
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5074185-35.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: JOSE ROBERTO VIDAL RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: BRUNO TRINDADE NOGUEIRA - SP377995-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5074185-35.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: JOSE ROBERTO VIDAL RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: BRUNO TRINDADE NOGUEIRA - SP377995-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada por JOSÉ ROBERTO VIDAL RODRIGUES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, objetivando o benefício de pensão por morte, em decorrência do falecimento de Fátima Helena Rosa, ocorrido em 07 de fevereiro de 2019, com quem alega haver convivido em união estável.
A r. sentença julgou procedente o pedido e condenou o INSS à concessão da pensão por morte, a contar da data do requerimento administrativo, com parcelas acrescidas dos consectários legais. Por fim, deferiu a tutela de urgência e determinou sua imediata implantação (id 290869192 – p. 1/6).
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença e a improcedência do pedido, ao argumento de não ter logrado a parte autora comprovar os requisitos autorizadores à concessão do benefício, notadamente no que se refere à sua dependência econômica em relação à falecida segurada. Argui a ausência de prova material acerca da suposta união estável vivenciada ao tempo do falecimento. Subsidiariamente, requer que o benefício seja pago por apenas quatro meses, a teor do disposto no art. 77, §2º, II, b, da Lei nº 8.213/91, com a redação introduzida pela Lei nº 13.135/2015 (id. 290869202 – p. 1/6).
Sem contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta instância para decisão.
É o relatório.
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9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5074185-35.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: JOSE ROBERTO VIDAL RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: BRUNO TRINDADE NOGUEIRA - SP377995-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
DA PENSÃO POR MORTE
O primeiro diploma legal brasileiro a prever um benefício contra as consequências da morte foi a Constituição Federal de 1946, em seu art. 157, XVI. Após, sobreveio a Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), que estabelecia como requisito para a concessão da pensão o recolhimento de pelo menos 12 (doze) contribuições mensais e fixava o valor a ser recebido em uma parcela familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito, e tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) por segurados, até o máximo de 5 (cinco).
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional n.º 1/69, também disciplinaram o benefício de pensão por morte, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna estabeleceu em seu art. 201, V, que:
"A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º."
A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 e seu Decreto Regulamentar n.º 3048, de 06 de maio de 1999, disciplinaram em seus arts. 74 a 79 e 105 a 115, respectivamente, o benefício de pensão por morte, que é aquele concedido aos dependentes do segurado, em atividade ou aposentado, em decorrência de seu falecimento ou da declaração judicial de sua morte presumida.
Depreende-se do conceito acima mencionado que para a concessão da pensão por morte é necessário o preenchimento de dois requisitos: ostentar o falecido a qualidade de segurado da Previdência Social, na data do óbito e possuir dependentes incluídos no rol do art. 16 da supracitada lei.
A qualidade de segurado, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a:
"denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente atendido pela previdência social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão previdenciariamente cobertos." (Curso de Direito Previdenciário. Tomo II - Previdência Social. São Paulo: LTr, 1998, p. 594).
Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios, a saber:
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo."
É de se observar, ainda, que o § 1º do supracitado artigo prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.
Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do Ministério do Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12 (doze) meses. A comprovação do desemprego pode se dar por qualquer forma, até mesmo oral, ou pela percepção de seguro-desemprego.
Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c. o art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº 4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição, acarretando, consequentemente, a caducidade de todos os direitos previdenciários.
Conforme já referido, a condição de dependentes é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida o cônjuge, o(a) companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, os pais, e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
De acordo com o § 2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência econômica.
DO CASO DOS AUTOS
O óbito de Fátima Helena Rosa, ocorrido em 07 de fevereiro de 2019, foi comprovado pela respectiva Certidão.
Também restou superado o requisito da qualidade de segurado, uma vez que o de cujus era titular de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/125.972.121-0), desde 03 de maio de 2003, cuja cessação decorreu do falecimento.
A controvérsia cinge-se à comprovação da união estável vivenciada entre o autor e a falecida segurada. No Código Civil, referido instituto está disciplinado pelo artigo 1723, segundo o qual “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
No mesmo sentido, é o artigo 1º da Lei 9.278/96, estabelecendo que “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Após a introdução no ordenamento jurídico da Medida Provisória n. 871/2019, publicada em 18/01/2019, posteriormente convertida na Lei n. 13.846, de 18 de julho de 2019, não mais é possível o reconhecimento da união estável com base na jurisprudência que preconizava ser bastante a prova testemunhal.
Desde então, o art. 16 da Lei nº 8.213/91 sofreu alteração e passou a exigir início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos imediatamente anteriores ao óbito do segurado.
Na Certidão de Óbito, o qual teve o autor como declarante, restou assentado que conviveram maritalmente durante 25 anos, em união estável. No mesmo documento, constou que a segurada tinha por endereço a Rua João Cândido da Silva, nº 60, Jardim Niteroi, em Bananal – SP.
Ao pleitear administrativamente o benefício, logo após o falecimento, em 14 de fevereiro de 2019, o autor informou seu endereço situado na Rua João Cândido da Silva, nº 60, Jardim Niteroi, em Bananal – SP (id. 290869160 – p. 38/39).
Por outro lado, a nota fiscal em nome do autor, conquanto o vincule ao aludido endereço, não se presta ao fim colimado, por ter sido emitida após o falecimento, em 12 de dezembro de 2019 (id. 29 0869160 – p. 13).
O postulante já houvera ajuizado ação de reconhecimento de união estável em face do espólio de Fátima Helena Rosa, representado pelos filhos dela, Helen Cristiane Rosa Lima Leal e Leonam Rosa Lima. Na ocasião foram inquiridas duas testemunhas, que afirmaram conhecer a parte autora e terem vivenciado seu convívio marital com a falecida segurada, por cerca de vinte anos, condição que se estendeu até a data do falecimento. A sentença, proferida nos autos de processo nº 1000326-28.2011.8.26.0059 (Vara Única da Comarca de Bananal – SP), julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer a união estável, no interregno compreendido entre 1994 e 07 de fevereiro de 2019 (id. 290869144 – p. 1/3).
Na presente demanda, o início de prova material acerca da união estável também foi corroborado pelos depoimentos colhidos em mídia audiovisual, em audiência realizada em 12 de setembro de 2023. Três testemunhas, inquiridas sob o crivo do contraditório, afirmaram conhecer o autor há mais de vinte anos e terem vivenciado que, em tal período, ele morou na mesma residência com a segurada, se apresentando perante a sociedade local como se fossem casados.
O depoente José Ênio Romeiro Gonçalves afirmou ter sido vizinho do casal, desde a década de noventa, razão por que pudera vivenciar que eles moravam juntos e se apresentavam como casados. No início do relacionamento, a segurada tinha dois filhos havidos de outro relacionamento, que hoje já são maiores. O depoente pode constatar que o autor e Fátima estiveram juntos até a data em que ela faleceu.
A testemunha Roberto José Ferreira asseverou ter conhecido o autor há cerca de vinte anos, ocasião em que ele já convivia com Fátima. Eles moravam na mesma casa e se apresentavam perante a sociedade local como se fossem casados, condição ostentada até a data do falecimento.
José Gonçalves de Souza afirmou conhecer o autor há aproximadamente quarenta anos, tendo presenciado que, durante mais de vinte anos, ele e Fátima moraram juntos. Eles não tiveram filhos, mas ela tinha dois filhos havidos de um relacionamento anterior, que atualmente já atingiram a maioridade. Acrescentou que, perante a sociedade local, o autor e a falecida segurada eram tidos como casados, condição que se prorrogou até a data do falecimento.
Comprovada a união estável, a dependência econômica é presumida em relação ao companheiro, por força do disposto no art. 16, I e § 4º da Lei nº 8.213/91.
Em face de todo o explanado, a parte autora faz jus ao benefício de pensão por morte.
Tendo em vista a idade do autor, ao tempo do falecimento da segurada, além do convívio marital com duração superior a 2 (dois) anos, o benefício terá o caráter vitalício, conforme preconizado pelo art. 77, II, V, c, “6”, da Lei nº 8.213/91, com a redação introduzida pela Lei nº 13.135/2015.
Por ocasião da liquidação da sentença, deverá ser compensado o valor das parcelas já auferidas por força da antecipação da tutela.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, mantendo a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte, a contar da data do requerimento administrativo. Os honorários advocatícios serão fixados por ocasião da liquidação do julgado, nos termos da fundamentação. Mantenho a tutela concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 2019. QUALIDADE DE SEGURADO INCONTROVERSA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. IDADE DO AUTOR. LEI 13.135/2015. CARÁTER VITALÍCIO DO BENEFÍCIO.
- O óbito ocorreu em 07 de fevereiro de 2019, na vigência da Lei nº 8.213/91.
- É incontroversa a qualidade de segurada, uma vez que a de cujus era titular de aposentadoria por tempo de contribuição, a qual foi cessada em decorrência do falecimento.
- Os autos foram instruídos com prova material acerca da união estável, cabendo destacar que na Certidão de Óbito, a qual teve o autor como declarante, restou assentado que conviveram maritalmente durante 25 anos.
- Também constam da demanda documentos que vinculam ambos ao mesmo endereço.
- O postulante já houvera ajuizado ação de reconhecimento de união estável em face do espólio da segurada. A sentença proferida na referida demanda julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer a união estável, no interregno compreendido entre 1994 e 07 de fevereiro de 2019.
- Na presente demanda foram inquiridas três testemunhas, sob o crivo do contraditório, que afirmaram conhecer o autor há mais de vinte anos e terem vivenciado que, em tal período, ele morou na mesma residência com a segurada, se apresentando perante a sociedade local como se fossem casados, condição ostentada até a data em que ela faleceu.
- Comprovada a união estável, a dependência econômica é presumida em relação ao companheiro, por força do disposto no art. 16, I e § 4º da Lei nº 8.213/91.
- Tendo em vista a idade do autor, ao tempo do falecimento da segurada, além do convívio marital com duração superior a 2 (dois) anos, o benefício terá o caráter vitalício, conforme preconizado pelo art. 77, II, V, c, “6”, da Lei nº 8.213/91, com a redação introduzida pela Lei nº 13.135/2015.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015, os quais, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
- Apelação do INSS a qual se nega provimento.
