
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006018-56.2020.4.03.6102
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE FIFOLATO
Advogado do(a) APELADO: ELIZANDRA MARCIA DE SOUZA BERNO - SP173750-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006018-56.2020.4.03.6102
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE FIFOLATO
Advogado do(a) APELADO: ELIZANDRA MARCIA DE SOUZA BERNO - SP173750-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada por MARIA JOSÉ FIFOLATO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, objetivando o benefício de pensão por morte, em decorrência do falecimento de Ivan Calixto, ocorrido em 24 de junho de 2018, com quem alega haver convivido em união estável.
A r. sentença julgou procedente o pedido e condenou a Autarquia Previdenciária à concessão do benefício pleiteado, com parcelas acrescidas dos consectários legais (id 293382329 – p. 1/4).
Os embargos de declaração opostos pela parte autora foram acolhidos, a fim de fixar o termo inicial do benefício, a contar da data do óbito e deixar consignado o caráter vitalício da pensão (id. 293382331 – p. 1/6).
Em suas razões recursais, pugna o INSS, inicialmente, pela concessão de efeito suspensivo ao recurso. No mérito, requer a reforma da sentença e a improcedência do pedido, ao argumento de não ter logrado a parte autora comprovar os requisitos autorizadores à concessão do benefício, notadamente no que se refere à sua dependência econômica em relação ao falecido segurado. Argui a ausência de prova material acerca da suposta união estável vivenciada até a data do falecimento do segurado. Subsidiariamente, pleiteia a fixação do termo inicial a contar da data da citação, o reconhecimento da prescrição quinquenal e insurge-se contra os critérios de incidência da correção monetária. Suscita, por fim, o prequestionamento legal, para efeito de interposição de recursos (id. 293382432 – p. 1/11).
O INSS se manifestou, nos termos do art. 1.023, §2º do CPC, reiterando os argumentos da apelação.
Contrarrazões (id. 293382439 – p. 1/3).
Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta instância para decisão.
É o relatório.
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9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006018-56.2020.4.03.6102
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE FIFOLATO
Advogado do(a) APELADO: ELIZANDRA MARCIA DE SOUZA BERNO - SP173750-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Ao contrário do que foi suscitado pelo INSS, em suas razões recursais, conquanto tenha sido julgado procedente o pedido, não houve antecipação da tutela.
DA PENSÃO POR MORTE
O primeiro diploma legal brasileiro a prever um benefício contra as consequências da morte foi a Constituição Federal de 1946, em seu art. 157, XVI. Após, sobreveio a Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), que estabelecia como requisito para a concessão da pensão o recolhimento de pelo menos 12 (doze) contribuições mensais e fixava o valor a ser recebido em uma parcela familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito, e tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) por segurados, até o máximo de 5 (cinco).
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional n.º 1/69, também disciplinaram o benefício de pensão por morte, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna estabeleceu em seu art. 201, V, que:
"A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º."
A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 e seu Decreto Regulamentar n.º 3048, de 06 de maio de 1999, disciplinaram em seus arts. 74 a 79 e 105 a 115, respectivamente, o benefício de pensão por morte, que é aquele concedido aos dependentes do segurado, em atividade ou aposentado, em decorrência de seu falecimento ou da declaração judicial de sua morte presumida.
Depreende-se do conceito acima mencionado que para a concessão da pensão por morte é necessário o preenchimento de dois requisitos: ostentar o falecido a qualidade de segurado da Previdência Social, na data do óbito e possuir dependentes incluídos no rol do art. 16 da supracitada lei.
A qualidade de segurado, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a:
"denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente atendido pela previdência social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão previdenciariamente cobertos." (Curso de Direito Previdenciário. Tomo II - Previdência Social. São Paulo: LTr, 1998, p. 594).
Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios, a saber:
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo."
É de se observar, ainda, que o § 1º do supracitado artigo prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.
Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do Ministério do Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12 (doze) meses. A comprovação do desemprego pode se dar por qualquer forma, até mesmo oral, ou pela percepção de seguro-desemprego.
Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c. o art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº 4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição, acarretando, consequentemente, a caducidade de todos os direitos previdenciários.
Conforme já referido, a condição de dependentes é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida o cônjuge, o(a) companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, os pais, e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
De acordo com o § 2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência econômica.
DO CASO DOS AUTOS
O óbito de Ivan Calixto, ocorrido em 24 de junho de 2018, está comprovado pela respectiva Certidão.
Consoante se infere das informações constantes no extrato do CNIS, o de cujus mantivera vínculos empregatícios, em interregnos intermitentes, entre 14 de janeiro de 1976 e 11 de agosto de 2015. A partir de então, verteu contribuições previdenciárias, na condição de contribuinte individual, até abril de 2018, de tal forma que ostentava a qualidade de segurado, nos termos do art. 15, II da Lei nº 8.213/91.
Na esfera administrativa, o indeferimento do pedido, protocolado em 04 de setembro de 2018, esteve pautado na ausência de comprovação da união estável.
No Código Civil, referido instituto estável está disciplinado pelo artigo 1723, segundo o qual “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
No mesmo sentido, é o artigo 1º da Lei 9.278/96, estabelecendo que “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Após a introdução no ordenamento jurídico da Medida Provisória n. 871/2019, publicada em 18/01/2019, posteriormente convertida na Lei n. 13.846, de 18 de julho de 2019, não mais é possível o reconhecimento da união estável com base na jurisprudência que preconizava ser bastante a prova testemunhal.
Desde então, o art. 16 da Lei nº 8.213/91 sofreu alteração e passou a exigir início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos imediatamente anteriores ao óbito do segurado.
A autora carreou aos autos início de prova material acerca da alegada união estável, cabendo destacar as faturas de despesas telefônicas, emitidas em nome de ambos, em época contemporânea ao falecimento, as quais os vinculam ao mesmo endereço: Rua dos Ipês, nº 261, em Brodowiski – SP (id. 293382057 – p. 33/35; 293382058 – p. 15 e 21).
Também instrui a exordial o contrato de locação firmado por ambos, em 20 de janeiro de 2018, atinente ao imóvel residencial situado à Rua dos Ipês, nº 261, em Brodowski – SP (id. 293382074 – p. 67/69).
Na certidão de óbito, a qual teve como declarante a filha do segurado, restou assentado que com a parte autora o de cujus convivia em união estável.
A autora já houvera ajuizado a ação de reconhecimento e dissolução de união estável em face dos sucessores do segurado, a qual tramitou pela Vara Única da Comarca de Brodowski – SP (proc. nº 1000213-37.2019.8.26.0094). Na ocasião, houve instrução probatória, com oitiva de testemunhas, culminando com a procedência do pleito, a fim de reconhecer o convívio marital no interregno compreendido entre maio de 2016 e 24 de junho de 2018. O decisum transitou em julgado em 02 de julho de 2019 (id. 293382059 – p. 1/3 e 7).
As certidões de casamento de ambos contêm averbação de que se encontravam divorciados de seus respectivos cônjuges (id. 293382058 – p. 9/11).
Na presente demanda também foram inquiridas três testemunhas, em audiência realizada em 06 de dezembro de 2022, que afirmaram conhecer a parte autora, há mais de trinta anos, por serem moradoras de Brodowski – SP, tendo vivenciado que, logo após se divorciar do marido, ela passou a conviver maritalmente com Ivan Calixto.
As depoentes Aparecida Rossin, Marta de Souza de Faria e Maria Helena Arantes Macedo esclareceram com minudencias que o relacionamento do casal tivera início no ano de 2015, sendo que, no início de 2016, eles passaram a morar no mesmo imóvel, sendo tidos, desde então, perante a sociedade local, como se fossem casados, condição que se estendeu, sem interrupções, até a data em que ele faleceu.
Desta forma, se torna desnecessária a demonstração da dependência econômica, pois, segundo o art. 16, I, § 4º, da Lei de Benefícios, a mesma é presumida em relação à companheira.
Em face de todo o explanado, a postulante faz jus ao benefício de pensão por morte.
Tendo em vista que a autora, ao tempo do falecimento do segurado, contava com idade superior a 44 anos, além do convívio marital com duração superior a 2 (dois) anos, deve ser mantido o caráter vitalício da pensão, conforme preconizado pelo art. 77, II, V, c, “6”, da Lei nº 8.213/91, com a redação introduzida pela Lei nº 13.135/2015.
CONSECTÁRIOS
TERMO INICIAL
O termo inicial do benefício de pensão por morte, segundo o art. 74 da Lei nº 8.213/91, com a nova redação vigente ao tempo do falecimento, seria a data do óbito, caso fosse requerido em até noventa dias após a sua ocorrência, ou na data em que fosse pleiteado, se transcorrido este prazo.
Na hipótese dos autos, na qual o requerimento administrativo protocolado em 04/09/2018, o termo inicial deve ser mantido na data do óbito (24/06/2018).
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL
Não remanescem parcelas alcançadas pela prescrição quinquenal, tendo em vista que a presente demanda foi ajuizada em 04 de setembro de 2020.
DA APLICAÇÃO ÚNICA DA SELIC A PARTIR DA EC 113, DE 08/12/21
Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
PREQUESTIONAMENTO
Cumpre salientar, diante de todo o explanado, que a r. sentença monocrática não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento suscitado pelo Instituto Autárquico.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, a fim de reformar a sentença, no que se refere aos critérios de incidência da correção monetária, mantendo a concessão da pensão por morte, a contar da data do óbito (24/06/2018), na forma da fundamentação. Os honorários advocatícios serão fixados por ocasião da liquidação do julgado.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 2018, NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO INCONTROVERSA. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. IDADE DA AUTORA. PERÍODO MÍNIMO DE UNIÃO ESTÁVEL. LEI 13.135/2015. CARÁTER VITALÍCIO DA PENSÃO. TERMO INICIAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.
- O óbito, ocorrido em 24 de junho de 2018, restou comprovado pela respectiva Certidão.
- É incontroversa a qualidade de segurado, uma vez que o de cujus se encontrava-se no denominado período de graça preconizado pelo art. 15, II da Lei nº 8.213/91.
- A autora carreou aos autos copiosa prova material acerca da união estável vivenciada com o falecido segurado, cabendo destacar a sentença proferida pela justiça estadual, além de documentos que vinculam ambos ao mesmo endereço.
- Tanto na ação ajuizada perante a justiça estadual, quanto na presente demanda, foram inquiridas testemunhas que asseveraram terem vivenciado que a autora e o segurado conviveram maritalmente, entre o início de 2016 e a data do falecimento, sendo vistos perante a sociedade como se fossem casados, condição ostentada até a data do óbito.
- Desnecessária a demonstração da dependência econômica, pois, segundo o art. 16, I, § 4º, da Lei de Benefícios, a mesma é presumida em relação à companheira.
- Tendo em vista que a idade da autora, ao tempo do falecimento do segurado, além do convívio marital com duração superior a 2 (dois) anos, o benefício terá o caráter vitalício, conforme preconizado pelo art. 77, II, V, c, “6”, da Lei nº 8.213/91, com a redação introduzida pela Lei nº 13.135/2015.
- Em respeito ao disposto no artigo 74, I da Lei nº 8.213/91, o termo inicial deve ser mantido na data do óbito.
- Considerando a data do ajuizamento da demanda, não remanescem parcelas alcançadas pela prescrição quinquenal.
- Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015, os quais, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
- Apelação do INSS provida parcialmente.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
