
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000355-83.2022.4.03.6126
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: GENI FERREIRA BEZERRA
Advogado do(a) APELANTE: GILVAN RIBEIRO DE SANTANA - SP417748-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000355-83.2022.4.03.6126
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: GENI FERREIRA BEZERRA
Advogado do(a) APELANTE: GILVAN RIBEIRO DE SANTANA - SP417748-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER (RELATORA):
Vistos.
Trata-se de ação distribuída em fevereiro/2022, em que a parte autora postula a concessão de benefício de pensão por morte. O feito foi julgado improcedente por sentença proferida pelo(a) Magistrado(a) da 1ª Vara Federal de Santo André/SP em 23/06/2023. Houve interposição de Apelação pela parte autora, sendo os autos distribuídos nesta Corte em 26/10/2023.
Improcedente o pedido da parte autora para concessão de pensão por morte, previsto na Lei 8.213/91, em razão do falecimento de Celso Luis Sturaru Faria.
A r. sentença julgou improcedente a concessão do benefício em razão da falta de qualidade de dependente da autora, por se tratar de união estável com pessoa não divorciada. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atribuído à causa. Sentença não sujeita a reexame necessário. (ID 281611786).
Inconformada, a autora interpôs apelação (ID 281611788).
Alega que quando estabeleceu união estável com o de cujus, ele estava separado de fato, bem como houve sentença reconhecendo a união estável post mortem, nos autos de n. 002790-63.2019.8.26.0554. Requereu o prequestionamento da matéria para fins recursais.
Sem contrarrazões da parte adversa, vieram os autos a esta E. Corte Regional.
É o relatório
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000355-83.2022.4.03.6126
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: GENI FERREIRA BEZERRA
Advogado do(a) APELANTE: GILVAN RIBEIRO DE SANTANA - SP417748-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto por GENI FERREIRA BEZERRA em face de sentença que julgou improcedente a concessão de pensão por morte.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Passo à análise do mérito.
Da pensão por morte
O benefício de pensão por morte tem fundamento no art. 201, V, da Constituição Federal, sendo devido aos dependentes do segurado.
Por sua vez, a Lei 8.213/1991, disciplina em seus arts. 74 a 79, os requisitos cumulativos necessários à concessão do benefício, quais sejam: a) do óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa);
b) da existência de beneficiário dependente do "de cujus", em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; e
c) da qualidade de segurado do falecido.
Os dependentes aptos a auferir benefícios previdenciários são aqueles descritos no art. 16 do mesmo diploma legal.
Destaca-se que o art. 16, § 4º, da LBPS estabelece que "a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada".
Da união estável
Reconhecida como entidade familiar pelo art. 226, § 3º da Constituição Federal, a união estável devidamente comprovada assegura ao companheiro o direito à pensão por morte.
Nesse sentido, o art. 1723 do Código Civil revela quatro requisitos cumulativos para caracterizar a união estável: a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Por sua vez, o art. 16, da Lei 8.213/1991 e o art. 22 do Decreto n° 3.048/99 que o regulamenta, estabelecem as regras relativas aos meios de prova da união estável, apresentando rol exemplificativo.
Sobre o tema, a jurisprudência desta E. Corte Regional assim tem entendido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. BENEFÍCIO DEVIDO. CUSTAS JUDICIAIS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- Em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão da pensão por morte, a lei vigente à época do fato que o originou, qual seja, a da data do óbito.
- São requisitos para a obtenção de pensão por morte: a condição de dependente e a qualidade de segurado do falecido (artigos 74 a 79 da Lei n. 8.213/1991.
- Comprovadas a qualidade de segurado do falecido na data do óbito e a condição de dependente da parte autora, é devido do benefício de pensão por morte.
(...)
- Apelação do INSS não provida. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000666-27.2024.4.03.9999, Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 18/07/2024, DJEN DATA: 24/07/2024).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 2019. QUALIDADE DE SEGURADO INCONTROVERSA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. IDADE DO AUTOR. LEI 13.135/2015. CARÁTER VITALÍCIO DO BENEFÍCIO.
(...)
- É incontroversa a qualidade de segurada, uma vez que a de cujus era titular de aposentadoria por tempo de contribuição, a qual foi cessada em decorrência do falecimento.
- Os autos foram instruídos com prova material acerca da união estável, cabendo destacar que na Certidão de Óbito, a qual teve o autor como declarante, restou assentado que conviveram maritalmente durante 25 anos.
- Também constam da demanda documentos que vinculam ambos ao mesmo endereço.
- O postulante já houvera ajuizado ação de reconhecimento de união estável em face do espólio da segurada. A sentença proferida na referida demanda julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer a união estável, no interregno compreendido entre 1994 e 07 de fevereiro de 2019.
- Na presente demanda foram inquiridas três testemunhas, sob o crivo do contraditório, que afirmaram conhecer o autor há mais de vinte anos e terem vivenciado que, em tal período, ele morou na mesma residência com a segurada, se apresentando perante a sociedade local como se fossem casados, condição ostentada até a data em que ela faleceu.
- Comprovada a união estável, a dependência econômica é presumida em relação ao companheiro, por força do disposto no art. 16, I e § 4º da Lei nº 8.213/91.
- Tendo em vista a idade do autor, ao tempo do falecimento da segurada, além do convívio marital com duração superior a 2 (dois) anos, o benefício terá o caráter vitalício, conforme preconizado pelo art. 77, II, V, c, “6”, da Lei nº 8.213/91, com a redação introduzida pela Lei nº 13.135/2015.
(...)
- Apelação do INSS a qual se nega provimento. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP5074185-35.2024.4.03.9999, Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 08/08/2024, DJEN DATA: 12/08/2024).
Vale anotar que houve alteração no que tange ao período de recebimento do benefício para cônjuges e companheiros, em virtude da Lei 13.135/2015, sendo que totalizado número inferior a 18 (dezoito) contribuições, ou união iniciado em menos de dois anos do óbito, será devida a pensão por 4 (quatro) meses:
Confira-se o julgado a seguir aplicado a caso análogo ao presente:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. DURAÇÃO DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
(...)
- À luz do artigo 74 da Lei n. 8.213/1991, a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste. Todavia, no caso concreto, em observância aos limites do pedido, o termo inicial do benefício fica mantido na data do requerimento administrativo, consoante pleiteado na petição inicial.
- No caso concreto, efetivado o recolhimento à Previdência Social de mais de 18 (dezoito) contribuições, demonstrada a convivência comum por prazo superior a dois anos e, ainda, considerada a idade da beneficiária na data do óbito do segurado, o benefício será devido de forma vitalícia, nos termos dos artigos 77, § 2º, inciso V, alínea c, n. 6 da Lei n. 8.213/1991.
(...)
- Apelação parcialmente provida. (TRF 3ª região. Nona Turma. ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL/SP 5077943-56.2023.4.03.9999. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA. Data da publicação: 01/04/2024).
Além disso, após a edição da Medida Provisória n. 871/2019, publicada em 18/1/2019, posteriormente convertida na Lei n. 13.846/2019, não basta atestar a união estável por prova exclusivamente testemunhal, sendo necessário início de prova material.
Em relação a acumulação de benefícios, o artigo 124 da Lei 8213/91 veda a percepção de mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro.
Do caso dos autos
Após a análise apurada dos autos, verifica-se que o óbito do companheiro da autora, Celso Luis Sturaro Faria ocorreu em 03/09/2018 (ID 281611699). Em atenção ao princípio tempus regit actum e a teor da súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79, da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.
Incontroverso o preenchimento do requisito da qualidade de segurado do de cujus quando de seu falecimento, eis que não contestado pela autarquia previdenciária, e em consulta aos registros do DATAPREV-CNIS, vê-se que o segurado era aposentado por tempo de contribuição, desde 1995 (ID 281611711 - fl. 79).
No que se refere à qualidade de companheira do falecido, foram juntadas exaustivas provas da coabitação representada por comprovantes de endereço em comum com a autora, o que demonstra estar o falecido separado de fato da sua esposa, extirpando quaisquer dúvidas sobre o concubinato, afinal a comprovação de que o falecido deixou de conviver com a esposa sinaliza cabalmente a separação.
Além disso, também juntou outras provas como a certidão de óbito, na qual consta a autora como declarante (id 281611711 - fl. 33), termo de responsabilidade do hospital Mario Covas, constando o falecido como solteiro e a autora como sua responsável (id 281611711 - fl. 38).
Ademais os depoimentos testemunhais foram unânimes em afirmar que a autora conviveu com o de cujus por mais de 15 anos na mesma residência, assim como cuidou dele quando adoeceu até a sua morte.
Vale destacar que a viúva Inês Borba Faria recebeu pensão decorrente da morte do de cujus até 14/01/2021, quando veio a falecer, conforme consulta ao extrato do CNIS, de forma que o deferimento da pensão à autora será devido a partir de sua inscrição/habilitação, ou seja 01/06/2021, nos moldes do art. 76 da Lei 8.213/91.
Cediço que o óbice à concessão do benefício na hipótese de união com pessoa casada subsiste apenas se não houve a separação de fato, devidamente comprovada.
Tema 526: "É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável".
Nota-se que este E. Tribunal Regional admite a concessão de pensão quando evidenciada a separação de fato:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL CONCOMITANTE AO CASAMENTO. INVIABILIDADE. RE 1045273 (TEMA 529 STF). COMPROVAÇÃO DE SEPARAÇÃO DE FATO DA PRIMEIRA RELAÇÃO. SENTENÇA NA JUSTIÇA ESTADUAL. PRESENÇA DA QUALIDADE DE DEPENDENTE DA COMPANHEIRA.
1.O benefício de pensão por morte tem fundamento no art. 201, V, da Constituição Federal, e os requisitos a serem observados para a sua concessão são os previstos nos arts. 74 a 79, todos da Lei nº 8.213/1991: a) do óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa); b) da existência de beneficiário dependente do "de cujus", em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; e c) da qualidade de segurado do falecido.
2. Comprovada a existência da união estável e configurada a relação de dependência econômica presumida entre a parte autora e segurado, impõe-se a concessão do benefício previdenciário pleiteado, em face de seu reconhecimento constitucional como entidade familiar, nos termos do art. 226, § 3º da Constituição da República e do art. 16, I, e § 4º, da LBPS.
3. O art. 1723 do Código Civil revela quatro requisitos cumulativos para caracterizar a união estável: a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.
4. Nos termos da legislação civil, a união estável não será reconhecida na concomitância do casamento, exceto se for comprovado que o convivente casado está separado de fato ou judicialmente, sendo que a questão foi objeto do Tema Repetitivo n. 529 perante o Supremo Tribunal Federal.
(...)
7. Em relação ao termo inicial do benefício aplicam-se os arts. 74 e 76, da Lei n. 8.213/1991, vigente à época do óbito, sendo que os efeitos financeiros da concessão do benefício têm início somente a partir do o requerimento de habilitação, evitando-se pagamento em duplicidade ao INSS. Embora o benefício já tenha sido pago à outra dependente, a própria administração indeferiu indevidamente o pedido da companheira do segurado. Consta dos autos que toda documentação apresentada na seara administrativa era suficiente para comprovar a união estável entre o casal, não justificando o indeferimento do benefício.
8. Prescritas as parcelas que precedem o ajuizamento da presente ação, nos termos do no art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91 que deverá ser rateada em partes iguais, em caso se constate a existência de outros dependentes.
9. Apelação a que se dá provimento. Concedida a pensão por morte. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0015491-15.2015.4.03.6301, Rel. Desembargador Federal RAECLER BALDRESCA, julgado em 29/02/2024, DJEN DATA: 05/03/2024).
Portanto, merece reparo a r. sentença para conceder o benefício de pensão por morte à autora, desde o requerimento administrativo em 01/06/2021, com caráter vitalício, eis que contava com mais de 44 anos na data do óbito, na forma do art. 77, V, da Lei 8.213/91.
De rigor, a inversão dos ônus da sucumbência, mantendo-se os honorários advocatícios no patamar de 10% sobre as parcelas devidas até esta decisão, observada a súmula n. 111 do STJ.
Do dispositivo
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pela autora, nos termos da fundamentação.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRA. TEMA 526 STF. SEPARAÇÃO DE FATO COMPROVADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA.
1. Os requisitos a serem observados para a concessão da pensão por morte são os previstos nos arts. 74 a 79, todos da Lei nº 8.213/1991, sem necessidade de carência.
2. O óbito do companheiro da autora ocorreu em 03/09/2018, assim, em atenção ao princípio tempus regit actum e a teor da súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79, da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.
3. Comprovada a separação de fato do falecido, e a união estável com a autora por prova documental e e testemunhal, não há impedimento para a concessão de pensão por morte.
4. Apelação da autora provida.
ACÓRDÃO
JUÍZA FEDERAL
