Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001917-90.2019.4.03.6140
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 30/09/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. HOMOAFETIVOS. ÓBITO EM 2017, NA VIGÊNCIA
DA LEI Nº 8.213/91. CONVÍVIO MARITAL POR MAIS DE DOIS ANOS. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IDADE DO
AUTOR. LEI 13.135/2015. CARÁTER TEMPORÁRIO DA PENSÃO.
- O óbito de Diego dos Santos Serra Negra, ocorrido em 27 de julho de 2017, restou comprovado
pela respectiva certidão.
- No que se refere à qualidade de segurado, os extratos do CNIS demonstram que seu último
vínculo empregatício, iniciado em 06 de abril de 2011, foi cessado em 27 de julho de 2017, em
razão do falecimento.
- O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF,
conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele
excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura
entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de
família.
- In casu, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta, entre o
requerente e o segurado instituidor, que de fato foram companheiros por longos anos. Há prova
documental a indicar a identidade de endereço de ambos.
- O endereço de residência também comum, vem demonstrado em vários documentos acostados
aos autos, os quais vinculam ambos, inicialmente, desde 2013, ao imóvel situado na Rua José
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Francisco dos Santos, nº 664, CS 3, no Jardim Tietê, em São Paulo - SP e, na sequência, a partir
de fevereiro de 2016, à residência situada na Rua José Raimundo de Souza, nº 71, CS 1, na Vila
real, em Mauá – SP.
- A identidade de endereço de ambos também vem estampada na conta de TV por assinatura,
emitida em nome do segurado e com vencimento em 06 de agosto de 2017 (id 138040688 – p. 8)
e no próprio cadastrado do autor junto ao INSS, atualizado anteriormente ao óbito, o qual o
vincula ao imóvel situado na Rua José Raimundo de Souza, nº 71, CS 1, na Vila real, em Mauá –
SP.
- Como elemento de convicção, verifico da certidão de óbito ter figurado o próprio autor como
declarante, o que constitui indicativo de que se encontrava ao lado do segurado até a data de seu
falecimento.
- A união estável mantida entre 26/01/2010 e 29/07/2017 já houvera sido reconhecida, através de
sentença homologatória de acordo, proferida em 07 de janeiro de 2019, nos autos de processo nº
1004477.48.2018.8.26.0348, cuja ação foi ajuizado pelo autor em face dos genitores do
segurado, a qual tramitou pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania - CEJUSC -
da Comarca de Mauá – SP.
- Em audiência realizada em 13 de agosto de 2019, foram inquiridos o autor e uma testemunha,
sendo que esta confirmou haver vivenciado o vínculo marital havido entre o postulante e o
falecido segurado. O depoente Filipi Ribeiro Mori afirmou ter sido amigo e chefe do segurado, em
seu último emprego. Esclareceu que, desde quando começou a trabalhar com o depoente, Diego
lhe confidenciara seu relacionamento afetivo mantido com o autor, o qual já durava sete anos.
Acrescentou tê-los visitado no imóvel onde eles residiram no Bairro São Mateus, em São Paulo –
SP e saber que, ao tempo do falecimento, eles já estavam morando no município de Mauá – SP.
Asseverou que até a data do falecimento, o autor e o falecido segurado estiveram juntos, sendo
vistos pelas pessoas que compunham o círculo social como se fossem casados.
- Em seu depoimento, o autor esclareceu que manteve vínculo marital com o segurado, desde
2010, até a data de seu falecimento, período em que compartilharam o mesmo imóvel e se
apresentaram publicamente como casados. Acrescentou que o convívio era aceito pelos
familiares de ambos, razão que ensejou o acordo celebrado judicialmente, através do qual os pais
do de cujus reconheceram a união estável mantida até a data do falecimento.
- Dessa forma, restou demonstrado que a união estável vivenciada entre o autor e o falecido
segurado, sendo desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do
disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios.
- Conforme restou consignado na sentença, por ocasião do falecimento do companheiro
(27.07.2017), o autor, nascido em 04/03/1977, contava com a idade de 40 anos, sendo aplicável à
espécie a alínea c (item 4) do inciso V do § 2º do artigo 77 da Lei n. 8.213/91, com a redação
conferida pela Lei nº 13.135/2015, que prevê a duração do benefício em 15 (quinze) anos.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS a qual se nega provimento.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001917-90.2019.4.03.6140
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE EDUARDO COUCEIRO
Advogado do(a) APELADO: VIVIAN DA SILVA BRITO - SP218189-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001917-90.2019.4.03.6140
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE EDUARDO COUCEIRO
Advogado do(a) APELADO: VIVIAN DA SILVA BRITO - SP218189-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada por JOSÉ EDUARDO COUCEIRO em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o benefício de pensão por
morte, em decorrência do falecimento de seu companheiro, ocorrido em 27 de julho de 2017.
A r. sentença recorrida julgou procedente o pedido e condenou a Autarquia Previdenciária à
concessão do benefício pleiteado, a contar da data do falecimento, acrescido dos consectários
legais (id 138040789 – p. 1/6).
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença e a improcedência do pedido,
ao argumento de que não ter o autor comprovado os requisitos autorizadores à concessão da
pensão por morte, notadamente no que se refere à suposta dependência econômica em relação
ao falecido segurado. Argui que a Lei nº 9.278/96, ao regularmente o § 3º do art. 226 da
Constituição Federal, restringiu o conceito de união estável como a convivência duradoura,
pública e contínua de um homem com uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir
família. Sustenta, ademais, que o depoimento colhido nos autos denota inconsistência e não
corrobora os fatos narrados na exordial (id 138040792 – p. 1/7).
Contrarrazões (id 138040795 – p. 1/3).
Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta instância para decisão.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001917-90.2019.4.03.6140
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE EDUARDO COUCEIRO
Advogado do(a) APELADO: VIVIAN DA SILVA BRITO - SP218189-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo
ao exame da matéria objeto de devolução.
DA PENSÃO POR MORTE
O primeiro diploma legal brasileiro a prever um benefício contra as consequências da morte foi a
Constituição Federal de 1946, em seu art. 157, XVI. Após, sobreveio a Lei n.º 3.807, de 26 de
agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), que estabelecia como requisito para a
concessão da pensão o recolhimento de pelo menos 12 (doze) contribuições mensais e fixava o
valor a ser recebido em uma parcela familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da
aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito, e tantas parcelas iguais,
cada uma, a 10% (dez por cento) por segurados, até o máximo de 5 (cinco).
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional n.º 1/69, também disciplinaram o
benefício de pensão por morte, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna estabeleceu em seu art. 201, V, que:
"A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de
filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e
atenderá, nos termos da lei a:
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, observado o disposto no § 2º."
A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 e seu Decreto Regulamentar n.º 3048, de 06 de maio de
1999, disciplinaram em seus arts. 74 a 79 e 105 a 115, respectivamente, o benefício de pensão
por morte, que é aquele concedido aos dependentes do segurado, em atividade ou aposentado,
em decorrência de seu falecimento ou da declaração judicial de sua morte presumida.
Depreende-se do conceito acima mencionado que para a concessão da pensão por morte é
necessário o preenchimento de dois requisitos: ostentar o falecido a qualidade de segurado da
Previdência Social, na data do óbito e possuir dependentes incluídos no rol do art. 16 da
supracitada lei.
A qualidade de segurado, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a:
"denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente atendido
pela previdência social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão
previdenciariamente cobertos." (Curso de Direito Previdenciário. Tomo II - Previdência Social.
São Paulo: LTr, 1998, p. 594).
Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve
todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios, a saber:
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer
atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem
remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de
segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para
prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo."
É de se observar, ainda, que o § 1º do supracitado artigo prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.
Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do
Ministério do Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12 (doze)
meses. A comprovação do desemprego pode se dar por qualquer forma, até mesmo oral, ou pela
percepção de seguro-desemprego.
Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c. o
art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº
4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao
término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição,
acarretando, consequentemente, a caducidade de todos os direitos previdenciários.
Conforme já referido, a condição de dependentes é verificada com amparo no rol estabelecido
pelo art. 16 da Lei de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida o
cônjuge, o(a) companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou
inválido. Também ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a
dependência econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21
(vinte e um) anos ou inválido.
De acordo com o § 2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são equiparados
aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência econômica.
DO CASO DOS AUTOS
O óbito de Diego dos Santos Serra Negra, ocorrido em 27 de julho de 2017, restou comprovado
pela respectiva certidão (id 138040688 – p. 6).
No que se refere à qualidade de segurado, os extratos do CNIS demonstram que seu último
vínculo empregatício, iniciado em 06 de abril de 2011, foi cessado em 27 de julho de 2017, em
razão do falecimento (id 138040688 – p. 18).
Passo à análise da questão referente à união estável que, nestes autos, se revela existente entre
pessoas do mesmo sexo.
A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a proteção especial à família, reconheceu a união
estável como entidade familiar, conforme art. 226, § 3º, in verbis:
"Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...).
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".
Inicialmente, é preciso destacar que a jurisprudência de nossos tribunais tem adotado a
interpretação no sentido de que união estável alcançada pela constitucional proteção não está
calcada na identidade de gênero sexual ou na potencialidade de reprodução de ambos os
conviventes. O que a caracteriza, segundo é a afetividade, ou seja, a identificação de um vínculo
afetivo prolongado, com propósitos em comum, que consolidam uma entidade familiar.
É evidente que o legislador constituinte, ao tempo em que cuidou da ampliação do conceito de
família de forma a abarcar a união estável, não pretendeu excluir o relacionamento homoafetivo
de seu amparo, ainda que, a esse respeito, tenha deixado uma lacuna.
A omissão é preenchida facilmente com uma análise integrativa dos diversos princípios
contemplados na Carta Magna, tal como o da igualdade (art. 5º, I) e o da não-discriminação (art.
3°, IV), de onde se infere a liberdade na adoção da própria orientação sexual. Aliás, a liberdade
sexual está diretamente ligada ao direito à intimidade garantido no art. 5º, X, da Constituição
Federal, não sendo relevante à garantia de tratamento igualitário, que a escolha de parceiro se
faça entre indivíduos de mesmo sexo.
É válido ressaltar que a mesma Carta Magna, em seu art. 201, V, assegurou o benefício de
pensão por morte ao cônjuge ou companheiro e dependentes, sem qualquer distinção quanto ao
sexo.
Dessa forma, o companheiro do segurado, desde que comprovada a vida em comum, integra o
rol do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e, portanto, tem a sua dependência econômica presumida em
relação a ele, por lhe serem assegurados, face ao princípio da igualdade, os mesmos direitos
previdenciários atribuídos aos heterossexuais e a mesma prerrogativa de concorrência em
relação aos demais dependentes elencados no inciso I do referido dispositivo legal.
Ademais, o direito de acesso dos homossexuais aos benefícios previdenciários em face de seus
companheiros segurados já foi decidida em sede da Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-
0/RS, conforme ementa que segue:
"CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA
DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO
REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que
objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais homogêneos.
2. Às ações coletivas não se nega a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade
incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local.
3. A regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos
contidos na Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da
competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles
fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC.
4. Tratando-se de dano de âmbito nacional, a competência será do foro de qualquer das capitais
ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada.
5. O princípio da dignidade humana veicula parâmetros essenciais que devem ser
necessariamente observados por todos os órgãos estatais em suas respectivas esferas de
atuação, atuando como elemento estrutural dos próprios direitos fundamentais assegurados na
Constituição.
6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de
discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam
encontrar-se por ela abrangidas.
7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação
sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a
condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual,
sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação
com a dignidade humana.
8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo
contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num
movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas
possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais.
9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial - em alguns países de forma
mais implícita - com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já
existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de
modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo.
10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria
dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas.
11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a
união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar
e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para
com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre
heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins
de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (art. 16,
I, da Lei n.º 8.213/91), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-
reclusão".
(TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, j. 27/07/2005, DJU 10/08/2005).
A abrangência nacional da decisão supra referida restou confirmada no julgamento do Agravo de
Instrumento nº 2000.04.01.044144-0, cuja ementa segue transcrita:
"CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. NORMAS CONSTITUCIONAIS.
CF, ART. 226, § 3º. INTEGRAÇÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS
HOMOSSEXUAIS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O
CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AMPLITUDE DA
LIMINAR. ABRANGÊNCIA NACIONAL.LEI N.º 7.347/85, ART. 16, COM A REDAÇÃO DADA
PELA LEI N.º 9.494/97.
(...).
2. É possível a abrangência de dependente do mesmo sexo no conceito de companheiro previsto
no art. 226, § 3º, da Constituição Federal, frente à Previdência Social, para que o homossexual
que comprovadamente vive em dependência de outro não fique relegado à miséria após a morte
de quem lhe provia a subsistência.
(...).
4. A nova redação dada pela Lei n.º 9.494/97 ao art. 16 da Lei n.º 7.347/85, muito embora não
padeça de mangra de inconstitucionalidade, é de tal impropriedade técnica que a doutrina mais
autorizada vem asseverando sua inocuidade, devendo a liminar ter amplitude nacional,
principalmente por se tratar de órgão federal"
(TRF4, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon, j. 27.06.2000, DJU 26-07-2000,
p. 679).
O INSS, em observância à decisão proferida na mencionada ação civil pública, editou a Instrução
Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000, estabelecendo procedimentos específicos para a
concessão de benefícios previdenciários à pessoa homossexual, estendendo, em tais situações,
as mesmas rotinas administrativas antes disciplinadas na IN nº 20, de 18 de maio de 2000.
No caso dos autos, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta,
entre o requerente e o falecido segurado, que de fato foram companheiros por longos anos.
O endereço de residência também comum, vem demonstrado em vários documentos acostados
aos autos, os quais vinculam ambos, inicialmente, desde 2013, ao imóvel situado na Rua José
Francisco dos Santos, nº 664, CS 3, no Jardim Tietê, em São Paulo - SP (id 138040711 – p. 27,
29/35) e, na sequência, a partir de fevereiro de 2016, à residência situada na Rua José Raimundo
de Souza, nº 71, CS 1, na Vila real, em Mauá – SP (id 138040711 – p. 11/16).
A identidade de endereço de ambos também vem estampada na conta de TV por assinatura,
emitida em nome do segurado e com vencimento em 06 de agosto de 2017 (id 138040688 – p. 8)
e no próprio cadastrado do autor junto ao INSS, atualizado anteriormente ao óbito, o qual o
vincula ao imóvel situado na Rua José Raimundo de Souza, nº 71, CS 1, na Vila real, em Mauá –
SP (id 138040711 – p. 5).
Como elemento de convicção, verifico que na certidão de óbito figurou o próprio autor como
declarante, o que constitui indicativo de que se encontrava ao lado do segurado até a data de seu
falecimento.
A união estável mantida entre 26/01/2010 e 29/07/2017 já houvera sido reconhecida, através de
sentença homologatória de acordo, proferida em 07 de janeiro de 2019, nos autos de processo nº
1004477.48.2018.8.26.0348, cuja ação foi ajuizada pelo autor em face dos genitores do
segurado, a qual tramitou pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania - CEJUSC -
da Comarca de Mauá – SP (id 13040688 – p. 1/4).
Na presente demanda, em audiência realizada em 13 de agosto de 2019, foram inquiridos o autor
e uma testemunha, sendo que esta confirmou haver vivenciado o vínculo marital havido entre o
postulante e o falecido segurado.
O depoente Filipi Ribeiro Mori afirmou ter sido amigo e chefe do segurado, em seu último
emprego. Esclareceu que jogavam futebol juntos e, às vezes, frequentaram juntos os mesmos
bares, ocasião em que podia presenciá-lo em companhia do autor. Acrescentou que, desde
quando começou a trabalhar com o depoente, Diego lhe confidenciara seu relacionamento afetivo
mantido com o autor, o qual já durava sete anos. Asseverou tê-los visitado no imóvel onde eles
residiram no Bairro São Mateus, em São Paulo – SP e saber que, ao tempo do falecimento, eles
já estavam morando no município de Mauá – SP. Afirmou também que até a data do falecimento,
o autor e o falecido segurado estiveram juntos, sendo vistos pelas pessoas que compunham o
círculo social como se fossem casados.
Em seu depoimento, o autor esclareceu que manteve vínculo marital com o segurado, desde
2010, até a data de seu falecimento, período em que compartilharam o mesmo imóvel e se
apresentaram publicamente como casados. Acrescentou que o convívio era aceito pelos
familiares de ambos, razão que ensejou o acordo celebrado judicialmente, através do qual os pais
do de cujus reconheceram a união estável mantida até a data do falecimento.
Dessa forma, restou demonstrado que a união estável vivenciada entre o autor e o falecido
segurado, sendo desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do
disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios.
Conforme restou consignado na sentença, por ocasião do falecimento do companheiro
(27.07.2017), o autor, nascido em 04/03/1977, contava com a idade de 40 anos, sendo aplicável à
espécie a alínea c (item 4) do inciso V do § 2º do artigo 77 da Lei n. 8.213/91, com a redação
conferida pela Lei nº 13.135/2015, que prevê a duração do benefício em 15 (quinze) anos.
Em face de todo o explanado, o postulante faz jus ao benefício de pensão por morte, a contar da
data do falecimento do segurado.
CONSECTÁRIOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência.
DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Por derradeiro, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica nos moldes do art.
497 do Código de Processo Civil. Dessa forma, visando assegurar o resultado concreto buscado
na demanda e a eficiência da prestação jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado,
determino seja enviado e-mail ao INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os
documentos da parte autora, a fim de serem adotadas as providências cabíveis ao cumprimento
desta decisão, para a implantação do benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias, fazendo
constar que se trata de pensão por morte, deferida a JOSÉ EDUARDO COUCEIRO, com data de
início do benefício - (DIB: 27/07/2017), em valor a ser calculado pelo INSS.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS. Os honorários advocatícios serão fixados
por ocasião da liquidação do julgado, nos termos da fundamentação. Concedo a tutela específica.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. HOMOAFETIVOS. ÓBITO EM 2017, NA VIGÊNCIA
DA LEI Nº 8.213/91. CONVÍVIO MARITAL POR MAIS DE DOIS ANOS. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IDADE DO
AUTOR. LEI 13.135/2015. CARÁTER TEMPORÁRIO DA PENSÃO.
- O óbito de Diego dos Santos Serra Negra, ocorrido em 27 de julho de 2017, restou comprovado
pela respectiva certidão.
- No que se refere à qualidade de segurado, os extratos do CNIS demonstram que seu último
vínculo empregatício, iniciado em 06 de abril de 2011, foi cessado em 27 de julho de 2017, em
razão do falecimento.
- O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF,
conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele
excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura
entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de
família.
- In casu, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta, entre o
requerente e o segurado instituidor, que de fato foram companheiros por longos anos. Há prova
documental a indicar a identidade de endereço de ambos.
- O endereço de residência também comum, vem demonstrado em vários documentos acostados
aos autos, os quais vinculam ambos, inicialmente, desde 2013, ao imóvel situado na Rua José
Francisco dos Santos, nº 664, CS 3, no Jardim Tietê, em São Paulo - SP e, na sequência, a partir
de fevereiro de 2016, à residência situada na Rua José Raimundo de Souza, nº 71, CS 1, na Vila
real, em Mauá – SP.
- A identidade de endereço de ambos também vem estampada na conta de TV por assinatura,
emitida em nome do segurado e com vencimento em 06 de agosto de 2017 (id 138040688 – p. 8)
e no próprio cadastrado do autor junto ao INSS, atualizado anteriormente ao óbito, o qual o
vincula ao imóvel situado na Rua José Raimundo de Souza, nº 71, CS 1, na Vila real, em Mauá –
SP.
- Como elemento de convicção, verifico da certidão de óbito ter figurado o próprio autor como
declarante, o que constitui indicativo de que se encontrava ao lado do segurado até a data de seu
falecimento.
- A união estável mantida entre 26/01/2010 e 29/07/2017 já houvera sido reconhecida, através de
sentença homologatória de acordo, proferida em 07 de janeiro de 2019, nos autos de processo nº
1004477.48.2018.8.26.0348, cuja ação foi ajuizado pelo autor em face dos genitores do
segurado, a qual tramitou pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania - CEJUSC -
da Comarca de Mauá – SP.
- Em audiência realizada em 13 de agosto de 2019, foram inquiridos o autor e uma testemunha,
sendo que esta confirmou haver vivenciado o vínculo marital havido entre o postulante e o
falecido segurado. O depoente Filipi Ribeiro Mori afirmou ter sido amigo e chefe do segurado, em
seu último emprego. Esclareceu que, desde quando começou a trabalhar com o depoente, Diego
lhe confidenciara seu relacionamento afetivo mantido com o autor, o qual já durava sete anos.
Acrescentou tê-los visitado no imóvel onde eles residiram no Bairro São Mateus, em São Paulo –
SP e saber que, ao tempo do falecimento, eles já estavam morando no município de Mauá – SP.
Asseverou que até a data do falecimento, o autor e o falecido segurado estiveram juntos, sendo
vistos pelas pessoas que compunham o círculo social como se fossem casados.
- Em seu depoimento, o autor esclareceu que manteve vínculo marital com o segurado, desde
2010, até a data de seu falecimento, período em que compartilharam o mesmo imóvel e se
apresentaram publicamente como casados. Acrescentou que o convívio era aceito pelos
familiares de ambos, razão que ensejou o acordo celebrado judicialmente, através do qual os pais
do de cujus reconheceram a união estável mantida até a data do falecimento.
- Dessa forma, restou demonstrado que a união estável vivenciada entre o autor e o falecido
segurado, sendo desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do
disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios.
- Conforme restou consignado na sentença, por ocasião do falecimento do companheiro
(27.07.2017), o autor, nascido em 04/03/1977, contava com a idade de 40 anos, sendo aplicável à
espécie a alínea c (item 4) do inciso V do § 2º do artigo 77 da Lei n. 8.213/91, com a redação
conferida pela Lei nº 13.135/2015, que prevê a duração do benefício em 15 (quinze) anos.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS a qual se nega provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
