
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5082369-77.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO CARLOS ANTUNES
Advogado do(a) APELADO: MARTA DE FATIMA MELO - SP186582-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5082369-77.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO CARLOS ANTUNES
Advogado do(a) APELADO: MARTA DE FATIMA MELO - SP186582-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em face de sentença, não submetida a reexame necessário, que julgou procedente o pedido de concessão de pensão por morte, desde a data do requerimento administrativo, discriminados os consectários legais, acrescido dos consectários legais.
A autarquia previdenciária alega, em síntese, a não comprovação da qualidade de segurado da instituidora do benefício na data do óbito. Aduz não haver início de prova material do alegado trabalho rural da extinta na data do óbito e requer a reforma integral do julgado. Subsidiariamente, impugna os critérios de incidência dos juros de mora e da correção monetária.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5082369-77.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO CARLOS ANTUNES
Advogado do(a) APELADO: MARTA DE FATIMA MELO - SP186582-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Conheço do recurso em razão da satisfação de seus requisitos.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de pensão por morte, previsto nos artigos 74 a 79 da Lei n. 8.213/1991, cujo texto original, alterado diversas vezes ao longo dos anos, vigora atualmente com a redação dada pela Lei n. 13.846/2019.
No entanto, em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão desse benefício previdenciário, a lei vigente à época do fato que o originou, qual seja, a da data do óbito.
De toda forma, são requisitos para a obtenção de pensão por morte: a condição de dependente e a qualidade de segurado do falecido.
Segundo o artigo 26, I, da Lei n. 8.213/1991, a concessão do benefício independe do cumprimento de período de carência, conquanto sua duração possa variar conforme a quantidade de contribuições recolhidas pelo instituidor, como previsto no artigo 77 da mesma lei.
Quanto à condição de dependente do segurado, o artigo 16 da Lei n. 8.213/1991 estabelece o rol dos beneficiários, divididos em três classes, e indica as hipóteses em que a dependência econômica é presumida e aquelas em que esta deverá ser comprovada.
Com relação à comprovação da qualidade de segurado, a parte autora alega que o falecido companheiro era trabalhador rural.
A legislação referente aos rurícolas sofreu longa evolução, refletida em inúmeros diplomas legislativos a versar sobre a matéria, sendo mister destacar alguns aspectos pertinentes a essa movimentação legislativa, para, assim, deixar claros os fundamentos do acolhimento ou rejeição do pedido.
Pois bem. Embora a primeira previsão legislativa de concessão de benefícios previdenciários ao trabalhador rural estivesse consubstanciada no Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214/1963), que criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural - FUNRURAL com essa finalidade, somente depois da edição da Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, passaram alguns desses benefícios, de fato, dentre os quais o de pensão por morte, a ser efetivamente concedidos, muito embora limitados a um determinado percentual do salário mínimo.
Alteração importante, antes do advento da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), somente viria a ocorrer com a edição da Lei n. 7.604, de 26 de maio de 1987, quando o artigo 4º dispôs que, a partir de 1º de abril de 1987, passar-se-ia a pagar a pensão por morte, regrada pelo artigo 6º da Lei Complementar n. 11/1971, aos dependentes do trabalhador rural falecido em data anterior a 26 de maio de 1971.
Na época, não se perquiria sobre a qualidade de segurado, nem sobre o recolhimento de contribuições, por possuírem os benefícios previstos na Lei Complementar n. 11/1971, relativa ao FUNRURAL, caráter assistencial.
Somente a CF/1988 poria fim à discrepância de regimes entre a Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991.
Assim, a concessão do benefício de pensão por morte para os dependentes dos trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desta Corte: STJ – AR 4041/SP – Proc. 2008/0179925-1, Rel, Ministro Jorge Mussi – Dje 5/10/2018; AREsp 1538882/RS – Proc. 2019/0199322-6, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2019; Ap.Civ. 6072016-34.2019.4.03.9999, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial – 2/3/2020; Ap.Civ. 5923573-44.2019.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio – Publ. 13/3/2020).
A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do Superior Tribunal de Justiça - STJ).
No caso, o óbito do instituidor - Maria Madalena dos Santos - ocorreu em 5/7/2019 e o requerimento administrativo apresentado em 13/6/2023 foi indeferido em razão da falta da qualidade de segurado.
Segundo narrativa da inicial, o autor - João Carlos Antunes (nascido em 1959) era casado com a falecida desde 23/8/1985 (vide certidão de casamento), com que exercia atividades rurais sem registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
O autor alega que a extinta sempre exerceu suas atividades laborativas no campo na função de trabalhadora rural, porém sem registro em carteira. Contudo, ele não logrou carrear, em nome da falecida, indícios razoáveis de prova material capazes de demonstrar a faina agrária aventada.
Como início de prova material do alegado trabalho rural, o autor apresentou, em seu nome, os seguintes documentos nos quais constam sua qualificação como lavrador: (i) certidão de seu casamento (celebrado em 1985); (ii) certidão de óbito; (iii) certidão emitida por escrivão de Polícia na qual consta que foi declarada de lavrador em 2019 por ocasião do requerimento de segunda via de sua carteira de identidade; (iv) certidão de quitação eleitoral de 2023; (v) cópia de sua CTPS, com registros de vínculos rurais entre 1986 e 1998. Também apresentou cópia da CTPS da falecida, com anotação de um vínculo como "serviços gerais" em Fazenda, de 10/2008 a 1/2009.
Ocorre que, conquanto o autor alegue que a autora tenha exercido atividades laborais rurais durante toda sua vida laboral, após o referido vínculo trabalhista de 2009 não há nenhum outro elemento de convicção, em nome dela, capazes de estabelecer liame entre o ofício rural alegado e a forma de sua ocorrência.
Pelo contrário. Após referido vínculo trabalhista, a autora trabalhou como empregada doméstica até 1/2011. Ademais, a certidão de casamento e os vínculos trabalhistas são muito antigos e extemporâneos à data do óbito. Ademais a certidão eleitoral, assim como a da polícia, embora anotem a ocupação do autor de lavrador, não servem para tanto, pois os servidores públicos não diligenciam para aferir a veracidade do ali informado. Tudo é que consta do documento o cunho meramente declaratório da informação a respeito da profissão. Ora, admitir tais certidões como início de prova material implicaria em aceitar a criação pela parte de documento, metamorfoseando declaração sua em prova documental, o que, infelizmente, abriria ensejo à má-fé.
Note-se, ainda, que na certidão de óbito a extinta está qualificada como "do lar".
Por seu turno, a prova oral, produzida em audiência e formada pelos depoimentos das testemunhas Florinda Aparecida dos Anjos Santos e Luis Antonio da Rosa, não é bastante para patentear o efetivo exercício de atividade rural da autora. Simplesmente disseram que a requerente trabalhava na roça como boia-fria, mas não delimitaram períodos, a frequência e os locais nos quais o autor teria laborado.
Os depoimentos colhidos foram muito vagos em termos de cronicidade, não sabendo os respectivos locais e exatos períodos ou anos dos serviços prestados. Também não mencionaram o trabalho da falecida como empregada doméstica.
Assim, concluo que a prova oral, quanto mais, indica trabalho eventual da falecida no meio rural, sem a habitualidade e profissionalismo necessário à caracterização da sua qualificação profissional como trabalhadora rural.
Vale repisar que para ser trabalhador rural e ter acesso às benesses previdenciárias, não basta a pessoa de forma esporádica, vez ou outra, ter ajudado terceiros nos serviços rurais, havendo necessidade de perenidade da atividade, ainda que considerada a situação própria dos trabalhadores campesinos, onde o serviço nem sempre é diário.
Enfim, não há certeza a respeito do exercício de atividade de rural do de cujus, tanto diante da fragilidade da prova material, seja diante da precariedade da prova testemunhal.
Logo, a prova testemunhal produzida em juízo, frágil e insubsistente, não é apta a corroborar a alegada manutenção do trabalho rural da extinta na data do óbito.
Assim, não restou comprovado o exercício de atividade rural da falecida na época do óbito. Ausente, pois, a qualidade de segurado.
Quanto à necessidade de comprovação da condição de segurado na data do óbito, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 1.110.565/SE, DJe 3/8/2009, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, firmou o seguinte entendimento:
“RECURSO ESPECIAL. SUBMETIDO AOS DITAMES DO ART. 543-c DO CPC E DA RESOLUÇÃO Nº 8/STJ. PENSÃO POR MORTE. PERDA PELO DE CUJUS DA CONDIÇÃO DE SEGURADO. REQUISITO INDISPENSÁVEL AO DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. EXCEÇÃO. PREENCHIMENTO EM VIDA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À APOSENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
I - A condição de segurado do de cujus é requisito necessário ao deferimento do benefício de pensão por morte ao(s) seu(s) dependente(s). Excepciona-se essa regra, porém, na hipótese de o falecido ter preenchido, ainda em vida, os requisitos necessários à concessão de uma das espécies de aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social - RGPS. Precedentes.
II – In casu, não detendo a de cujus, quando do evento morte, a condição de segurada, nem tendo preenchido em vida os requisitos necessários à sua aposentação, incabível o deferimento do benefício de pensão por morte aos seus dependentes.
Recurso especial provido.”
Ademais, não restou demonstrado nos autos o preenchimento, pela falecida, dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria, seja por idade, seja incapacidade permanente ou tempo de contribuição, o que lhe garantiria a aplicação do artigo 102 da Lei n. 8.213/1991.
A propósito, destaco os seguintes julgados:
"AGRAVO LEGAL. PENSÃO POR MORTE. PERÍODO DE TRABALHO RURAL NÃO COMPROVADO. AUSENTE A QUALIDADE DE SEGURADA. AGRAVO PROVIDO.
(...)
IV- Não demonstrada a qualidade de segurada não é possível conceder a pensão por morte ao autor. Se a falecida não tinha direito a nenhuma cobertura previdenciária, seus dependentes, em conseqüência, também não o têm.
V- Agravo legal provido." (TRF/3ª Região, AC n. 977333, Processo 200403990340421, Rel. Marisa Santos, 9ª Turma, DJF3 CJ1 de 21/10/2009, p. 1561)
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS.
(...)
V - Para a comprovação da atividade laborativa exercida nas lides rurais, sem o devido registro em carteira, torna-se necessária à apresentação de um início razoável de prova material, corroborada pela prova testemunhal.
VI - In casu, restou descaracterizada a sua condição de rurícola, tendo em vista que os documentos juntados autos qualificam profissionalmente o de cujus como trabalhador urbano, na condição de operário e pedreiro, conforme certidão de casamento e certidão de óbito.
VII - Inviável a concessão do benefício pleiteado em face da não implementação dos requisitos legais
VIII - Verba honorária fixada em 10% sobre o valor da causa, suspensa a cobrança nos termos da Lei n.º1060/50.
IX - Remessa oficial, apelação da parte autora e recurso do patrono da autora não conhecidos. Apelação do INSS provida." (TRF/3ª Região, AC n. 922355, Processo 200403990089372, Rel. Walter do Amaral, 7ª Turma, DJU de 4/11/2004, p. 263)
Em decorrência, concluo pelo não preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão do benefício de pensão por morte, sendo impositivas a reforma da sentença e a inversão da sucumbência.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO NÃO COMPROVADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA.
- Em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão da pensão por morte, a lei vigente à época do fato que o originou, qual seja, a da data do óbito.
- São requisitos para a obtenção de pensão por morte: a condição de dependente e a qualidade de segurado do falecido (artigos 74 a 79 da Lei n. 8.213/1991).
- A concessão do benefício de pensão por morte para os dependentes dos trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desta Corte. Precedentes.
- A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
- Conjunto probatório insuficiente a demonstrar a condição de trabalhadora rural da falecida na ocasião do óbito. Ausente a prova da qualidade de segurado, é indevido o benefício.
- Inversão da sucumbência. Condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Código de Processo Civil, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
