Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0006186-77.2020.4.03.6318
Relator(a)
Juiz Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
12/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA.
IMPROCEDÊNCIA.
1. A união estável não restou adequadamente comprovada nos autos pela documentação juntada
e pelas testemunhas ouvidas em Juízo
2. Recurso a que se nega provimento.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0006186-77.2020.4.03.6318
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: IVANI NOGUEIRA LIMA
Advogado do(a) RECORRENTE: NILVA MARIA PIMENTEL - SP136867-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0006186-77.2020.4.03.6318
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: IVANI NOGUEIRA LIMA
Advogado do(a) RECORRENTE: NILVA MARIA PIMENTEL - SP136867-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora, ora Recorrente, contra sentença que julgou
IMPROCEDENTE o pedido de concessão de pensão por morte.
De acordo com as razões expostas, a parte autora pretende a reforma da sentença ora
recorrida, para ver julgado procedente o pedido.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0006186-77.2020.4.03.6318
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: IVANI NOGUEIRA LIMA
Advogado do(a) RECORRENTE: NILVA MARIA PIMENTEL - SP136867-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Recurso foi ofertado tempestivamente.
Entendo que não assiste razão à Recorrente.
No mérito.
A sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as questões
suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua fundamentação.
Vejamos seu conteúdo quanto a análise do mérito pertinente ao objeto do recurso:
“(...)
No que diz respeito à qualidade de segurado de Bolívar Leal da Fonseca, observa-se que, na
data do óbito, em 16/09/2020, detinha tal qualidade, uma vez que titulariza benefício
previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição E/NB 42/788.342.541, com DIB em
03/10/1986.
Quanto à dependência econômica de Ivani Nogueira Lima em relação à pretensa instituidora do
benefício, tem-se que é presumida pela legislação. Apesar da presunção de dependência
econômica que milita em favor dos companheiros, devem eles comprovar essa relação de
convivência.
Para comprovar os fatos alegados na inicial, a parte autora juntou os seguintes documentos: i)
relatório emitido por agência de viagem, com sede em Uberaba/MG, datado em 18/08/2020,na
qual consta que foram adquiridas passagens aéreas para deslocamento entre os trechos
Uberlândia-Recife e Recife-Uberlândia, figurando como passageiros a autora e Bolívar Leal da
Fonseca, com reserva para hospedagem em hotel, no período de 16 e 23/09/2020; ii) recibo
emitido por Bombonato Palace Hotel, localizado em Uberaba/MG, datado em 09/02/2020, no
qual consta que Bolívar Leal da Fonseca pagou a quantia de R$190,00, referente à diária de
08/02/2020 a 09/02/2020; iii) conta de água em nome de Bolívar Leal da Fonseca, emitida em
11/2019, com endereço na Rua Coronel José Alves Ferreira, nº 1180, Centro, Igarapava/SP; iv)
certidão de óbito de Bolívar Leal da Fonseca, falecido aos 16/09/2020, com último domicílio na
Rua Coronel José Alves Ferreira, nº 1180, Centro, Igarapava/SP, figurando como declarante
Bolívar Leal da Fonseca Júnior, com averbação de que o de cujus era viúvo e vivia em união
estável com Ivani Nogueira Lima; v) laudo de execução de serviço em nome de Ivani Nogueira
de Lima, datado em 04/09/2020, acompanhado de recibo de pagamento, com indicação de
domicílio na Rua Coronel José Alves Ferreira, nº 1180, Centro, Igarapava/SP; vi) recibo emitido
por Bombonato Palace Hotel, sem data, em nome da autora e de Bolívar Leal da Fonseca, com
domicílio na Rua Coronel José Alves Ferreira, nº 1180, Centro, Igarapava/SP; vii) declarações
subscritas por Bolívar Leal da Fonseca Júnior, Lucina Moreira Fernandes e Patrícia Mariano de
Paula, cujos declarantes atestam que o falecido conviva com a autora “aproximadamente do
começo de 2020”; viii) fotografias sem registro de datas.
Em sede de depoimento pessoal, a autora relatou:
“que a autora morou, sob o mesmo teto, com o falecido desde 16/02/2020, na Rua Coronel
José Alves Ferreira, nº 1180, Igarapava/SP; que o Sr. Bolívar faleceu em setembro de 2020;
que antes de morarem juntos cada um vivia em sua residência; que namoraram quatro meses;
que o de cujus era viúvo e tinha dois filhos; que a autora era divorciada e tinha dois filhos; que
ele faleceu em virtude do novo coronavírus Covid -19; que ficou internado durante dezenove
dias na Santa Casa de Ituverava/SP; que o filho do falecido quem foi declarante do óbito; que o
próprio filho quem declarou que o pai vivia em união estável com a autora; que o falecido era
aposentado por tempo de serviço; que nunca se separaram; que a autora, antes, morava
sozinha e pagava aluguel, contando com o auxílio dos filhos; que a autora não participou da
partilha dos bens deixados pelo de cujus, e achou melhor deixar os bens com os filhos do
falecido; que, após o óbito, a autora ficou quatro meses no imóvel e o devolveu aos filhos, em
comum acordo; que o Sr. Bolívar não precisava de cuidados médicos, só tinha pressão alta;
que não sabe precisar a época que faleceu a ex-esposa do Sr. Bolívar; que acha que a esposa
de Bolívar faleceu cerca de um ano e meio antes do início do namoro; que o falecido era
aposentado pelo INSS e chegou a exercer mandato eletivo de vereador no município.”
As testemunhas arroladas pela parte autora expuseram, em juízo, o seguinte:
Luciana Moreira Fernandes
“que a autora e o Sr. Bolívar eram vistos como marido e mulher e conviveram até a data do
óbito; que o Sr. Bolívar quem mantinha o lar e comprava os medicamentos para o casal; que a
testemunha é proprietária de farmácia; que após o óbito do Sr. Bolívar a autora passou a
enfrentar dificuldades financeiras; que a autora tem passado por dificuldades para comprar
medicamentos; que conhece a autora desde quando passou a conviver com o falecido; que o
Sr. Bolívar era cliente e amigo da família da testemunha; que antes do relacionamento da
autora com o Sr. Bolívar, a testemunha não tinha com ela contato próximo; que conheceu a
antiga esposa do Sr. Bolívar, já falecida; que não sabe precisar a época que a ex-esposa do Sr.
Bolívar faleceu; que o irmão da testemunha quem fazia as entregas dos medicamentos no
domicílio do Sr. Bolívar; que acredita que por volta do início do ano de 2020 que o Sr. Bolívar
passou a comentar sobre o nome da autora na drogaria; que sabe que em 2020 o casal já
morava junto.”
Anselmo Leal da Fonseca
“que o depoente era filho do falecido e a autora convivia em união estável com ele; que a união
durou até o óbito; que o falecido quem mantinha o lar e acredita que atualmente ela passa por
dificuldade financeira; que não conhecia a autora antes do relacionamento com o seu pai, só
sabia que ela morava na cidade de Delta; que nunca chegou a frequentar a casa da autora e só
a via na casa de seu pai; que o pai do depoente já tinha passado todos os bens para os filhos,
por isso não houve partilha dos bens entre os herdeiros e a autora; que a autora ficou morando
na casa uns meses após o óbito do seu genitor; que o irmão do depoente ficou com a casa e
ele iria alugá-la, por isso requereu a saída da autora do imóvel ; que o pai do depoente já
estava aposentado quando veio a óbito; que o depoente frequentava a casa de seu pai aos
domingos e via a autora lá; que o depoente não conhece os filhos da autora; que a autora não
ficou no hospital durante o período de internação do Sr. Bolívar, porque tinha pressão alta e
também necessitava de cuidar de sua mãe; que a mãe do depoente faleceu em 2018 ou 2019.”
Maria das Dores Leal da Fonseca Caetano
“que a testemunha é irmã do Sr. Bolívar; que a autora e o falecido viviam no mesmo imóvel e
eram vistos como marido e mulher; que a união durou até o óbito do Sr. Bolívar; que o falecido
quem arcava com as despesas domésticas; que a autora não trabalha; que, após o óbito do Sr.
Bolívar, a autora vem enfrentamento dificuldades financeiras; que a autora passou a morar com
sua mãe, na cidade de Delta/MG ; que a testemunha mora em Uberaba/MG; que, nos finais de
semana, o casal ia à cidade de Delta/MG visitar a mãe da autora; que a testemunha nunca
frequentou a casa da mãe da autora; que a testemunha conheceu a autora num baile, realizado
na cidade de Igarapava/SP, ocasião na qual o seu irmão a apresentou; que o seu irmão já era
viúvo quando iniciou o relacionamento com autora; que o casal já foi várias vezes à casa da
testemunha; que convieram juntos por sete meses .”
Em 16/02/2018, a autora, quando requereu o seguro-desemprego, declarou residir na Rua
Sebastião Barbosa Soares, nº 81 (página 33 do evento 16). O extrato previdenciário (página 31
do evento 16) demonstra que a autora atualizou perante a Previdência Social o cadastro do
domicílio pessoal, na Rua Coronel José Alves Ferreira, nº 1180, Bairro Vila Marilene,
Igarapava/SP, mesmo endereço do último domicílio do de cujus.
O documento mais antigo que permite inferir a fixação de residência da autora no imóvel de
propriedade do falecido, situado na Rua Coronel José Alves Ferreira, nº 1180, Bairro Vila
Marilene, Igarapava/SP, é o laudo de execução de serviço (desdetização através de aplicação
de saneantes domissanitários por meio de pulverização líquida técnica dirigida), datado em
04/09/2020, ou seja, doze dias antes do óbito do pretenso instituidor.
Os documentos juntados no evento 15 revelam que a ex-esposa do Sr. Bolívar Leal da Fonseca
faleceu em 01/04/2019, no município de Igarapava/SP, tendo sido a notícia veiculada na
imprensa local. O Sr. Bolívar Leal da Fonseca, em 2020, registrou candidatura pelo Partido PL
para concorrer ao cargo de vereador (Bolívar da Usina) no município de Igarapava/SP, tendo se
qualificado como viúvo. Igualmente, conta na certidão de óbito a qualificação de viúvo do Sr.
Bolívar Leal da Fonseca
Em razão do óbito da Sra. Ana Maria Ribeiro da Silva Fonseca, o Sr. Bolívar passou a receber o
benefício de pensão por morte E/NB 21/191.805.093-4, com DIB em 01/04/2019.
Os documentos particulares emitidos pela agência de viagem demonstram que foram
adquiridas passagens aéreas e reserva de hotel, figurando como passageiros e hóspedes a
autora e o Sr. Bolívar, para o período de 16 a 23/09/2020. Registre-se, contudo, que o Sr.
Bolívar faleceu antes da data da viagem, e, consoante se infere dos depoimentos colhidos em
juízo, permaneceu internado na Santa Casa de Misericórdia de Ituverava/SP durante 19
(dezenove) dias, vindo a óbito em decorrência de síndrome respiratória aguda (COVID-19) e
hipertensão arterial.
O recibo emitido pelo estabelecimento Bombonato Palace Hotel comprova que a autora e o Sr.
Bolívar permaneceram hospedados nos dias 08 e 09/02/2020. As testemunhas e a autora
afirmaram, em juízo, que o relacionamento iniciou-se em fevereiro de 2020, ou seja, a
hospedagem no referido hotel deu-se logo no início da convivência do casal.
A testemunha Anselmo Leal da Fonseca, filho do de cujus, relatou que a autora, antes de
passar a residir no mesmo imóvel do seu pai, morava na cidade de Delta/MG. Enfatizou que a
autora não acompanhou o seu pai durante o período no qual permaneceu internado na Santa
Casa de Misericórdia de Ituverava/SP, pois era portadora de pressão alta, o que a enquadraria
no grupo de risco tendo em vista que o Sr. Bolívar havia sido contaminado pelo novo
coronavírus (COVID-19), bem como necessitada de cuidar de sua mãe que já apresentava
idade avançada.
O depoimento da testemunha Maria das Dores Leal da Fonseca Caetano, irmã do de cujus,
mostrou-se deveras ambíguo e confuso. Inobstante o diminuto período de tempo de convivência
do casal, inferior a sete meses, a testemunha asseverou que frequentaram juntos evento social
(baile na cidade de Ituverava/MG), bem como o casal visitava com frequência a mãe da autora,
domiciliada na cidade de Delta/MG, município próximo à cidade de Uberaba/MG, na qual residia
a depoente. Deve-se, ainda, ponderar que o alegado período de convivência do casal deu-se
quando o território nacional já se encontrava assolado pela ocorrência do estado de calamidade
pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020, provocado pela
disseminação da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). É fato notório que o estado de
calamidade pública gerou restrições ao convívio social e à mobilidade das pessoas, não sendo
crível que a testemunha tenha mantido contato habitual, em distintas municipalidades, com o
casal, inclusive em evento festivo.
A partir da análise detida das provas documental e oral, a despeito do estreitamento do convívio
entre a autora e o falecido, que se deu sob a mesma residência, durante diminuto intervalo
temporal, não configura, por si só, o pressuposto para a configuração da união estável. Com
efeito, a união estável, que representa verdadeiro estado de fato, demanda, para sua
conformação e verificação, a reiteração do comportamento do casal, dando-se visibilidade à
comunhão integral e irrestrita de vidas e esforços, por lapso significativo.
Deve-se distinguir o namoro qualificado da união estável, cujo principal traço distintivo é a
ausência da intenção presente de constituir uma família. A constituição da família implica o
compartilhamento de vidas, com irrestrito, recíproco e amplo apoio moral e material entre os
conviventes, contribuindo para concretizar sonhos em comum, ao passo que a coabitação,
ocasionada, no caso em concreto, pela contingência particular da parte autora que retrata
situação financeira desfavorecida em comparação com o de cujus, afigura-se insuficiente à
configuração da affectio maritalis e, por conseguinte, da união estável. Assim, no namoro
qualificado, ainda que se estabeleça convivência amorosa contínua e pública, preserva-se a
liberdade e a vida pessoal de um ou ambos os namorados, não se confundindo os interesses
pessoais, particulares.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS
ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE
PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO
DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO
CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES
PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR.
ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E,
POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO.
REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM
ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL
OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM
CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA
VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO
COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de
discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não
conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento.
2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por
ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no
período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra,
em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e
irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma
família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação,
ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como
esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio
maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável.
2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à
constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado
"namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de
constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a
convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material
entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que
possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a
particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a
trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados
que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se
absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos
estigmas, adequar-se à realidade social.
3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente
anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não
vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do
estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o presente -, o propósito
de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com
o casamento.
4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como
sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em
casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como,
impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-
se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não
antes, constituir a sua própria família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de
comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os
então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e
voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar,
bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim
resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão
patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento.
4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida,
basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem
então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que
tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do
casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí,
entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso especial
provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado. (REsp 1454643/RJ, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe
10/03/2015)
O exame acurado das provas produzidas neste processado evidencia a ausência de união
estável entre a autora e o de cujus, sendo que os contornos fáticos jazidos nos autos permitem
inferir a existência de um namoro qualificado, marcado pela coabitação em curto período de
tempo, o que não qualifica a autora como dependente para fins previdenciário.
III – DISPOSITIVO
Por conseguinte, com resolução de mérito nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, JULGO
IMPROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial e extingo o processo com resolução de
mérito.
Defiro/mantenho a gratuidade processual.
(...)”
Desta feita, o artigo 46 combinadamente com o § 5º do art. 82, ambos da Lei nº 9099/95,
facultam à Turma Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na
sentença.
Ademais a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a adoção
dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX,
da Constituição Federal, vejamos, por exemplo, o seguinte julgado:
“EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA
INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA.
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil.
2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão
aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX ,da
Constituição do Brasil.
Agravo Regimental a que se nega provimento. ( AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª
Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008).”
O parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos
próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”
O dispositivo legal prevê, expressamente, a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão
de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX, da
Constituição Federal.
Assim, considerando que a sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos
termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95.
Posto isso, nego provimento ao recurso.
Condeno a recorrente Autora vencida ao pagamento de honorários advocatícios no valor de
10% sobre o valor da causa nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Para o beneficiário da
gratuidade de justiça, o pagamento da verba honorária se sujeita ao disposto no art. 98, § 3º, do
Código de Processo Civil.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA.
IMPROCEDÊNCIA.
1. A união estável não restou adequadamente comprovada nos autos pela documentação
juntada e pelas testemunhas ouvidas em Juízo
2. Recurso a que se nega provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma
Recursal decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
