
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5062069-02.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: J. A. B. D. S.
REPRESENTANTE: GISELE BATISTA DE ABREU SANTOS
Advogados do(a) APELADO: JAQUELINE BEATRIZ FERREIRA DOMINGUES - SP259428-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5062069-02.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: J. A. B. D. S.
REPRESENTANTE: GISELE BATISTA DE ABREU SANTOS
Advogados do(a) APELADO: JAQUELINE BEATRIZ FERREIRA DOMINGUES - SP259428-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LUCIA IUCKER (RELATORA):
Trata-se de ação distribuída em março de 2020, em que a parte autora postula a concessão de benefício de pensão por morte. O feito foi julgado procedente por sentença proferida pelo(a) Magistrado(a) da Vara Única de Angatuba/SP em 16/10/2020. Houve interposição de Apelação pelo INSS, sendo os autos distribuídos nesta Corte em 01/04/2021.
Procedente o pedido dos autores para concessão de benefício de pensão por morte, previsto na Lei n. 8.213/91, em razão do falecimento de seu genitor Alexandre Aparecido da Silva.
A r. Sentença condenou o Instituto Nacional do Seguro Social a conceder a pensão por morte ao autor desde a publicação da sentença, bem como ao pagamento das parcelas atrasadas corrigidas monetariamente com base no art. 1-F da Lei n. 9494/97. Honorários advocatícios fixados em 10% das parcelas vencidas até a sentença, na forma da súmula n. 111 do STJ. Concedida tutela antecipada. Sentença não sujeita a reexame necessário (ID 155998557).
Recorre o INSS, alegando nulidade da sentença por falta de fundamentação, bem como que o falecido não detinha qualidade de segurado, pois o acordo firmado em processo trabalhista não vincula a autarquia que não participou daquele processo. Requer, ainda, a atualização monetária conforme o art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela Lei 11.960/2009, e o prequestionamento da matéria.
Em contrarrazões o apelado requer a manutenção da sentença.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
Foi determinado o apensamento destes autos ao processo de nº 6217699-05.2019.4.03.9999, identificada conexão entre eles, uma vez que há outros dependentes (filhos) do falecido pleiteando sua quota de pensão por morte, motivo pelo qual foram reunidos para julgamento em conjunto.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5062069-02.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: J. A. B. D. S.
REPRESENTANTE: GISELE BATISTA DE ABREU SANTOS
Advogados do(a) APELADO: JAQUELINE BEATRIZ FERREIRA DOMINGUES - SP259428-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LUCIA IUCKER (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação em face de sentença que julgou procedente pedido de pensão por morte ao filho do falecido.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Da pensão por morte
O benefício de pensão por morte tem fundamento no art. 201, V, da Constituição Federal, sendo devido aos dependentes do segurado.
Por sua vez, a Lei 8.213/1991, disciplina em seus arts. 74 a 79, os requisitos cumulativos necessários à concessão do benefício, quais sejam: a) do óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa); b) da existência de beneficiário dependente do "de cujus", em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; e c) da qualidade de segurado do falecido.
Os dependentes aptos a auferir benefícios previdenciários são aqueles descritos no art. 16 do mesmo diploma legal.
Destaca-se que o art. 16, § 4º, da LBPS estabelece que "a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada".
Da qualidade de segurado
A qualidade de segurado do de cujus é de fato um requisito fundamental para o dependente obter o benefício da pensão por morte, conforme o estipulado no artigo 11 e 13 da Lei nº 8.213/1991, sendo mantida com o pagamento de contribuições ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
No entanto, a Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece, em seu art. 15, exceções legais, conhecidas como "período de graça", que garantem a manutenção da qualidade de segurado mesmo na ausência de contribuições.
De acordo com o § 1º do artigo 102 da Lei nº 8.213/1991, o segurado empregado que deixa de exercer atividade remunerada, após 12 (doze) meses de cessação de recolhimentos, perde a qualidade de segurado.
Entretanto, perde-se a qualidade somente após o 16º dia do segundo mês subsequente ao término do prazo para recolhimento das contribuições, conforme estabelecido no artigo 30, inciso II, da Lei nº 8.212/1991, em conformidade com o disposto no § 4º do artigo 15 da Lei nº 8.213/1991, juntamente com o artigo 14 do Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.032/2021.
Caso o segurado efetue mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais consecutivas, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade, terá o direito de prorrogar o período de graça por mais 12 (doze) meses, de acordo com o artigo 15, § 1º, da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), somando, assim, 24 (vinte e quatro) meses em período de graça.
Do caso em análise
Após a análise apurada dos autos, verifica-se que o óbito de Alexandre Aparecido da Silva ocorreu em 03/11/2017 (ID 155998474). Em atenção ao princípio tempus regit actum e a teor da súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79, da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.
A condição de dependente do autor foi comprovada pela certidão de nascimento, datada de 14/01/2007 (id 155998462).
Quanto ao preenchimento do requisito da qualidade de segurado do de cujus quando de seu falecimento, alega o INSS que não foi atendido, na medida em que a propositura de ação trabalhista não comprova tempo de serviço para fins previdenciários, pois houve homologação de acordo entre as partes sem que tenha havido participação da autarquia naquele processo.
Do caso em análise
Após a análise acurada dos autos, verifica-se que o óbito de Alexandre Aparecido da Silva ocorreu em 03/11/2017 (ID 109089604). Em atenção ao princípio tempus regit actum e a teor da súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79, da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.
A condição de dependente dos autores foi comprovada pelas certidões de nascimento, datadas de 09/10/2009 e 05/12/2013 (id 109089610).
Quanto ao preenchimento do requisito da qualidade de segurado do de cujus quando de seu falecimento, alega o INSS que não foi atendido, pois em consulta ao DATAPREV-CNIS verifica-se que esteve empregado até 02/07/2014, o que acarretou na perda da qualidade em 09/2015.
Argumentou que a propositura de ação trabalhista nº 0010869-27.2018.5.15.0041 não comprovou tempo de serviço para fins previdenciários, pois houve homologação de acordo entre as partes sem que tenha havido participação da autarquia naquele processo.
Ocorre que o acordo (ID - 109089655) entre os apontados como ex-empregadores do de cujus e os dependentes, não se apresenta como início de prova material apta ao reconhecimento de contrato de trabalho urbano, tendo em vista que os documento é extemporâneo à prestação dos serviços e ao próprio fato gerador do benefício pretendido.
De se salientar, destarte, que o ajustamento não identificou a forma de prestação de serviços levada a efeito pelas partes, sendo que a anotação em CTPS sequer identifica a natureza do estabelecimento do empregador, a permitir, pelo menos, conclusão segura quanto a forma de filiação do de cujus à Previdência Social ao tempo do óbito, a saber, como empregado doméstico ou empregado.
Destaque-se, outrossim, que os recolhimentos previdenciários foram feitos impropriamente por Guia da Previdência Social - GPS, própria dos recolhimentos referentes ao Contribuinte Individual e do Segurado Facultativo, contemplando as competências 08/2017 a 11/2017, condição imprópria aos empregados domésticos e empregados urbanos, cujo recolhimento é feito via E - SOCIAL.
Não se comprovou, destarte, sequer o pagamento do objeto principal do ajustamento, a saber, a importância de R$ 15.000,00, e, tampouco, a que título esses valores teriam sido ajustados, notadamente, a título salarial, rescisório ou indenizatório.
Por fim, consta do vínculo registrado tardiamente na CTPS do autor, que seu empregador seria ALMIR DONIZETE HERGESEL, inscrito no CPF sob nº 072.106.028.-52. Da certidão de óbito contida nos autos, por outro lado, denota-se que o de cujus, ao tempo do óbito, atendia ao mister de borracheiro.
Compulsando o CNIS do citado empregador, denota-se que nem mesmo ele promovia recolhimentos como empresário, na condição de titular de negócio:
Diante desses elementos, transparece que o reconhecimento tardio do vínculo de emprego, por acordo desprovido de qualquer parâmetro legal, visa contornar a vedação de filiação à Previdência pós-óbito, cuja possibilidade foi amplamente rejeitada por esta C. Corte para fatos geradores ocorridos após a edição da Lei Complementar nº 128/2008:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. PENSÃO POR MORTE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECOLHIMENTO "POST MORTEM". LEGISLAÇÃO VIGENTE À DATA DO ÓBITO. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADA. - Divergência circunscrita à manutenção da qualidade de segurado do de cujus, no momento do falecimento, diante do recolhimento de contribuições previdenciárias, em seu nome, post mortem - Em decorrência do cânone tempus regit actum, resultam aplicáveis ao caso os ditames da Lei nº 8.213/91 e modificações subsequentes até então havidas, reclamando-se, para a outorga da benesse pretendida, a concomitância de dois pressupostos, tais sejam, ostentação pelo falecido da condição de segurado à época do passamento e a dependência econômica. - O § 1º do art. 45 da Lei n. 8.212/91, desde a edição da Lei n. 9.876/1999, até a Lei Complementar n. 128/2008, que o revogou, autorizava o recolhimento de contribuições, a qualquer tempo, para fins de comprovação do exercício de atividade remunerada pelo contribuinte individual, com vistas à obtenção de benefícios - A Instrução Normativa INSS/DC n. 95, de 07/10/2003, possibilitava que as solicitações de pensão por morte fossem concedidas, mesmo nos casos em que o óbito tivesse ocorrido após a perda da qualidade de segurado, franqueando, nessa hipótese, a regularização, por parte dos dependentes, de eventuais débitos de contribuições previdenciárias remanescentes - Comprovada a qualidade de segurado do falecido, no momento do óbito, mediante demonstração do exercício de atividade como contribuinte individual e acerto, na forma da legislação de regência, do débito de contribuições previdenciárias por ele deixado, e restando incontroversos os demais requisitos legais à outorga da pensão por morte, fazem jus, os autores, à percepção da benesse vindicada - Embargos infringentes desprovidos.
(TRF-3 - EI: 00111467920094036183 SP, Relator: JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO, Data de Julgamento: 09/05/2019, TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/05/2019)
Ainda que assim não fosse, o acordo desprovido de qualquer elemento contemporâneo de prova, não pode fundar-se em início de prova material da relação empregatícia para fins previdenciários. Assim é o entendimento exarado no Tema 1.188 do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (TEMA N. 1.188/STJ). APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA SENTENÇA TRABALHISTA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO L COMO INÍCIO DE PROVA, QUANDO NÃO FUNDADA EM OUTROS ELEMENTOS DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA. ART. 55, § 3º, DA LEI N. 8.213/91. PRECEDENTES DO STJ.
1. A questão submetida ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) cinge-se em definir se a sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e demais documentos dela decorrentes constitui início de prova material para fins de reconhecimento de tempo de serviço, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91.
(...)
6. Tese repetitiva: "A sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente será considerada início de prova material válida, conforme o disposto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, quando houver nos autos elementos probatórios contemporâneos que comprovem os fatos alegados e que sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período que se pretende reconhecer na ação previdenciária, exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior."
(...)
9. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015. (STJ. Primeira Seção. REsp 1938265 / MG RECURSO ESPECIAL 2021/0146326-3. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Data DJEN 16/09/2024).
Portanto, não comprovada a qualidade de segurado do falecido, os autores não fazem jus ao benefício da pensão por morte, devendo ser reformada a r. sentença.
Considerando o provimento do recurso, de rigor a inversão dos ônus sucumbenciais, mantendo-se os honorários advocatícios fixados no patamar de 10%, porém, sobre o valor da causa atualizado, observadas as normas contidas no artigo 85, §§ 2º e 11º do CPC/2015, cuja exigibilidade fica suspensa, tendo em vista a concessão da assistência judiciária gratuita
Revogo a tutela concedida na sentença, ressaltando que eventual devolução dos valores já recebidos, consoante o Tema 692 do STJ, será analisada em sede de cumprimento de sentença.
Dispositivo
Ante ao expoto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS na forma da fundamentação.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO. ACORDO TRABALHISTA HOMOLOGADO. TEMA 1.188 STJ. BENEFÍCIO INDEVIDO. APELAÇÃO PROVIDA.
1. O benefício de pensão por morte tem fundamento no art. 201, V, da Constituição Federal. Os requisitos a serem observados para a concessão da pensão por morte são os previstos nos arts. 74 a 79, todos da Lei nº 8.213/1991. Por força desses preceitos normativos, a concessão do benefício em referência depende, cumulativamente, da comprovação: a) do óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa); b) da existência de beneficiário dependente do "de cujus", em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; e c) da qualidade de segurado do falecido. Em relação aos dependentes do segurado falecido, o direito à pensão por morte encontra-se disciplinado no art. 16 do mesmo diploma legal
2. O óbito ocorreu em 03/11/2017, assim, em atenção ao princípio tempus regit actum e a teor da súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento. Cinge-se o caso à comprovação da condição de segurado do falecido na ocasião do óbito.
3. Preenchimento do requisito da qualidade de dependente do autor, conforme certidão de nascimento juntada aos autos, sendo a dependência então presumida conforme artigo 16, inciso I e §4° da Lei 8.213/91.
4. Sentença homologatória de acordo trabalhista sem prova contemporânea do serviço prestado, não é apta a demonstrar a qualidade de segurado do falecido.
5. A pensão por morte é indevida aos filhos do segurado falecido, devendo ser reformada a r. sentença.
6. Considerando o provimento do recurso, de rigor a inversão dos ônus sucumbenciais, mantendo-se os honorários advocatícios fixados no patamar de 10%, porém, sobre o valor da causa atualizado, observadas as normas contidas no artigo 85, §§ 2º e 11º do CPC/2015, cuja exigibilidade fica suspensa, tendo em vista a concessão da assistência judiciária gratuita
7. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
JUÍZA FEDERAL
