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PENSÃO POR MORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. HOMOAFETIVOS. ÓBITO EM 2021. CONVIVIO MARITAL POR MAIS DE DOIS ANOS. INÍCIO DE PROVA M...

Data da publicação: 25/12/2024, 00:24:37

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. HOMOAFETIVOS. ÓBITO EM 2021. CONVIVIO MARITAL POR MAIS DE DOIS ANOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. - Matéria preliminar rejeitada, ante a ausência de indicativo de que o autor se encontrasse inválido, ao tempo do falecimento do segurado. - Óbito ocorrido em 18 de janeiro de 2021, na vigência da Lei nº 8.213/91. - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. - In casu, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta, entre o requerente e o segurado instituidor, que de fato foram companheiros por longos anos. Há prova documental a indicar a identidade de endereço de ambos. - A certidão de óbito da qual consta ter figurado como declarante, constitui indicativo de que se encontrava ao lado do segurado até a data do falecimento. - Três testemunhas inquiridas em juízo, sob o crivo do contraditório, confirmaram que o autor e o segurado conviveram maritalmente por longos anos, sem interrupção, até a data do falecimento, sendo tidos perante a sociedade como se fossem casados. - Desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios. - Em respeito ao princípio do tempus regit actum, o valor da renda mensal inicial deverá ser calculado de acordo com as disposições introduzidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019. - A legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que dispunha sobre a isenção referida (Leis nº 1.135/91 e 1.936/98) fora revogada a partir da edição da Lei nº 3.779/09 (art. 24, §§1º e 2º). Dessa forma, é de se atribuir ao INSS os ônus do pagamento das custas processuais nos feitos que tramitam naquela unidade da Federação. - Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015. - Matéria preliminar rejeitada. - Apelações da parte autora e do INSS desprovidas. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002493-73.2024.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 18/11/2024, DJEN DATA: 21/11/2024)


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região

9ª Turma


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002493-73.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: JILMAR MESSIAS DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JILMAR MESSIAS DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A

OUTROS PARTICIPANTES:


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002493-73.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: JILMAR MESSIAS DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JILMAR MESSIAS DE OLIVEIRA

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R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelações interpostas em ação ajuizada por JILMAR MESSIAS DE OLIVEIRA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o benefício de pensão por morte, em decorrência do falecimento de seu companheiro, ocorrido em 18 de janeiro de 2021.

A r. sentença julgou procedente o pedido e condenou a Autarquia Previdenciária à concessão do benefício pleiteado, a contar da data do falecimento, com parcelas acrescidas dos consectários legais. Por fim, foi deferida a tutela de urgência, a fim de compelir o INSS a proceder à imediata implantação do benefício (id 302847472 – p. 74/79).

Os embargos de declaração opostos pela parte autora foram rejeitados (id. 302847473 – p. 24/26).

Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença e improcedência do pedido, ao argumento de não ter logrado o autor comprovar os requisitos autorizadores à concessão da pensão por morte, notadamente no que se refere à suposta dependência econômica em relação ao falecido segurado. Argui a ausência de prova documental acerca da suposta união estável. Subsidiariamente, requer o reconhecimento da prescrição quinquenal, a isenção de custas e que o autor seja instado a instruir os autos com autodeclaração, acerca de não recebimento de pensão por morte sob outro regime de previdência. Suscita, por fim, o prequestionamento legal, para efeito de interposição de recursos (id 302847473 – p. 7/12).

Apelação da parte autora requerendo a reforma da sentença, a fim de que a renda mensal inicial da pensão por morte seja fixada em 100% (cem por cento) do salário de benefício, ao fundamento de estar acometido por invalidez, matéria que não foi impugnada pelo INSS. Alternativamente, pleiteia a anulação da sentença, com a remessa dos autos ao juízo de origem, a fim de que seja propiciada a realização de perícia médica (id. 302847473 – p. 33/37).

Contrarrazões (id 138040795 – p. 1/3).

Devidamente processados os recursos, subiram os autos a esta instância para decisão.

O Ministério Público Federal se absteve de se manifestar sobre o mérito.

É o relatório.

serg

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região

9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002493-73.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: JILMAR MESSIAS DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JILMAR MESSIAS DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A

OUTROS PARTICIPANTES:

V O T O

Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.

DA MATÉRIA PRELIMINAR

Para demonstrar a suposta invalidez o autor se limitou a instruir os autos com um receituário médico, emitido em 22 de julho de 2019, do qual consta “solicito acompanhamento neurológico para o paciente Jilmar Messias de Oliveira, que apresenta quadro de epilepsia pós trauma há 20 anos. Fazia acompanhamento na fundação e não faz mais porque o médico saiu”.

A alegação de invalidez não está lastreada em outro documento. Ao reverso, os extratos do CNIS que instruem a demanda reportam-se a 13 (treze) contratos de trabalho estabelecidos de forma intercalada, entre 21 de setembro de 1986 e 26 de outubro de 2019, sem indicativo de que tivesse requerido auxílio por incapacidade temporária.

Além disso, ao contrário do aventado pelo apelante, o INSS, ao contestar o pedido, refutou a alegação de incapacidade, salientando que o cálculo da renda mensal inicial deveria obedecer às disposições introduzidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

Nesse contexto, merece ser rejeitada a matéria preliminar.

Passo à apreciação do meritum causae.

DA PENSÃO POR MORTE

O primeiro diploma legal brasileiro a prever um benefício contra as consequências da morte foi a Constituição Federal de 1946, em seu art. 157, XVI. Após, sobreveio a Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), que estabelecia como requisito para a concessão da pensão o recolhimento de pelo menos 12 (doze) contribuições mensais e fixava o valor a ser recebido em uma parcela familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito, e tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) por segurados, até o máximo de 5 (cinco).

A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional n.º 1/69, também disciplinaram o benefício de pensão por morte, sem alterar, no entanto, a sua essência.

A atual Carta Magna estabeleceu em seu art. 201, V, que:

"A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º."


 

A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 e seu Decreto Regulamentar n.º 3048, de 06 de maio de 1999, disciplinaram em seus arts. 74 a 79 e 105 a 115, respectivamente, o benefício de pensão por morte, que é aquele concedido aos dependentes do segurado, em atividade ou aposentado, em decorrência de seu falecimento ou da declaração judicial de sua morte presumida.

Depreende-se do conceito acima mencionado que para a concessão da pensão por morte é necessário o preenchimento de dois requisitos: ostentar o falecido a qualidade de segurado da Previdência Social, na data do óbito e possuir dependentes incluídos no rol do art. 16 da supracitada lei.

A qualidade de segurado, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a:

"denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente atendido pela previdência social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão previdenciariamente cobertos." (Curso de Direito Previdenciário. Tomo II - Previdência Social. São Paulo: LTr, 1998, p. 594).

Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios, a saber:

"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo."

É de se observar, ainda, que o § 1º do supracitado artigo prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.

Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do Ministério do Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12 (doze) meses. A comprovação do desemprego pode se dar por qualquer forma, até mesmo oral, ou pela percepção de seguro-desemprego.

Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c. o art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº 4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição, acarretando, consequentemente, a caducidade de todos os direitos previdenciários.

Conforme já referido, a condição de dependentes é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida o cônjuge, o(a) companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

De acordo com o § 2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência econômica.

DO CASO DOS AUTOS

O óbito de Ismael Serafim Conde, ocorrido em 18 de janeiro de 2021, restou comprovado pela respectiva certidão (id 302847469 – p. 3).

Restou superado o requisito da qualidade de segurado, já que o de cujus era titular de aposentadoria por idade (NB 41/184.944.244-1), desde 12 de junho de 2020, cuja cessação decorreu do falecimento.

Passo à análise da questão referente à união estável que, nestes autos, se revela existente entre pessoas do mesmo sexo.

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a proteção especial à família, reconheceu a união estável como entidade familiar, conforme art. 226, § 3º, in verbis:

"Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...).

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

Inicialmente, é preciso destacar que a jurisprudência de nossos tribunais tem adotado a interpretação no sentido de que união estável alcançada pela constitucional proteção não está calcada na identidade de gênero sexual ou na potencialidade de reprodução de ambos os conviventes. O que a caracteriza, segundo é a afetividade, ou seja, a identificação de um vínculo afetivo prolongado, com propósitos em comum, que consolidam uma entidade familiar.

É evidente que o legislador constituinte, ao tempo em que cuidou da ampliação do conceito de família de forma a abarcar a união estável, não pretendeu excluir o relacionamento homoafetivo de seu amparo, ainda que, a esse respeito, tenha deixado uma lacuna.

A omissão é preenchida facilmente com uma análise integrativa dos diversos princípios contemplados na Carta Magna, tal como o da igualdade (art. 5º, I) e o da não-discriminação (art. 3°, IV), de onde se infere a liberdade na adoção da própria orientação sexual. Aliás, a liberdade sexual está diretamente ligada ao direito à intimidade garantido no art. 5º, X, da Constituição Federal, não sendo relevante à garantia de tratamento igualitário, que a escolha de parceiro se faça entre indivíduos de mesmo sexo.

É válido ressaltar que a mesma Carta Magna, em seu art. 201, V, assegurou o benefício de pensão por morte ao cônjuge ou companheiro e dependentes, sem qualquer distinção quanto ao sexo.

Dessa forma, o companheiro do segurado, desde que comprovada a vida em comum, integra o rol do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e, portanto, tem a sua dependência econômica presumida em relação a ele, por lhe serem assegurados, face ao princípio da igualdade, os mesmos direitos previdenciários atribuídos aos heterossexuais e a mesma prerrogativa de concorrência em relação aos demais dependentes elencados no inciso I do referido dispositivo legal.

Ademais, o direito de acesso dos homossexuais aos benefícios previdenciários em face de seus companheiros segurados já foi decidida em sede da Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0/RS, conforme ementa que segue:

"CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.

1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais homogêneos.

2. Às ações coletivas não se nega a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local.

3. A regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC.

4. Tratando-se de dano de âmbito nacional, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada.

5. O princípio da dignidade humana veicula parâmetros essenciais que devem ser necessariamente observados por todos os órgãos estatais em suas respectivas esferas de atuação, atuando como elemento estrutural dos próprios direitos fundamentais assegurados na Constituição.

6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas.

7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana.

8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais.

9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial - em alguns países de forma mais implícita - com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo.

10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas.

11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão".

(TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, j. 27/07/2005, DJU 10/08/2005).

A abrangência nacional da decisão supra referida restou confirmada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2000.04.01.044144-0, cuja ementa segue transcrita:

"CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. NORMAS CONSTITUCIONAIS. CF, ART. 226, § 3º. INTEGRAÇÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS HOMOSSEXUAIS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AMPLITUDE DA LIMINAR. ABRANGÊNCIA NACIONAL.LEI N.º 7.347/85, ART. 16, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 9.494/97.

(...).

2. É possível a abrangência de dependente do mesmo sexo no conceito de companheiro previsto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal, frente à Previdência Social, para que o homossexual que comprovadamente vive em dependência de outro não fique relegado à miséria após a morte de quem lhe provia a subsistência.

(...).

4. A nova redação dada pela Lei n.º 9.494/97 ao art. 16 da Lei n.º 7.347/85, muito embora não padeça de mangra de inconstitucionalidade, é de tal impropriedade técnica que a doutrina mais autorizada vem asseverando sua inocuidade, devendo a liminar ter amplitude nacional, principalmente por se tratar de órgão federal"

(TRF4, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon, j. 27.06.2000, DJU 26-07-2000, p. 679).

O INSS, em observância à decisão proferida na mencionada ação civil pública, editou a Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000, estabelecendo procedimentos específicos para a concessão de benefícios previdenciários à pessoa homossexual, estendendo, em tais situações, as mesmas rotinas administrativas antes disciplinadas na IN nº 20, de 18 de maio de 2000.

No caso dos autos, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta, entre o requerente e o falecido segurado, que de fato foram companheiros por longos anos.

O endereço de residência também comum, vem demonstrado em vários documentos acostados aos autos, os quais vinculam ambos, inicialmente, ao imóvel situado na Rua 13 de Maio, nº 315, em Diadema – SP, e, na sequência, na Rua México, nº 76, apto 85, na Praia Grande – SP.

Verifica-se ter sido o próprio autor o declarante do óbito, quando deixou consignado que com o de cujus ainda convivia maritalmente em união estável.

No mesmo documento constou que, ao tempo do falecimento, o segurado ainda estava a residir na Rua México, nº 76, em Praia Grande – SP.

Na presente demanda, em audiência realizada em 31 de janeiro de 2024, foram inquiridas três testemunhas, que afirmaram conhecer o autor e terem vivenciado, desde 2015, seu convívio marital com o segurado. Esclareceram que, inicialmente, eles moravam no município de Diadema – SP e, a partir de 2017, se mudaram para Praia Grande – SP, onde permaneceram até a data do falecimento. Esclareceram que o autor e o segurado residiam no mesmo imóvel e se apresentavam perante a sociedade como se fossem um casal, condição que se estendeu, sem interrupções, até a data do falecimento.

Dessa forma, restou demonstrado que a união estável vivenciada entre o autor e o falecido segurado, sendo desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios.

Tendo em vista que o autor, ao tempo do falecimento do segurado, contava com idade superior a 44 anos, além do convívio marital com duração superior a 2 (dois) anos, o benefício terá o caráter vitalício, conforme preconizado pelo art. 77, II, V, c, “6”, da Lei nº 8.213/91, com a redação introduzida pela Lei nº 13.135/2015.

Em face de todo o explanado, o postulante faz jus ao benefício de pensão por morte.

CONSECTÁRIOS

PRESCRIÇÃO QUINQUENAL

Considerando que o decisum fixou o termo inicial na data do falecimento (18/01/2021) e que a demanda foi ajuizada em 27 de abril de 2023, não há incidência de prescrição quinquenal.

AUTODECLARAÇÃO

A autodeclaração quanto ao não recebimento de pensão por morte em outro regime de previdência poderá ser exigido pelo INSS, administrativamente, como requisito de manutenção do benefício, conforme preconizado pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL

Em respeito ao princípio do tempus regit actum, o valor da renda mensal inicial deverá ser fixado de acordo com as disposições introduzidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

CUSTAS

A legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que dispunha sobre a isenção referida (Leis nº 1.135/91 e 1.936/98) fora revogada a partir da edição da Lei nº 3.779/09 (art. 24, §§1º e 2º).

Dessa forma, é de se atribuir ao INSS os ônus do pagamento das custas processuais nos feitos que tramitam naquela unidade da Federação.

De qualquer sorte, é de se ressaltar que, em observância ao disposto no art. 91 do CPC/2015, o recolhimento somente deve ser exigido ao final da demanda, se sucumbente.

A isenção referida não abrange as despesas processuais que houver efetuado, bem como, aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.

Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.

PREQUESTIONAMENTO

Cumpre salientar, diante de todo o explanado, que a r. sentença monocrática não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento suscitado pelo Instituto Autárquico.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à apelação da parte autora e à apelação do INSS. Os honorários advocatícios serão fixados por ocasião da liquidação do julgado, nos termos da fundamentação. Mantenho a tutela concedida.

É o voto.



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. HOMOAFETIVOS. ÓBITO EM 2021. CONVIVIO MARITAL POR MAIS DE DOIS ANOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS.

- Matéria preliminar rejeitada, ante a ausência de indicativo de que o autor se encontrasse inválido, ao tempo do falecimento do segurado.

- Óbito ocorrido em 18 de janeiro de 2021, na vigência da Lei nº 8.213/91.

- O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.

- In casu, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta, entre o requerente e o segurado instituidor, que de fato foram companheiros por longos anos. Há prova documental a indicar a identidade de endereço de ambos.

- A certidão de óbito da qual consta ter figurado como declarante, constitui indicativo de que se encontrava ao lado do segurado até a data do falecimento.

- Três testemunhas inquiridas em juízo, sob o crivo do contraditório, confirmaram que o autor e o segurado conviveram maritalmente por longos anos, sem interrupção, até a data do falecimento, sendo tidos perante a sociedade como se fossem casados.

- Desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios.

- Em respeito ao princípio do tempus regit actum, o valor da renda mensal inicial deverá ser calculado de acordo com as disposições introduzidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

- A legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que dispunha sobre a isenção referida (Leis nº 1.135/91 e 1.936/98) fora revogada a partir da edição da Lei nº 3.779/09 (art. 24, §§1º e 2º).  Dessa forma, é de se atribuir ao INSS os ônus do pagamento das custas processuais nos feitos que tramitam naquela unidade da Federação.

- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.

- Matéria preliminar rejeitada.

- Apelações da parte autora e do INSS desprovidas.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à apelação da parte autora e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
GILBERTO JORDAN
DESEMBARGADOR FEDERAL


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