
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5056638-16.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA TORREZANI FELISBINO
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO BARBOSA DE OLIVEIRA - SP250484-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5056638-16.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA TORREZANI FELISBINO
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO BARBOSA DE OLIVEIRA - SP250484-N
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em demanda previdenciária ajuizada por Maria Aparecida Torrezani Felisbino, objetivando a concessão de benefício de pensão por morte em decorrência do falecimento de seu cônjuge.
A r. sentença julgou procedente procedente o pedido consoante o dispositivo assim estabelecido (ID 271079122):
Isso posto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido e CONDENO o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao pagamento do benefício de pensão por morte à autora, devido a partir da data do requerimento administrativo (fls. 21).
Os atrasados, descontadas eventuais parcelas pagas administrativamente ou em razão da antecipação dos efeitos da tutela, deverão ser pagos de uma única vez, respeitando-se o limite prescricional (parágrafo único do artigo 103, da Lei n.º 8.213/91). No caso em comento, como a condenação imposta ao ente estatal não é de natureza tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do artigo 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, com redação da Lei n.º 11.960/09, a partir da data do requerimento administrativo – 08/04/2015 – fls. 20. Já a correção monetária deverá ser calculada com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, de acordo com o estabelecido no artigo 41-A, da Lei n.º 8.213/91, também a partir da data do requerimento administrativo – fls. 60. Condeno o Instituto Nacional do Seguro Social INSS ao pagamento de honorários advocatícios da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o débito existente por ocasião desta sentença, a teor do artigo 85, §2º, do Código de Processo
Em síntese, defende o INSS que à concessão do benefício é essencial a existência de início de prova material do labor campesino, considerando-se que não é permitida a prova exclusivamente testemunhal para esse fim.
Prequestiona a matéria para fins de futura interposição de recurso às instâncias superiores e requer, ao final, o provimento integral de seu recurso com a inversão dos ônus da sucumbência.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.
O DD. Ministério Público Federal opinou pelo <>.
É o relatório.
cf
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5056638-16.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA TORREZANI FELISBINO
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO BARBOSA DE OLIVEIRA - SP250484-N
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):
Cinge-se a controvérsia em dirimir se o falecido ostentava a qualidade de segurado rural no dia do falecimento.
O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Da pensão por morte
A pensão por morte é benefício previdenciário assegurado pelo artigo 201, inciso V, da Constituição da República (CR), consistente em prestação de pagamento continuado, independentemente de carência.
O artigo 74 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), dispõe que a pensão por morte “será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não”.
A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento.
Do óbito
O primeiro requisito consiste na prova do óbito ou da morte presumida do segurado. A data do passamento define a legislação aplicável, em atenção ao princípio tempus regit actum, previsto na Súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79, da Lei n. 8.213/1991, com a redação em vigor na data do óbito.
Da condição de dependente
O artigo 16 da Lei n. 8.213/1991, prevê três classes de dependentes do segurado, havendo entre elas uma hierarquia, razão pela qual a existência de dependente de uma classe exclui o da classe posterior.
O cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, são dependentes integrantes da classe I, na forma do inciso I , e têm preferência em relação aos de outras classes, além de não necessitarem comprovar a dependência econômica, pois esta é presumida, conforme o § 4º do comando legal referido.
Quanto à prova da dependência econômica, destaca-se que a Lei n. 13.846/2019, de 18/06/2019, incluiu a redação do artigo 16, § 5º, da Lei n. 8.213/1991, que assim passou a dispor:
§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
Desse modo, apesar de a jurisprudência do E. Tribunal da Cidadania permitir que a demonstração da dependência econômica seja realizada mediante prova exclusivamente testemunhal (AgInt no AREsp 1339625/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2019, DJe 16/09/2019), para os óbitos ocorridos a partir de 18/06/2019 será necessário haver o início de prova material contemporânea dos fatos, pertinente ao período não superior a 24 (vinte e quatro) meses, contados do passamento, não mais bastando a prova exclusivamente oral.
Para fins de prova material do vínculo e da dependência econômica, eram necessários três, e após a redação dada pelo Decreto n. 10.410/2020, poderão ser aceitos apenas dois documentos, dentre outros, indicados nos incisos I a XVII do § 3º do artigo 22 do Decreto n. 3.048, de 06/05/1999.
Da qualidade de segurado rural
A concessão do benefício requer a demonstração da qualidade de segurado ou o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria, na forma do artigo 102 da LBPS, bem como do teor da Súmula 416/STJ: “É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito”. (STJ, Terceira Seção, julgado em 09/12/2009, DJe 16/12/2009).
O acesso à Previdência Social foi erigido pela Constituição da República a direito fundamental de segunda geração, razão por que as Colendas Cortes Superiores flexibilizaram a rigidez da metodologia processual probatória, dada à natureza das lides previdenciárias, que instrumentalizam a discussão de direitos emanados de contexto social adverso, considerando-se as especiais condições do trabalho campesino.
Da harmonia entre as provas material e testemunhal
A comprovação da atividade rural pode ser realizada mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal, conforme o § 3º do artigo 55 da LBPS, in verbis:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...) § 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
A interpretação desse dispositivo legal foi assentada pelo C. STJ no verbete da Súmula 149: “A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”. (STJ, Terceira Seção, j. 07/12/1995, DJ 18/12/1995). Portanto, é vedado o reconhecimento de tempo de trabalho rurícola mediante prova exclusivamente testemunhal, impondo-se que o conjunto probatório seja orientado pela harmonia das provas material e testemunhal idônea.
No que diz respeito aos trabalhadores denominados “boias-frias”, o C. STJ examinou a questão sobre a possibilidade de abrandamento da prova, concluindo pela incidência da norma do artigo 55, § 3º, cuja interpretação já havia sido cristalizada pela Súmula 149/STJ. Nesse sentido, eis o excerto do Tema 554/STJ, assentando que “tanto para os ‘boias-frias’ quanto para os demais segurados especiais é prescindível a apresentação de prova documental de todo o período” (REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012).
Além disso, colhe-se dos registros de segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), a demonstração da atividade rural, na forma dos artigos 38-A e 38-B da LBPS.
Cabe destacar que algumas das principais provas materiais, consideradas aptas à demonstração do trabalho rural, foram enumeradas pelo artigo 106 da LBPS, cujo rol tem natureza meramente exemplificativa, conforme jurisprudência pacificada do C. STJ e deste C. Tribunal. Precedentes: AgInt no AREsp 1.372.590/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 21/03/2019; DJe 28/03/2019; RESP n. 1.081.919/PB, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 03/08/2009; TRF3, Nona Turma, AC 6080974-09.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal Gilberto Jordan, publ. 25/11/2020.
Outros documentos, expressamente admitidos pelo INSS como início de prova material para comprovação da atividade rural, figuram no artigo 54 da IN INSS n. 77/2015, sendo imprescindível que “neles conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, observado o disposto no art. 111”.
Nesse sentido, as certidões dos atos de registro civil e militar são aceitas como início de prova material, conforme referidas expressamente nos incisos I a IV do artigo 54 da IN INSS n. 77/2015, bem assim no Parecer/CJ n. 3.136, de 23/09/2003 (Memorando/INSS/CGBENEF n. 01.500.1/009/2003), contanto que “corroborados por outros elementos de instrução, num conjunto probatório harmônico, robusto e convincente”, o que vai ao encontro dos precedentes judiciais obrigatórios.
Anote-se, entretanto, que a certidão de nascimento da parte autora não faz prova material do exercício da atividade rural, pois os documentos devem “ser contemporâneos ao período de carência, ainda que parcialmente”. Precedente: AgRg no AREsp 380.664/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, j. 01/10/2013, DJe 11/10/2013.
Quanto à declaração de sindicato de trabalhadores rurais, esse documento foi submetido a três disciplinas distintas. Inicialmente, i) na forma da redação original do artigo 106 da LBPS, exigia-se a homologação do Ministério Público; ii) a partir de 14/06/1995, com a edição da Lei n. 9.063, passou a ser necessária a homologação do INSS; e iii) desde 18/01/2019, com a edição da Medida Provisória n. 871/2019, convertida na Lei n. 13.846, de 2019, não pode ser aceita a referida declaração para fins de comprovação da atividade rural.
Nesse sentido:
COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA NO PERÍODO DE CARÊNCIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AMPLIADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO PROCEDENTE.
1. É firme a orientação jurisprudencial desta Corte no sentido de que, para concessão de aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos, como na hipótese em exame.
2. Pedido julgado procedente para, cassando o julgado rescindendo, dar provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença.
(AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012)
Da ampliação da eficácia probatória
A possibilidade de aplicação da eficácia prospectiva e retrospectiva dos documentos permite o reconhecimento de tempo de labor rural além do período consignado nos documentos apresentados para início de prova material, quando for corroborado por prova testemunhal. Esse entendimento foi consolidado e reiterado pelo Colendo STJ, conferindo segurança jurídica à aplicação dessa ratio decidendi aos casos concretos, de natureza obrigatória às instâncias inferiores, na forma das normas do artigo 927 do CPC.
Ao cristalizar o Tema 554/STJ, já referido acima, o C. STJ estabeleceu diretrizes para observância da Súmula 149/STJ, que poderá ter a sua aplicação abrandada quando a prova material for corroborada pela prova testemunhal idônea. Segundo a tese firmada: “Aplica-se a Súmula 149/STJ (‘A prova exclusivamente testemunhal (...)’) aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal”. (REsp Repetitivo n. 1.321.493, Relator Ministro Herman Benjamin, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012).
Consoante esse mesmo juízo, foi admitido pelo C. STJ a possibilidade de a prova testemunhal conferir suporte ao período laborado anteriormente à data do primeiro documento apresentado. Assim, foi consolidado o Tema 638/STJ: “Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório" (RESP n. 1.348.633/SP, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014).
Sedimentou-se, portanto, a jurisprudência do C. STJ para admitir o reconhecimento de tempo rural anterior ao documento mais antigo, contanto que seja corroborado pela prova testemunhal. Esse é o teor do verbete da Súmula 577/STJ: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório” (Primeira Seção, j. 22/06/2016, DJe 27/06/2016).
Das contribuições sociais
É dispensado o pagamento de contribuições previdenciárias para fins de obtenção de reconhecimento da qualidade de segurado especial, bastando que o trabalhador comprove o labor rural no prazo da carência, conforme os artigos 26, inciso III, 39, inciso I, e 48, §§ 1º e 3º, todos da Lei n. 8.213, de 24/07/1991. Precedentes do C. STJ: REsp 1.674.221/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 14/08/2019, DJe 04/09/2019 (TEMA 1007); REsp 1.759.180/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 18/09/2018, DJe 27/11/2018; REsp 1.407.613/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 14/10/2014, DJe 28/11/2014; REsp 207.425/SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 21/09/1999, DJ 25/10/1999.
Do regime de economia familiar
O segurado especial exerce a sua atividade de forma individual ou em regime de economia familiar, consoante o disposto no artigo 11, inciso VII, da LBPS.
O trabalho em regime de economia familiar está previsto no artigo 195, § 8º, da Constituição da República, in verbis: “§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.” (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998)
No âmbito legal, o conceito de regime de economia familiar foi definido tanto pelo artigo 12, § 1º, da Lei n. 8.212, de 24/07/1991, quanto pelo artigo 11, § 1º, da LBPS, in verbis:
“§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei n. 11.718, de 2008)
Ainda, a área da propriedade explorada foi limitada ao máximo de 4 (quatro) módulos fiscais, a partir da nova redação do artigo 12, VII, da Lei n. 8.212, de 24/07/1991, pela Lei n. 11.718, de 2008. Anote-se, sobre o assunto, que o C. STJ afetou os REsps 1.947.404 e 1.947.647, para definir a tese do Tema 1115/STJ, a respeito da controvérsia quanto ao requisito do tamanho da propriedade na caracterização do regime de economia familiar.
Do trabalho de integrante da família
“O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias”, esse é o teor do Tema 532/STJ.
Ainda, “Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana", esse verbete conta do Tema 533/STJ.
Os Temas 532 e 533 foram assentados pela C. Corte Superior de Justiça no julgamento do REsp 1.304.479/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN (Primeira Seção, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012), cabendo destaque ao seguinte excerto: “Assim como é tranquilo nesta Corte Superior o entendimento pela possibilidade da extensão da prova material em nome de um cônjuge ao outro, é também firme a jurisprudência que estabelece a impossibilidade de estender a prova em nome do consorte que passa a exercer trabalho urbano, devendo ser apresentada prova material em nome próprio”.
O § 9º do artigo 11 da LBPS, prevê as hipóteses que descaracterizam a qualidade de segurado especial. Valendo destacar o exercício de atividade remunerada por mais de 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, independentemente de fruição em período de entressafra ou defeso (inciso III) com redação da Lei n. 12.873, de 2013, e do artigo 9º, VII, § 8º, III do Regulamento, com redação do Decreto n. 10.410, de 2020.
No que diz respeito à prova material consistente na demonstração do trabalho dos genitores da parte autora, o C. STJ tem jurisprudência pacificada admitindo essa possibilidade, contanto que corroborada por robusta prova testemunhal. Precedentes: REsp 1506744/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016; AgRg no AREsp 363.462/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014.
Do caso dos autos
A certidão de óbito acostada demonstra o falecimento do Sr. Moacir José Felisbino, ocorrido em 18/10/2001 (ID 271079005), bem como a certidão de casamento realizado entre autora e falecido no dia 23/07/1966 (ID 271079006) comprova a dependência econômica presumida dela.
A celeuma consiste em dirimir se o falecido exercia o labor rural como boia-fria ao tempo do passamento.
Vejamos.
Há início de prova material do labor campesino, evidenciado tanto na certidão de casamento, quanto na de óbito, por constar que o falecido era lavrador.
E realizada a prova oral, foram ouvidas três testemunhas, todas conhecidas do falecido da área rural, tendo trabalhado com ele por várias anos, como na Fazenda do Limão, na Santa Jacinta, na Santa Rita, sendo firmes e coesas ao asseverarem que ele sempre exerceu a atividade campesina, que perdurou até o passamento. Confira-se:
- Sr. Nunes: "... que conhece a Maria Aparecida desde 1965. Conheceu o Sr. Moacyr. Eles eram marido e mulher. O Sr. Moacyr já é falecido. Quando ele faleceu estavam juntos. Ele trabalhava como boia-fria. Hoje a gente tá numa fazenda, daqui outra semana em outra e era assim. Trabalhou até 1998 com ele. Depois eu fui trabalhar com trator junto com meu primo. Ele faleceu em 2001. Ele trabalhava quando faleceu. Ouviu falar que ele faleceu de cirrose. Ele ainda trabalhava na época do falecimento. Trabalharam na Fazenda do Limão, na Santa Jacinta, Fim da Picada, na Santa Rita, na Lagoinha. Todo ano a gente trabalhava entre quatro a cinco meses. Trabalhamos de 1965 a 1998. Na época que ele faleceu, parece que ele trabalhava para o Odair Alves de Oliveira, como lavrador. Ele não trabalhou na cidade."
- Sr. Sebastião: "...queconhece a Maria Aparecida e o Sr. Moacir. Eles eram casados. Quando ele faleceu, eles tinham largado há mais ou menos uns cinco ou seis anos. Ele trabalhava como pau-de-arara, serviço de roça. Quando ele faleceu ele estava trabalhando ainda. Trabalhei com ele mais de 40 (quarenta) anos. A última vez que trabalhei com ele foi, mais menos, quando eu aposentei com 63 anos. Faz uns quinze anos que parei de trabalhar. Trabalhamos na Fazenda do Limão, Fazenda Maeda. Era lavoura de milho, algodão e soja. O trabalho era por diária. Os empreiteiros que levavam a gente para trabalhar. Lembra dos empreiteiros Vicente Dornelas, Eliseu, Sérgio. Ele nunca trabalhou na cidade. Toda vida foi serviço de roça. Ele continuava trabalhando até falecer. Eu morava perto da casa dele. Depois eu aposentei e ele continuou trabalhando sozinho."
- Sr. Geraldo: "...que conhece a Maria Aparecida. Conheceu o Sr. Moacir. Eles foram casados. Ele já é falecido. Quando ele faleceu, eles estavam separados, mas não consegue precisar o tempo. Ele era lavrador. Quando ele faleceu ele estava trabalhando. Trabalhei com ele como pau-de-arara. Começamos a trabalhar em 1968 e trabalhamos muitos anos juntos. Trabalhou com ele pela última vez na Fazenda Santa Emília, mas não lembra o ano. Trabalharam juntos na Fazenda Santa Rita, no Dr. Seth, na Fazenda Limão. Era na lavoura de algodão, milho. Eramos diaristas. Eram os empreiteiros que levavam. Lembra dos empreiteiros: Luis Felisbino, Geraldo "Manco", Eliseu. A gente ia todos os dias. O Sr. Moacyr nunca trabalhou na cidade."
Vê-se, assim, que a prova material foi corroborada pela oral realizada, de modo que o conjunto probatório está em sintonia e evidencia, com eficácia, que o falecido exerceu atividade campesina por muitos anos, tendo perdurado até o óbito, razão pela qual não há como agasalhar a pretensão recursal do INSS, pois preenchidos todos os requisitos necessários à concessão do benefício aqui pleiteado.
Consectários legais
A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021.
Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, cristalizado pelo C. STF no julgamento do RE 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
Dos honorários advocatícios
Em razão da sucumbência recursal, majoro os honorários advocatícios fixados na r. sentença em 2% (dois pontos percentuais), observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 5º e 11, do CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e explicito, de ofício, os consectários legais, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RURAL. BOIA-FRIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA PELA PROVA ORAL. QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADA.
1. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento.
2. Demonstrados o óbito e a dependência econômica da parte autora.
3. A comprovação da atividade rural pode ser realizada mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal, sendo vedada a demonstração mediante prova exclusivamente testemunhal.
4. A prova material foi corroborada pela oral realizada, de modo que o conjunto probatório está em sintonia e evidencia, com eficácia, que o falecido exerceu atividade campesina por muitos anos, tendo perdurado até o óbito, tendo a autora logrado êxito no preenchimento de todos os requisitos necessários à concessão da pensão por morte.
5. Recurso não provido. Consectários explicitados de ofício.
