
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0019415-06.2016.4.03.6105
RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO DENILSON BRANCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO MARTINS TOSTES
Advogados do(a) APELADO: CRISTIANO HENRIQUE PEREIRA - SP221167-A, RONATY SOUZA REBUA - SP378528-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0019415-06.2016.4.03.6105
RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO DENILSON BRANCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO MARTINS TOSTES
Advogados do(a) APELADO: CRISTIANO HENRIQUE PEREIRA - SP221167-A, RONATY SOUZA REBUA - SP378528-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Senhor Juiz Federal Convocado DENILSON BRANCO (Relator): Trata-se de apelação do INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para determinar que o INSS se abstenha de promover a cobrança dos valores recebidos a título do benefício de pensão por morte NB 145.450.017-1. Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios no valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC. Custas pelo INSS, isento."
Em suas razões recursais, a autarquia previdenciária pugna pela reforma da sentença, alegando que os valores recebidos indevidamente a título de pensão por morte, ainda que recebidos de boa-fé, devem ser restituídos, por expressa previsão legal.
Com as contrarrazões da parte autora, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0019415-06.2016.4.03.6105
RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO DENILSON BRANCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO MARTINS TOSTES
Advogados do(a) APELADO: CRISTIANO HENRIQUE PEREIRA - SP221167-A, RONATY SOUZA REBUA - SP378528-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Senhor Juiz Federal Convocado DENILSON BRANCO (Relator): O recurso de apelação preenche os requisitos normativos de admissibilidade e, portanto, é conhecido.
Trata-se de Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito ajuizada por Antônio Martins Tostes em face do INSS, objetivando seja declarada a inexigibilidade do débito do período de 19/01/2009 a 31/08/2014.
Sustenta o INSS que a parte autora recebeu indevidamente o benefício de pensão por morte (NB: 21/145.450.017-1) no período referido, tendo em vista que o Setor de Perícias Médicas revisou a concessão do benefício, resultando na alteração das datas de início da doença e da respectiva incapacidade. Alega que os valores recebidos indevidamente oriundos de benefício previdenciário devem ser ressarcidos, independente de boa fé no seu recebimento, bem como que a ausência de demonstração de má-fé não afasta a necessidade de restituição do pagamento indevido.
Não assiste razão ao apelante
A revisão do ato administrativo consiste no exercício do poder-dever de autotutela da Administração sobre seus próprios atos, motivo pelo qual, apurada irregularidade no pagamento do benefício, a devolução das parcelas recebidas indevidamente, através de descontos nos proventos mensais recebidos pela parte autora, é imperativo lógico e jurídico, conforme previsão do art. 115, II e parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.
A respeito da matéria relativa à devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração Previdenciária Social, a Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 979, na sessão realizada em 10/03/2021, com acórdão publicado no DJe, 23/04/2021, em sede de recurso representativo da controvérsia (Recurso Especial Repetitivo 1.381.734/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves), firmou orientação no sentido de que “na análise dos casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a presença da boa fé do segurado concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento”, consignado, ainda, que a além da observância do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, deve ser verificada a boa-fé objetiva daquele que recebe prestação tida por indevida pela administração pública.
A hipótese ora analisada enquadra-se no Tema 979, pois a prova dos autos demonstra que o erro na concessão do benefício decorreu da análise feita pela perícia da própria autarquia que reconheceu a qualidade se segurada da falecida.
Assim, caracterizada a omissão do INSS, pois não procedeu a correta avaliação dos requisitos necessários à concessão do benefício, observando-se que os dados relativos aos recolhimentos previdenciários encontrava-se disponíveis no sistema de dados CNIS/DATAPREV da autarquia, comprovando recolhimentos como CI de 02/1986 a 09/1986; 03/1987 a 06/1987; 03/2004 a 09/2004 (Id 151481028 - Pág. 44), tendo a requerente do benefício apresentado exames médicos e passado por perícia autárquica.
O exame feito na via administrativa em 03/11/2004 constatou incapacidade laborativa, em razão de a falecida ser portadora de “neoplasia benigna das meninges”, tendo fixado a DID em 01/02/2004, a comprovação da incapacidade em 01/02/2005 e a DII em 23/07/2004 (Id 151481028 - Pág. 27), com a concessão de auxílio-doença, com termo inicial em 23/07/2004.
Na perícia realizada em 22/11/2007, novamente foi constatada incapacidade laborativa, consignando que na nova reavaliação constatou-se “DOENÇA PRÉVIA A QUALIDADE DE SEGURADA, INÍCIO pelo mesmos em 21/05/2003 data do relatório que apresentou em perícia que está anexado em processo concessório.” (Id 151481028 - Pág. 28), ainda assim, deferindo o benefício até 11/2007.
No documento (Id 151481028 - Pág. 29), a perícia administrativa em 12/12/2007 também concluiu pela doença preexistente a filiação - cessando o pagamento do benefício, contudo, motivado na recuperação da capacidade laborativa. Todavia, em nova análise, a perícia constatou incapacidade laboral e restabeleceu o pagamento do benefício de 02/07/2008, com alta programada para 18/11/2008 (Id 151481028 - Pág. 44)
Somente após o ajuizamento da demanda judicial em 22/07/2008 onde a falecida pleiteava pela não cessação do pagamento do benefício, alegando a manutenção da incapacidade para o trabalho, em que a demanda foi julgada improcedente em razão da constatação de doença preexistente à filiação ao RGPS (Id 151481028 - Pág. 71-79), é que o INSS cessou o pagamento da pensão por morte, a qual havia sido deferida ao autor em razão da qualidade de segurado reconhecida pela própria autarquia quando deferiu o pagamento do auxílio-doença na via administrativa, mesmo diante da observação feita pela perícia do INSS de que a incapacidade era preexistente ao reingresso no RGPS.
Assim, a análise incorreta em relação ao benefício decorreu de erro do ente autárquico, uma vez que a perícia judicial fixou a DID e a DII conforme já tinha sido feita pela perícia autárquica.
Conforme decidido pelo e. STJ no julgamento do Tema Repetitivo nº 979, deve ser averiguada a presença da boa-fé da ré para decidir sobre a necessidade ou não de restituição ao erário dos valores indevidamente recebidos.
No caso específico dos autos, entende-se escusável a atitude da parte autora, considerando-se que não há elementos de convicção nos autos capazes de autorizar um juízo de certeza sobre a má-fé do requerente, indispensável à determinação de restituição dos valores percebidos.
Outrossim, a boa-fé é presumida, cabendo ao INSS a prova em contrário, o que não ocorreu no caso dos autos.
Por outro lado, ainda que fosse afastada a boa-fé objetiva da falecida, é certo que, na modulação dos efeitos relativos à tese firmada no Tema Repetitivo 979/STJ, a necessidade de ressarcimento dos valores recebidos indevidamente, somente será aplicável às demandas distribuídas, na primeira instância, a partir da publicação do acórdão, ocorrida em 23/04/2021, nos seguintes termos:
“Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.” (Acórdão publicado no DJe de 23/4/2021).
No caso dos autos, a demanda foi distribuída em período anterior a 30/09/2016.
Dessa forma, deve ser mantida a inexigibilidade da cobrança administrativa dos valores relativos ao benefício de auxílio-doença (NB: 21/145.450.017-1), no período de 19/01/2009 a 31/08/2014.
Nesse sentido, confira-se precedentes desta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS INDEVIDAMENTE AO BENEFICIÁRIO. DESNECESSIDADE. TEMA 979/STJ. CUMULAÇÃO DE RENDA MENSAL VITALÍCIA E PENSÃO POR MORTE. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. BOA-FÉ DO SEGURADO.
- Cinge-se a controvérsia recursal quanto à exigibilidade da devolução dos valores recebidos indevidamente pela parte autora a título de renda mensal vitalícia por incapacidade, bem como à cessação dos descontos realizados no benefício de pensão por morte.
- O Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento admitindo a possibilidade de a Administração Pública rever os seus atos, quando eivados de nulidades e vícios, mediante o exercício de autotutela para fins de proceder a anulação ou revogação, nos termos das Súmulas 346 e 473.
- O assunto foi pacificado no julgamento do REsp n. 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, no bojo do qual foi cristalizado o Tema 979/STJ "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
- No caso vertente, a parte autora recebia renda mensal vitalícia por incapacidade desde 20/09/1982 e lhe fora concedido benefício de pensão por morte com DIB em 13/09/1989. A partir desta data, passou a receber de forma cumulada os dois benefícios até o momento em que foi cessado o pagamento da renda mensal vitalícia por incapacidade e a parte autora foi notificada para ressarcimento dos valores pagos indevidamente no período de 11/04/2015 a 31/03/2020.
- A manutenção indevida da renda mensal vitalícia ocorreu exclusivamente por erro administrativo, não havendo comprovação de que a beneficiária tenha concorrido para a ocorrência do equívoco. Tendo em vista que ambos os benefícios são administrados pelo INSS, caberia à Autarquia Previdenciária proceder à imediata cessação do pagamento da renda mensal vitalícia ao deferir o benefício de pensão por morte à autora, ante a vedação legal expressa de cumulação de renda mensal vitalícia e pensão por morte, nos termos do artigo 2º, § 1º, da Lei n. 6.179/1974.
- No caso, não há provas suficientes a amparar a conclusão de que a beneficiária teria aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento.
- Nesse diapasão, ainda que o benefício previdenciário possa ter sido pago equivocadamente no período, é indevida a restituição desses valores, tendo em vista a comprovação de erro administrativo e da boa-fé objetiva da parte autora no caso concreto.
- Apelação da parte autora provida. Prejudicada a apelação do INSS." (ApCiv – SP 5010498-91.2021.4.03.6183, Relator(a): Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, Órgão Julgador: 10ª Turma, Data do Julgamento: 27/09/2023, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 29/09/2023);
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ DO SEGURADO. IRREPETIBILIDADE. AUSÊNCIA DE TEMPO SUFICIENTE À APOSENTAÇÃO.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando o restabelecimento de aposentadoria por tempo de contribuição e a declaração de inexigibilidade de débito apurado em razão da percepção indevida do benefício.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- Pese embora o Tema 979, do STJ, conforme modulação dos efeitos, aplicar-se somente aos processos distribuídos a partir da publicação do julgado (23.04.2021), são irrepetíveis os valores recebidos pelo autor, na medida em que não concorrera para o erro cometido pela Administração, tampouco se visualiza conduta ilícita contra o INSS.
- Comprovada a boa-fé da parte autora, pelo que de rigor a manutenção da sentença que reconheceu a inexigibilidade dos valores recebidos a título de aposentadoria.
- Restou comprovada a atividade laboral apenas nos períodos de 20.08.1967 a 30.06.1968, 01.07.1968 a 31.07.1968, 01.08.1968 a 31.07.1969, 19.10.1972 a 03.06.1974, 01.02.1975 a 14.09.1975, cuja somatórias àqueles reconhecidos pelo INSS, não permite o restabelecimento da aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional.
- Condenação equitativa ao pagamento de honorários advocatícios, conforme a sucumbência recursal das partes.
- Apelações do autor e do INSS desprovidas." (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5017097-51.2018.4.03.6183. Relator(a) Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, 9ª Turma, Data do Julgamento 08/03/2024, Data da Publicação/Fonte DJEN DATA: 13/03/2024.
Em razão da sucumbência recursal, mantenho a condenação da parte ré em 10% (dez por cento), alterada a base de cálculo para o valor da causa, tendo em vista a ausência de condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 4º, III, 5º, do CPC/2015.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, arbitrados os honorários advocatícios, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
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PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS INDEVIDAMENTE AO BENEFICIÁRIO. DESNECESSIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. TEMA 979/STJ.
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1. Os valores recebidos a título de pensão por morte não devem ser devolvidos, uma vez que não restou demonstrada que fossem recebidos de má-fé.
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2. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
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3. Em razão da sucumbência recursal, mantenho a condenação da parte ré nos termos fixados na r. sentença e majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento), observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 4º, III, 5º, 11, do CPC/2015.
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4. Apelação do INSS desprovida.
