
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007044-38.2016.4.03.6128
RELATOR: Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DA SILVA MELLO
Advogados do(a) APELADO: JOSE APARECIDO DE OLIVEIRA - SP79365-A, ROSELI PIRES GOMES - SP342610-A
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007044-38.2016.4.03.6128
RELATOR: Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DA SILVA MELLO
Advogados do(a) APELADO: JOSE APARECIDO DE OLIVEIRA - SP79365-A, ROSELI PIRES GOMES - SP342610-A
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) em face de sentença que julgou procedente o pedido de declaração de inexigibilidade de débito objeto de cobrança do INSS.
Tutela antecipada concedida para obstar a consignação de quaisquer valores sobre benefício vigente da parte autora (ID 165885535 - fl. 27).
A r. sentença decidiu pela inexigibilidade da restituição dos valores recebidos pela parte autora a título de pensão por morte ante a constatação da boa-fé da beneficiária e o caráter alimentar das prestações previdenciárias (ID 165885563).
Em suas razões recursais, alega a autarquia previdenciária a necessidade de restituição dos valores indevidamente pagos independentemente da existência de boa-fé no caso concreto por aplicação do princípio da indisponibilidade do interesse público (ID 165885564).
Com contrarrazões, vieram os autos (ID 165885568).
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007044-38.2016.4.03.6128
RELATOR: Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DA SILVA MELLO
Advogados do(a) APELADO: JOSE APARECIDO DE OLIVEIRA - SP79365-A, ROSELI PIRES GOMES - SP342610-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) em face de sentença que julgou procedente o pedido de inexigibilidade de débito objeto de cobrança do INSS.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
Da obrigação de restituir valores indevidamente recebidos
A disciplina acerca da obrigação de restituir valores ilicitamente recebidos está inserta nos artigos 876, 884 e 927 do Código Civil, a saber:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
(...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
(...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Em relação aos benefícios previdenciários ou assistenciais, os valores indevidamente auferidos são passíveis de cobrança pelo INSS, consoante o estatuído no artigo 115, inciso II, da Lei n. 8.213/91, confira-se:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Especificamente em relação à necessidade de restituir valores relativos aos benefícios previdenciários recebidos em razão de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da possibilidade de desconto do valor devido em até 30% da parcela mensal do benefício, exceto se comprovada a boa-fé, conforme tese firmada no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. REsp. 1.381.734/RN (Tema 979/STJ):
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
A tese jurídica, segundo modulação efetuada pela C. Corte Superior, é de ser aplicada aos processos distribuídos na primeira instância a partir da publicação do acórdão em 23.4.21, de modo que, antes dessa data não há que falar de restituição ao erário dos valores indevidamente recebidos por se tratar de verba alimentar.
Do caso em análise
Após apurada análise dos autos, verifica-se que a parte autora recebeu no período de 05/10/2007 a 30/04/2010 o benefício de pensão por morte sob n. 21/145.373.851-4 cessado pela autarquia previdenciária após processo revisional apontar ocorrência de irregularidades na concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao instituidor da pensão (ID 165885535 - fl. 14 - itens 1 e 3).
INSS encaminhou ofício de cobrança à parte autora (ID 165885535 - fl. 14) com a respectiva Guia de Recolhimento à Previdência Social no importe de R$ 75.372,18 (ID 165885535 - fl. 17) para restituição dos valores indevidamente auferidos.
Insta salientar que o pedido de restabelecimento do benefício fora objeto de discussão nos autos da ação sob n. 0004362-77.2010.4.03.6304 ajuizada perante o Juizado Especial Federal de Jundiaí com sentença desfavorável à parte autora (ID 165885535 - fls. 19/21).
Assim sendo, com a presente demanda requer a parte autora apenas a declaração de inexigibilidade do débito constituído pelo INSS.
De início, registre-se que o relatório conclusivo individual datado de 11/05/2020 apurou que, em virtude da não comprovação de período laborado junto à empresa "Borgonovi e Souza Ltda", o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição originário da pensão por morte foi indevidamente deferido ao instituidor da pensão (ID 165885552 - fls. 47/52).
O processo revisional concluiu ter havido fraude na concessão do benefício perpetrada por servidora da autarquia que, inclusive, foi demitida a bem do serviço público (ID 165885552 - fls. 47/48 - itens 6 e 26).
Nesse passo, resta claro que a parte autora, alheia a todo processo de deferimento do benefício originário da pensão por morte (aposentadoria por tempo de contribuição do instituidor), não concorreu para sua concessão fraudulenta, estando a todo tempo imbuída de boa-fé no seu recebimento.
Assim sendo, não afigura-se razoável exigir que a parte autora restitua valor tido por legítimo destinado a satisfazer suas necessidades básicas de subsistência dado o caráter alimentar das verbas previdenciárias.
Na mesma linha, o C. STJ fixou tese (Tema 979) no sentido de que a devolução de valores decorrentes de erro administrativo está condicionada à comprovação de má-fé da parte que auferiu o montante tido por indevido, o que, conforme demonstrado, não é o caso dos autos.
Nesse sentido, destaco precedente desta C. Décima Turma ao julgar caso semelhante:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO COMUM. AUSÊNCIA DE PROVA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO INDEVIDO. MÁ-FÉ DO AUTOR NÃO DEMONSTRADA. TEMA 979/ STJ. INEXIGIBILIDADE DAS PARCELAS RECEBIDAS.
- A Constituição da República (CR) previa na redação original do artigo 202, I e II, e § 1º, a aposentadoria por tempo de serviço, concedida com proventos integrais, após 35 (trinta e cinco) anos de trabalho, ao homem, e, após 30 (trinta), à mulher, ou na modalidade proporcional, após 30 (trinta) anos de trabalho, ao homem, e, após 25 (vinte e cinco), à mulher.
- Ausente documentação do vínculo empregatício, inviabilizando o restabelecimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto sem o cômputo/enquadramento desses períodos, o autor não atingiu o necessário a aposentação.
- Extinção do feito, sem resolução do mérito, no que tange ao período de 13/01/1969 a 28/05/1976, de acordo com o disposto no artigo 485, IV, do CPC e a ratio decidendi relativa ao Tema 629/STJ.
- O Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento admitindo a possibilidade de a Administração Pública rever os seus atos, quando eivados de nulidades e vícios, mediante o exercício de autotutela para fins de proceder a anulação ou revogação, nos termos das Súmulas 346 e 473.- Não se descura que a controvérsia sobre os limites aplicáveis à restituição conduziu o C. Superior Tribunal de Justiça (STJ) a afetar o tema para perscrutar a respeito da seguinte questão: "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social".
- O assunto foi pacificado no julgamento do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, no bojo do qual foi cristalizado o Tema 979/STJ "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
- Há que destacar, ainda, as situações em que as verbas pagas indevidamente não se originaram de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração Previdenciária, e sim, da prática de fraude documental, com evidente má-fé do beneficiário, verificada pela apresentação de documentos que atestaram vínculos trabalhistas inexistentes que culminaram com o reconhecimento de tempo de serviço não prestado, bem assim com a concessão indevida de benefício previdenciário.
- Descabe a devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria, se as circunstâncias em que foi concedido o benefício previdenciário não permitem concluir que o segurado faltou com o dever de agir com boa-fé objetiva.
- Extinção do feito, sem resolução do mérito, no que tange ao reconhecimento do tempo de serviço do período de 13/01/1969 a 28/05/1976. Recurso da parte autora parcialmente provido.
Assim sendo, ante a ausência de demonstração de má-fé por parte da beneficiária e tendo em vista o caráter alimentar das prestações em discussão, imperioso reconhecer a desnecessidade de restituição dos valores auferidos pela parte autora.
Da sucumbência recursal
Considerando o não provimento do recurso e o oferecimento de contrarrazões pela parte adversa, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em dois pontos percentuais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO ORIGINÁRIO INDEVIDAMENTE CONCEDIDO. BOA-FÉ OBJETIVA. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INEXIGILIDADE DE RESTITUIÇÃO.
1. A disciplina acerca da obrigação de restituir valores ilicitamente recebidos está inserta nos artigos 876, 884 e 927 do Código Civil, a saber: "Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. (...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
2. Após apurada análise dos autos, verifica-se que a parte autora recebeu no período de 05/10/2007 a 30/04/2010 o benefício de pensão por morte sob n. 21/145.373.851-4 cessado pela autarquia previdenciária após processo revisional apontar ocorrência de irregularidades na concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao instituidor da pensão.
3. Processo revisional concluiu ter havido fraude na concessão do benefício de origem perpetrada por servidora da autarquia que, inclusive, foi demitida a bem do serviço público.
4. Resta evidente que a parte autora, alheia a todo processo de deferimento do benefício originário da pensão por morte, não concorreu para sua concessão fraudulenta, estando a todo tempo imbuída de boa-fé no seu recebimento.
5. C. STJ fixou tese (Tema 979) no sentido de que a devolução de valores decorrentes de erro administrativo está condicionada à comprovação de má-fé da parte que auferiu o montante tido por indevido, o que, conforme demonstrado, não é o caso dos autos.
6. Recurso não provido.