas aos presentes autos, a Polícia Federal já houvera
instaurado inquéritos policiais, a fim de apurar contratos de trabalho fictícios, forjados pelo
contador Dorival Baptista, a fim de propiciar a concessão de benefícios previdenciários. Nos
aludidos procedimentos investigatórios, foram inquiridas testemunhas e próprio indiciado.
- Inquirido na presente demanda, em depoimento colhido em mídia audiovisual, o sócio
proprietário da empresa Empreiteira Minas Sul Ltda., reiterou que Francisco Rosa nunca foi seu
empregado e se tratar de manobra realizada pelo contador da empresa na época (Dorival
Baptista), que se utilizava da pessoa jurídica, a fim de forjar contratos de trabalho fictícios e
propiciar a concessão fraudulenta de benefícios previdenciários.
- Os extratos do CNIS, carreados aos autos pelo INSS, também revelam terem sido as
informações, atinentes ao aludido contrato de trabalho, lançadas de forma extemporânea em seu
banco de dados.
- Dessa forma, restou afastada a autenticidade das anotações lançadas na CTPS do de cujus, no
que tange ao suposto contrato de trabalho, estabelecido a partir de 18 de janeiro de 1999.
- Ausente a qualidade de segurado ao tempo do falecimento, o dependente não faz jus à pensão
por morte, tornando-se inviável o restabelecimento do benefício.
- Na situação retratada nos autos, não há qualquer evidência de que a autora tivesse concorrido
para a anotação fictícia do contrato de trabalho que houvera assegurado a qualidade de segurado
ao falecido esposo, sendo que nem mesmo o INSS chegou a suscitar esta hipótese. Sequer há
evidências de que soubesse das irregularidades apontadas pelo INSS e que propiciaram a
cassação da pensão por morte.
- Dentro deste quadro, porquanto imbuída de boa-fé, carece a parte autora da obrigação de
restituir as parcelas indevidamente auferidas por erro da Administração, ainda que derivada da
ação de terceiros.
- Condenação equitativa ao pagamento de honorários advocatícios, conforme a sucumbência
recursal das partes.
- Tutela antecipada cassada.
- Agravo retido prejudicado.
- Apelação da parte autora provida parcialmente.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0035309-21.2013.4.03.6301
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ISABEL FRANCISCA ROSA
Advogado do(a) APELANTE: DAUBER SILVA - SP260472-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0035309-21.2013.4.03.6301
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ISABEL FRANCISCA ROSA
Advogado do(a) APELANTE: DAUBER SILVA - SP260472-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada por ISABEL FRANCISCA ROSA em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o restabelecimento do
benefício previdenciário de pensão por morte (NB 21/148.863.955-5), concedida em
15/02/2010, com devolução dos valores eventualmente descontados pela autarquia
previdenciária.
Tutela antecipada deferida para compelir o INSS ao restabelecimento da pensão por morte (id.
141475199 – p. 122/123).
A r. sentença recorrida julgou improcedente o pedido, ao reputar que o de cujus não ostentava
a qualidade de segurado ao tempo do falecimento, tendo em vista ter sido afastada a
autenticidade de seu último contrato de trabalho. Deixou consignada a ausência de boa-fé
objetiva da autora, no recebido indevido da pensão, determinando a restituição dos valores
auferidos, inclusive daqueles decorrentes da tutela antecipada, cuja revogação determinou,
para a cassação do benefício (id. 141475216 – p. 1/13).
Os embargos de declaração opostos pela parte autora foram acolhidos em parte, apenas para
retificar erro material, no tocante à data do falecimento do instituidor da pensão (id. 141475224
– p. 1/2).
Em suas razões recursais, pugna a parte autora, inicialmente pela apreciação do agravo retido,
interposto contra a decisão que indeferiu a produção de prova testemunhal. Requer, outrossim,
o efeito suspensivo ao recurso. No mérito, pleiteia a reforma da sentença, com o
restabelecimento da pensão por morte, ao argumento de que não restou afastada a
autenticidade do vínculo empregatício estabelecido com a empresa Empreiteira Minas Sul –
Leandro Lopes Ltda – ME, iniciado em 18/01/1999, o qual legitimou a concessão da
aposentadoria por invalidez do qual o de cujus era titular, ao tempo do falecimento.
Alternativamente, argui que seja declarada sua boa-fé no recebimento da pensão por morte,
ilidindo o dever de restituir os valores auferidos (id 141475223 – p. 1/10).
Sem contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta instância para decisão.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0035309-21.2013.4.03.6301
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ISABEL FRANCISCA ROSA
Advogado do(a) APELANTE: DAUBER SILVA - SP260472-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Resta prejudicado o agravo retido interposto pela parte autora contra a decisão que indeferiu a
produção de prova testemunhal (id. 141475201 – p. 34/40), tendo em vista que, no curso da
demanda, referida decisão foi reconsiderada, com a oitiva de depoentes em juízo.
No tocante ao pedido de efeito suspensivo ao recurso, por confundir-se com o mérito da
demanda, com este passo a apreciá-lo.
DO CASO DOS AUTOS
Em decorrência do falecimento do cônjuge da parte autora (Francisco Rosa), ocorrido em 15 de
janeiro de 2010, foi-lhe deferida administrativamente a pensão por morte (NB 21/148.863.955-
5), desde a data do óbito, conforme se verifica da respectiva carta de concessão (id. 141475197
– p. 20).
Em 30 de outubro de 2012, a Autarquia Previdenciária emitiu o ofício nº 49/21005090/Agência
da Previdência Social em Guaianases – São Paulo, informando-a acerca da identificação de
irregularidade no benefício, consubstanciada na ausência de autenticidade do último contrato
de trabalho estabelecido pelo de cujus (id. 141475197 – p. 31).
Após propiciar a apresentação de defesa em processo administrativo, o INSS concluiu pela
cessação do benefício e apurou complemento negativo, no importe de R$ 101.762,54 (id.
141475197 – p. 33/34).
Conforme se depreende das informações constantes no extrato do Sistema Único de Benefícios
- DATAPREV, ao de cujus houvera sido deferida administrativamente a aposentadoria por
invalidez (NB 92/525565688-3), desde 08 de janeiro de 2008, a qual se encontrava em
manutenção ao tempo do óbito (15/01/2010).
Anteriormente, estivera em gozo dos seguintes benefícios de auxílio-doença (NB
31/502618681-1), entre 14/09/2005 e 16/12/1005; (NB 31/502868634-0), entre 16/04/2006 e
30/10/2007; (NB 91/522886674-0), entre 30/11/2007 e 07/01/2008 (id. 141475197 – p. 64/67).
A controvérsia cinge-se à autenticidade do contrato de trabalho estabelecido a partir de 18 de
janeiro de 1999, o qual propiciou a concessão dos referidos benefícios e que, por corolário,
asseguraram a qualidade de segurado, por ocasião do falecimento.
Na seara administrativa, em 15 de março de 2010, o proprietário da empresa Empreiteira Minas
Sul – Ltda., esclareceu não reconhecer a autenticidade do suposto contrato de trabalho, firmado
junta à sua empresa por Francisco Rosa, a partir de 18 de janeiro de 1999, esclarecendo tratar-
se de manobra de um contador de nome Dorival Baptista, a fim de propiciar a concessão
fraudulenta de benefícios previdenciários (id. 141475197 – p. 141).
Conforme se depreende das cópias trazidas aos presentes autos, a Polícia Federal já houvera
instaurado inquéritos policiais, a fim de apurar contratos de trabalho fictícios, forjados pelo
contador Dorival Baptista, a fim de propiciar a concessão fraudulenta de benefícios
previdenciários. Nos aludidos procedimentos investigatórios, foram inquiridas testemunhas e
próprio indiciado (id. 141475201 – p. 90/112).
Inquirido na presente demanda, em depoimento colhido em mídia audiovisual, o sócio
proprietário da empresa Empreiteira Minas Sul Ltda., reiterou que Francisco Rosa nunca foi seu
empregado e se tratar de manobra realizada pelo contador da empresa na época (Dorival
Baptista), que se utilizava da pessoa jurídica, a fim de forjar contratos de trabalho fictícios e
propiciar a concessão fraudulenta de benefícios previdenciários, conforme investigação
realizada pela Polícia Federal, por envolver a concessão de outros benefícios previdenciários.
Os extratos do CNIS, carreados aos autos pelo INSS, também revelam terem sido as
informações, atinentes ao aludido contrato de trabalho, lançadas de forma extemporânea em
seu banco de dados (id. 141475197 – p. 59/60).
Dessa forma, restou afastada a autenticidade das anotações lançadas na CTPS do de cujus, no
que tange ao suposto contrato de trabalho, estabelecido a partir de 18 de janeiro de 1999.
Abstraído o aludido interregno, verifica-se que o último vínculo empregatício, estabelecido por
Francisco Rosa junto à empregadora Indústria e Comércio de Vidros Santa Terezinha Ltda.,
houvera cessado em 10 de novembro de 1989, o que implica na perda da qualidade de
segurado ao tempo em que lhe havia sido concedido o primeiro benefício por incapacidade,
vale dizer, o auxílio-doença (NB 31/502618681-1), entre 14 de setembro de 2005 e 16 de
dezembro de 2005, e, consequentemente, àquele que o sucedeu e que se encontrava em vigor
ao tempo do decesso (15/01/2010).
Ausente a qualidade de segurado ao tempo do falecimento, o dependente não faz jus à pensão
por morte, tornando-se inviável o acolhimento do pedido de restabelecimento do benefício.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
No tocante à obrigação da parte autora em restituir o numerário recebido indevidamente,
aprecio a matéria à luz do que decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o
Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão levada a julgamento foi a “Devolução ou não de
valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação
errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte
tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
Na situação retratada nos autos, não há qualquer evidência de que a autora tivesse concorrido
para a anotação fictícia do contrato de trabalho que houvera assegurado a qualidade de
segurado ao falecido esposo, sendo que nem mesmo o INSS chegou a suscitar esta hipótese.
Sequer há evidências de que soubesse das irregularidades apontadas pelo INSS e que
propiciaram a cassação da pensão por morte.
Dentro deste quadro, porquanto imbuída de boa-fé, não remanesce àparte autora a obrigação
de restituir as parcelas indevidamente auferidas por erro da Administração, ainda que
derivadoda ação de terceiros.
Neste sentido, trago à colação a ementa do seguinte julgado, proferido por este Egrégia Corte:
“AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, VI, DO CPC/1973.PENSÃOPOR MORTE DE
COMPANHEIRO.OPERAÇÃOEL CID II. EXISTÊNCIA DE PROVA FALSA. PEDIDO DE
RESCISÃO PROCEDENTE. JUÍZO RESCISÓRIO: AUSENTES OS REQUISITOS PARA A
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. DESNECESSIDADE DE
DEVOLUÇÃO DOS VALORES.
1) A decisão rescindenda transitou em julgado em 30/09/2011 e esta ação rescisória foi
ajuizada em 24/09/2013, obedecido o prazo bienal decadencial. Ação rescisória ajuizada na
vigência do CPC/1973.
2) O conceito de prova falsa para fins de rescisória é amplo, não havendo distinção entre a
prova documental e a oral, entre o falso material e o ideológico ou em relação à apuração no
âmbito civil ou criminal.
3) A rescindibilidade fundada em prova falsa pressupõe que essa tenha sido determinante para
a conclusão do julgamento, ou seja, sem ela, a decisão não subsistiria tal como lançada.
4) Embora não se ignore que o juízo direciona seus fundamentos para as provas referentes à
dependência econômica, o resultado seria outro caso os elementos verdadeiros - incluindo os
vínculos empregatícios do companheiro - estivessem à sua disposição. Se afastada a qualidade
de segurado, a conclusão não seria pela presença dos requisitos necessários à concessão do
benefício, nos moldes traçados pelo decisum.
5) Os acontecimentos narrados nos autos da presente rescisória demonstram que, para a
concessão do benefício em tela, percorreu-se todo omodus operandiutilizado pela quadrilha
investigada no âmbito da chamadaOperaçãoEl Cid II.
6) Relatório produzido no Inquérito Policial Federal nº 1015/2011-DPF/CAS/SP - DELEGACIA
DE POLÍCIA FEDERAL EM CAMPINAS revela que os fatos aqui narrados fazem parte de um
complexo maior de atividades a partir das quais se descobriu inúmeras fraudes perpetradas
contra os cofres da Previdência Social.
(...)
13) Rescisão da decisão monocrática proferida nos autos da Apelação Cível nº 0031647-
81.2011.4.03.9999/SP, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/1973.
14) Juízo rescisório. O óbito se deu em 18/02/2000 e o único vínculo empregatício se encerrou
em dezembro de 1985, não restando demonstrada a qualidade de segurado do de cujus,
conforme previsto no art. 15 da Lei 8.213/91.
15) Na data do óbito, o de cujus já não mantinha a qualidade de segurado, com o que não fazia
jus a nenhuma cobertura previdenciária. Seus eventuais dependentes, por consequência,
também não.
16) Ausente um dos requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado, se torna
irrelevante discutir a qualidade de dependente da ré. Improcedente, portanto, o pedido
depensãopor morte.
17) Com relação à devolução de valores, há jurisprudência consolidada pela sua rejeição, ao
argumento de que as verbas de natureza alimentar e decorrentes de decisão judicial transitada
em julgado não são passíveis derestituição.Ao se analisar o teor de recentes decisões do STJ,
chega-se à conclusão de que a possibilidade de devolução somente será afastada caso o
beneficiário tenha agido de boa-fé. A contrario sensu, configurada a má-fé, é imperiosa a
necessidade derestituição,vedado o enriquecimento ilícito (REsp 1669885/SP, Relator Ministro
Francisco Falcão, DJe 08/06/2017).
18) É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. No caso, não resta
demonstrada a atuação de má-fé da parte ré, motivo pelo qual é incabível o pleito de devolução
de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de decisão judicial transitada em
julgado. Denúncia arquivada pelo Ministério Público Federal.
19) Pedido de desconstituição procedente, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/1973.
Improcedência do pedido formulado na lide subjacente. Indeferido o pedido derestituiçãodos
valores recebidos pela parte ré".
(AÇÃO RESCISÓRIA - AR 0024040-70.2013.4.03.0000 TRF3 - TERCEIRA SEÇÃO, Nona
Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/11/2019).
Neste contexto, merece parcial provimento a apelação da parte autora, apenas para isentá-la
da obrigação de restituir as parcelas de pensão por morte (NB 21/148.863.955-5), auferidas
indevidamente, por erro da Administração.
Em razão da sucumbência recíproca e proporcional das partes, condeno a autoria ao
pagamento de honorários advocatícios no valor de 5% do valor da causa e o INSS ao
pagamento de 5% do valor da causa.
As despesas do processo deverão ser suportadas pelas partes em observância ao art. 86 do
CPC.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo prejudicado o agravo retido e dou parcial provimento à apelação da parte
autora, apenas para isentá-la daobrigaçãode restituir as parcelas de pensão por morte (NB
21/148.863.955-5), auferidas indevidamente, por erro da Administração, na forma da
fundamentação.Revogo a tutela antecipada anteriormente deferida. Comunique-se o INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 2010, NA VIGÊNCIA DA LEI Nº
8.213/91. CÔNJUGE FALECIDO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. VÍNCULO
EMPREGATÍCIO FICTÍCIO. ANOTAÇÕES EM CTPS. AUTENTICIDADE ILIDIDADE. PERDA
DA QUALIDADE DE SEGURADO. RESTABELECIMENTO INDEVIDO. RESTITUIÇÃO DO
NUMERÁRIO AUFERIDO INDEVIDAMENTE. BOA-FÉ DA BENEFICIÁRIA. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO.
- Resta prejudicado o agravo retido interposto pela parte autora contra a decisão que indeferiu a
produção de prova oral, tendo em vista que, no curso da demanda, referida decisão foi
reconsiderada, com a oitiva de testemunhas em juízo.
- Em decorrência do falecimento do cônjuge da parte autora (Francisco Rosa), ocorrido em 15
de janeiro de 2010, foi-lhe deferida administrativamente a pensão por morte (NB
21/148.863.955-5), desde a data do óbito, conforme se verifica da respectiva carta de
concessão.
- Em 30 de outubro de 2012, a Autarquia Previdenciária emitiu à parte autora o ofício nº
49/21005090/Agência da Previdência Social em Guaianases – São Paulo, informando-a acerca
da identificação de irregularidade no benefício, consubstanciada na ausência de autenticidade
do último contrato de trabalho estabelecido pelo de cujus.
- Após propiciar a apresentação de defesa em processo administrativo, o INSS concluiu pela
cessação do benefício e apurou complemento negativo, no importe de R$ 101.762,54.
- Conforme se depreende das informações constantes no extrato do Sistema Único de
Benefícios - DATAPREV, ao de cujus houvera sido deferida administrativamente a
aposentadoria por invalidez (NB 92/525565688-3), desde 08 de janeiro de 2008, a qual se
encontrava em manutenção ao tempo do óbito (15/01/2010).
- Anteriormente, estivera em gozo dos seguintes benefícios de auxílio-doença (NB
31/502618681-1), entre 14/09/2005 e 16/12/1005; (NB 31/502868634-0), entre 16/04/2006 e
30/10/2007; (NB 91/522886674-0), entre 30/11/2007 e 07/01/2008.
- Na seara administrativa, em 15 de março de 2010, o proprietário da empresa Empreiteira
Minas Sul – Ltda., esclareceu não reconhecer a autenticidade do suposto contrato de trabalho,
firmado junta à sua empresa por Francisco Rosa, a partir de 18 de janeiro de 1999,
esclarecendo tratar-se de manobra de um contador de nome Dorival Baptista.
- Conforme se depreende das cópias trazidas aos presentes autos, a Polícia Federal já houvera
instaurado inquéritos policiais, a fim de apurar contratos de trabalho fictícios, forjados pelo
contador Dorival Baptista, a fim de propiciar a concessão de benefícios previdenciários. Nos
aludidos procedimentos investigatórios, foram inquiridas testemunhas e próprio indiciado.
- Inquirido na presente demanda, em depoimento colhido em mídia audiovisual, o sócio
proprietário da empresa Empreiteira Minas Sul Ltda., reiterou que Francisco Rosa nunca foi seu
empregado e se tratar de manobra realizada pelo contador da empresa na época (Dorival
Baptista), que se utilizava da pessoa jurídica, a fim de forjar contratos de trabalho fictícios e
propiciar a concessão fraudulenta de benefícios previdenciários.
- Os extratos do CNIS, carreados aos autos pelo INSS, também revelam terem sido as
informações, atinentes ao aludido contrato de trabalho, lançadas de forma extemporânea em
seu banco de dados.
- Dessa forma, restou afastada a autenticidade das anotações lançadas na CTPS do de cujus,
no que tange ao suposto contrato de trabalho, estabelecido a partir de 18 de janeiro de 1999.
- Ausente a qualidade de segurado ao tempo do falecimento, o dependente não faz jus à
pensão por morte, tornando-se inviável o restabelecimento do benefício.
- Na situação retratada nos autos, não há qualquer evidência de que a autora tivesse concorrido
para a anotação fictícia do contrato de trabalho que houvera assegurado a qualidade de
segurado ao falecido esposo, sendo que nem mesmo o INSS chegou a suscitar esta hipótese.
Sequer há evidências de que soubesse das irregularidades apontadas pelo INSS e que
propiciaram a cassação da pensão por morte.
- Dentro deste quadro, porquanto imbuída de boa-fé, carece a parte autora da obrigação de
restituir as parcelas indevidamente auferidas por erro da Administração, ainda que derivada da
ação de terceiros.
- Condenação equitativa ao pagamento de honorários advocatícios, conforme a sucumbência
recursal das partes.
- Tutela antecipada cassada.
- Agravo retido prejudicado.
- Apelação da parte autora provida parcialmente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu julgar prejudicado o agravo retido e dar parcial provimento à apelação da
parte autora, apenas para isentá-la da obrigação de restituir as parcelas de pensão por morte,
auferidas indevidamente, por erro da Administração, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
