Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0074048-82.2021.4.03.6301
Relator(a)
Juiz Federal FABIO IVENS DE PAULI
Órgão Julgador
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
25/05/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 31/05/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PLEITO DE CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE A EMPREGADA
GESTANTE DURANTE O PERÍODO DE EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE
DA COVID-19 E CONDENAÇÃO DOS RÉUS À DEVOLUÇÃO DOS VALORES REFERENTES À
REMUNERAÇÃO PAGA A GESTANTE DESDE A PUBLICAÇÃO DA LEI N. 14.151/2021.
SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DA PARTE
AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0074048-82.2021.4.03.6301
RELATOR:43º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: HENRIQUE CARBONELL NETO
Advogado do(a) RECORRENTE: ANA PAULA SAWAYA PEREIRA DO VALE BERNARDES
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
DAVID - SP284387-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0074048-82.2021.4.03.6301
RELATOR:43º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: HENRIQUE CARBONELL NETO
Advogado do(a) RECORRENTE: ANA PAULA SAWAYA PEREIRA DO VALE BERNARDES
DAVID - SP284387-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora de sentença que julgou extinto o processo, sem
resolução do mérito, com relação ao pedido de afastamento da empregada gestante e
improcedentes os pedidos de concessão de salário-maternidade e ressarcimento dos valores
pagos à empregada, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Alega o recorrente, em suma, que a sentença deve ser reformada, consoante os seguintes
argumentos:
"Inicialmente, cumpre esclarecer que a Recorrente não pretende a declaração do direito de
afastamento da empregada gestante, pois a própria Lei nº 14.151/21 determinou o afastamento,
o que se busca é a formalização do afastamento determinada pela referida Lei.
Logo, o pedido deve ser conhecido e acolhido pelo MM. Juízo a quo, afastando-se a extinção,
sem resolução do mérito.
A despeito da ausência de previsão de pagamento do salário-maternidade no caso em
comento, a situação gerada pelas omissões contidas na Lei nº 14.151/21 deve ser solucionada
pelo Poder Judiciário, uma vez que sua função é garantir a supremacia da CF.
Com efeito, atribuir ao Recorrente a responsabilidade pela remuneração da empregada
gestante, durante todo o período de pandemia, sem que esteja à disposição para o trabalho,
viola, além do disposto nos artigos 196[1], 201, II[2], e 227[3] da CF e na Convenção n° 103 da
OIT[4], que estabelecem que é responsabilidade do Estado a proteção à maternidade,
conforme, inclusive, reconheceu o MM. Juízo a quo, bem como , o princípio da livre iniciativa, ex
vi do artigo 170 da CF[5], pois está sendo obrigado a manter a empregada gestante e outra
profissional para substituí-la.
Fato é que, ao onerar o empregador imputando-lhe a obrigação de arcar com a remuneração da
empregada gestante, durante prazo indeterminado, e sem que haja uma contraprestação da
empregada, o Estado está extrapolando sua prerrogativa de intervenção na ordem econômica,
que ocorre sempre que o Estado se vale de medidas capazes de modificar, diminuindo ou
impondo condições na iniciativa privada.
Vale ressaltar, ainda, que a intervenção ocorre com a finalidade de proporcionar bem-estar
social às pessoas, bem como desenvolver a economia do país, sempre observando os direitos
e garantias assegurados na CF, o que não se verifica in casu."
Requer a reforma da sentença, com o acolhimento do pedido formulado na inicial.
É o que cumpria relatar.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0074048-82.2021.4.03.6301
RELATOR:43º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: HENRIQUE CARBONELL NETO
Advogado do(a) RECORRENTE: ANA PAULA SAWAYA PEREIRA DO VALE BERNARDES
DAVID - SP284387-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
No essencial, a sentença recorrida encontra-se assim fundamentada:
"(...) Passo ao exame do mérito dos demais pedidos formulados pela parte autora.
Pleiteia o autor, na qualidade de empregador, a concessão do salário-maternidade em favor da
empregada gestante durante todo o período de emergência de saúde pública decorrente da
Covid-19, bem como a condenação dos réus à devolução dos valores referentes à remuneração
paga à empregada gestante desde a publicação da Lei nº 14.151, de 13.05.2021.
Pois bem. A Lei nº 14.151, de 12/05/2021, dispõe sobre o afastamento da empregada gestante
das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância
nacional decorrente do novo coronavírus. A norma assim prevê:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo
coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho
presencial, sem prejuízo de sua remuneração. Parágrafo único. A empregada afastada nos
termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio,
por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Dessa forma, a empregada gestante deve permanecer afastada do trabalho presencial, sem
prejuízo de sua remuneração, enquanto perdurar a pandemia.
Todavia, embora a legislação preveja que a empregada deve permanecer à disposição do
empregador para o exercício das atividades por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra
forma de trabalho a distância, é certo que existem funções que somente podem ser exercidas
de forma presencial, dentre elas o trabalho da empregada doméstica, cujo afastamento gera
prejuízo à prestação do serviço.
Da leitura do dispositivo legal, observa-se que não restou definido a quem compete o
pagamento da remuneração da trabalhadora gestante cuja função seja incompatível com o
trabalho remoto.
Diante de tal lacuna legislativa, pleiteia o empregador que o ônus do afastamento da gestante
seja sustentado pelo Estado.
In casu, comungo em parte com o entendimento esposado pela Juíza Federal Noemi Martins de
Oliveira, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP, na decisão proferida nos autos nº
5006449-07.2021.4.03.6183, especificamente no que toca à proteção assegurada pela
Constituição Federal à maternidade e ao dever coletivo da sociedade de financiar, direta ou
indiretamente, a Seguridade Social:
A Constituição Federal previu os direitos sociais, com as mesmas garantias dos direitos
fundamentais, aos trabalhadores urbanos e rurais, visando à melhoria de sua condição social,
entre os quais a licença gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de
cento e vinte dias (art. 7º, XVIII, CF).
Estabeleceu, ainda, a Lei Maior especial proteção, assegurando o direito de todos à saúde, a
proteção à maternidade, à família e à sociedade, conforme artigos 196, 201, II, 226 e 227 da
Constituição, cabendo destacar, também, a previsão constitucional do dever do Estado de
promover ações e políticas sociais e econômicas para alcançar tais fins, especialmente, por
meio do Sistema de Seguridade Social.
A Saúde, a Previdência Social e a Assistência Social foram eleitas pelo Constituinte Originário
como principais instrumentos de efetivação do Estado de Direito Social, a fim de garantir bem-
estar e justiça sociais, por meio da redução de desigualdades sociais e regionais, objetivo
fundamental do Estado Democrático de Direito, consoante prevê o artigo 3º, inciso III, da
Constituição.
Ou seja, ao Estado compete a consecução do bem público, sendo essa a justificativa da
existência do Estado: a promoção do bem público.
A justiça social concretiza-se por meio do princípio constitucional da solidariedade, que, no
âmbito da Previdência Social, atua na promoção da dignidade da pessoa humana, de modo a
atender, equitativamente, as necessidades vitais de cada indivíduo.
A solidariedade social pressupõe a interdependência entre cada indivíduo com os demais
membros da sociedade e com a própria sociedade e caracteriza-se pela cooperação mútua,
igualdade de oportunidades e consecução do bem-estar comum.
O princípio da solidariedade, na essência, fundamenta e garante o cumprimento do dever
coletivo da sociedade de financiar, direta ou indiretamente, a Seguridade Social, possibilitando
o acesso e o atendimento dos cidadãos aos benefícios da Seguridade Social.
In casu, contudo, inexiste previsão legal sobre de quem é a responsabilidade pelo pagamento
da remuneração da empregada gestante durante o afastamento.
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3073/2021, que “Altera a Lei nº 8.213, de
24 de julho de 1991, para dispor sobre a concessão de benefício por incapacidade temporária
para a segurada gestante que, durante a emergência de saúde pública de importância nacional
decorrente do novo coronavírus, tenha de se afastar das atividades de trabalho presencial; o
art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021; e o art. 394-A d da Consolidação das Leis do
Trabalho, para prever o referido afastamento como uma das formas de proteção da
maternidade; e dá outras providências”.
Em que pesem os termos do referido projeto de lei, atualmente não há previsão legal expressa
quanto à concessão de benefício por incapacidade temporária para a segurada gestante
durante o período de afastamento decorrente da calamidade pública.
Especificamente no caso dos autos, o autor pleiteia a concessão do salário-maternidade, cuja
legislação (Lei nº 8.213/91) assim prevê:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e
vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de
ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne
à proteção à maternidade.
Há de se considerar, nos moldes do artigo 195, § 5º, da Constituição Federal, a expressa
vedação de extensão de benefício previdenciário sem a prévia fonte de custeio, motivo pelo
qual a eventual atribuição de direito não constante da lei, tal como a extensão do salário-
maternidade ao largo das hipóteses normativas, implicaria desrespeito ao referenciado
postulado do necessário custeio. Vejamos:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,
nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Assim, ao Poder Judiciário não compete a ampliação de hipótese de incidência de norma a
outras situações não previstas no ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de incursão em
atividade típica do Poder Legislativo.
Desta forma, é improcedente o pedido de concessão do benefício de salário-maternidade à
empregada, bem como o ressarcimento dos valores já pagos pelo empregador, nos moldes em
que pleiteou (a título de salário-maternidade), durante o período de afastamento decorrente da
pandemia, por ausência de previsão legal, sem prejuízo de outra forma de cobrança ou
compensação dos valores dispendidos pelo autor a título de remuneração da empregada
durante o afastamento decorrente da pandemia, a ser discutido em ação própria perante o Juiz
competente.
DISPOSITIVO
Diante do exposto:
(i) julgo EXTINTO o processo, sem resolução do mérito, na forma do artigo 485, inciso VI, do
Código de Processo Civil, com relação ao pedido de afastamento da empregada gestante; e
(ii) (ii) julgo IMPROCEDENTES OS PEDIDOS de concessão do salário-maternidade e
ressarcimento dos valores pagos à empregada, nos termos do art. 487, I, do CPC."
Do exame dos autos, constata-se que todas as questões discutidas no recurso foram
corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau.
Conquanto o tema seja polêmico e ainda não haja entendimento jurisprudencial consolidado, há
julgados que apontam para a inviabilidade do acolhimento da pretensão do recorrente. Veja-se
o que afirmou o Desembargador Wilson Zauhy Filho no inteiro teor do voto proferido nos autos
n. 5021633-25.2021.4.03.0000 (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO -
5021633-25.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em
28/04/2022, Intimação via sistema DATA: 29/04/2022):
" ao dispor sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial
durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo
coronavírus, o artigo 1º da Lei nº 14.151/2021 estabeleceu o seguinte:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo
coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho
presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição
para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra
forma de trabalho a distância.
Como se percebe, há expressa previsão legal determinando que no período em que durar a
situação emergencial decorrente do Coronavírus as empregadas gestantes sejam afastadas do
trabalho presencial e fiquem à disposição dos respectivos empregadores para exercer suas
atividades em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.
Trata-se, à evidência, de situação excepcional causada pela pandemia da Covid19 e que busca
proteger a gestante da possibilidade de contágio da grave enfermidade mediante a substituição
das atividades presenciais pelo regime de teletrabalho ou trabalho remoto. Nestas condições,
eventual impossibilidade de exercício do teletrabalho em alguma área específica não tem o
condão de alterar a natureza dos valores pagos a título de remuneração para benefício
previdenciário, in casu, o salário-maternidade.
Anoto, por relevante, que nos termos do artigo 71 da Lei nº 8.213/91 “O salário-maternidade é
devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no
período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as
situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade”.
Nestas condições, não tendo ocorrido a condição legal para o pagamento do benefício em
questão, não há que se falar na responsabilização da autarquia previdenciária pelo pagamento
da remuneração devida às empregadas gestantes que, em razão da área de atuação, estão
impossibilitadas de trabalhar remotamente, como pretende a agravante.
Como bem anotado pela decisão agravada, “a incompatibilidade de desempenho da atividade
laboral das empregadas grávidas em home office deve ser resolvida no âmbito da relação de
trabalho, não gerando qualquer obrigação da autarquia previdenciária em ressarcir ao
empregador o valor correspondente” (Num. 84416416 – Pág. 3 do processo de origem).
Diante dos fundamentos expostos, nego provimento ao agravo de instrumento, nos termos da
fundamentação supra.
É o voto”.
Por sua clareza, cumpre referir também a seguinte decisão judicial, a qual bem aborda o tema
em debate nestes autos, consignando não ser viável a concessão de salário-maternidade na
hipótese em foco:
“De início, ressalto que não há enquadramento da hipótese de afastamento laboral criada pelo
art. 1ª da Lei n.º 14.151/2021 nas situações descritas no art. 394-A, §3º, da CLT.
A norma de Direito do Trabalho contempla o direito de afastamento das empregadas gestantes
de atividades consideradas insalubres (e não o afastamento apenas presencial, mas de todo e
qualquer tipo de trabalho) e, não sendo possível, ou seja, restando inviável o exercício laboral
em local salubre, estabelece que a gestação deverá ser tratada como de risco, ensejando,
nesse caso (e apenas nesse caso), o pagamento de salário-maternidade.
A Lei n.º 14.151/2021, como se vê, tem abrangência mais ampla (dispensa a verificação acerca
da salubridade ou não do ambiente de trabalho, bastando a constatação da gravidez), mas, por
outro lado, estabelece consequências jurídicas mais restritas, pois não impõe a suspensão do
contrato ou determina a implantação de benefício, mas, sim, a adaptação da atividade para o
trabalho a distância.
Em Direito Previdenciário, por sua vez, a comprovação de gravidez de risco – ressalvada a
hipótese prevista na CLT – enseja a implantação do benefício de auxílio-doença, com dispensa,
inclusive, de acordo com entendimento jurisprudencial dominante, do cumprimento de carência,
e não de salário-maternidade (TRU da 4ª Região, IUJEF nº 5000846-63.2013.404.7004, Rel.
Juiz Federal João Batista Lazzari, D.E. 20.06.2014; TRF4. APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007588-
62.2021.4.04.9999/PR, Turma Regional suplementar do Paraná. Rel. Des. Federal MÁRCIO
ANTONIO ROCHA, DE de 11/06/2021).
Diante desse cenário, para o acolhimento da pretensão, seria necessário ampliar
demasiadamente o alcance da norma trabalhista tida como referência analógica (restrita, a
priori, a situações de insalubridade), das normas previdenciárias aplicáveis à matéria - inclusive
mediante confusão de institutos - e, consequentemente, da norma tributária que autoriza a
compensação dos valores pagos pelo empregador a título de salário-maternidade (apenas), por
ocasião da tributação sobre a folha (art. 72 da Lei n.º 8.213/91).
Em última análise, haveria a criação judicial de uma nova hipótese fática (ou a ampliação das
existentes) de concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade, sem previsão
legal expressa, objetiva e específica, em descompasso com a norma constitucional extraída do
195, §5º, da Constituição Federal.
Cabe reforçar que "não se revela constitucionalmente possível, ao Poder Judiciário, sob
fundamento de isonomia, estender, em sede jurisdicional, majoração de benefício previdenciário
, quando inexistente, na lei, a indicação da correspondente fonte de custeio total, sob pena de o
Tribunal, se assim proceder, atuar na anômala condição de legislador positivo, transgredindo,
desse modo, o princípio da separação de poderes." (RE 461904 AgR, Relator(a): CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/08/2008)
Não há, de qualquer sorte, espaço para recorrer à analogia, notadamente porque, como visto,
há muito mais dessemelhanças do que semelhanças entre as hipóteses tidas como análogas e,
além do mais, a lei não contém lacuna que possa ser sanada, na forma proposta pela parte,
pelo uso do (residual) método integrativo.
Embora talvez devesse ter sido mais explícita a respeito de suas consequências, notadamente
com a finalidade de evitar discussões jurídicas evitáveis, a lei expressamente prevê que a
gestante deverá permanecer afastada, apenas, de suas atividades de trabalho presencial, "sem
prejuízo de sua remuneração".
Não resta dúvida, assim, acerca de quem será o responsável pela remuneração (inclusive nas
hipóteses em que não for possível eventual trabalho remoto), mesmo porque, nos termos do
parágrafo único do artigo citado, a empregada gestante afastada deverá permanecer "à
disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho
remoto ou outra forma de trabalho a distância”.
É evidente que a mens legis foi, claramente, a de imputar ao empregador, e não ao Estado, os
ônus financeiros decorrentes da inovação normativa.
Essa conclusão pode ser confirmada a partir da análise do PL nº 3932/2020, que originou a Lei
n.º 14.151/2021, bem como da recente alteração promovida pela Lei nº 14.311/2022 (o artigo
que criava o salário-maternidade à gestante afastada em razão de risco de covid foi vetado pelo
Presidente da República).
Não há, assim, base legal para o acolhimento dos pedidos.
O encerramento da pandemia (e dos riscos e prejuízos que dela decorrem), quando confirmado,
ensejará, por certo, a resolução da indesejada situação econômica, aos olhos do empregador,
provocada pela legislação. Não obstante, até que isso ocorra, não há, pelas razões expostas,
como acolher a pretensão – que, embora se revista de razoabilidade, pressupõe atuação
legislativa revisional, e não judicial”
(Decisão proferida pelo Juiz Federal Fábio Soares Pereira no mandado de segurança nº
5008297-30.2022.4.04.7100/RS em 4/4/2022).
Diante disso, devem ser adotados, neste acórdão, os fundamentos já expostos na sentença
recorrida, a qual deve ser mantida, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
O Supremo Tribunal Federal, em sucessivos julgados (cf. ARE 736.290 AgR/SP, Primeira
Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJE 15/08/2013; AI 749.969 AgR/RJ, Primeira Turma, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, DJE 08/10/2008; AI 749.963 AgR/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eros
Grau, DJE 24/09/2009), afirmou que a regra veiculada pelo art. 46, da Lei n. 9.099/95, não
infringe o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o dever de fundamentação
das decisões judiciais (arts. 5º, LIV, LV, 93, IX, da Constituição da República de 1988), se “a
jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente motivada” (AI 651.364 AgR/RJ,
Primeira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJE 25/09/2008).
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso interposto pela parte autora, mantendo
integralmente a sentença recorrida, nos termos do artigo 46 da Lei nº. 9.099 de 26/09/1995.
Recorrente condenado (a) ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o
valor da causa atualizado. O pagamento dos honorários advocatícios ficará suspenso até que a
parte possa efetuá-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família em razão de ser
beneficiária de gratuidade judiciária (art. 98, § 3º do CPC/2015 c/c art. 1.046, § 2º do mesmo
Codex e art. 1º da Lei 10.259/2001).
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PLEITO DE CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE A EMPREGADA
GESTANTE DURANTE O PERÍODO DE EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE
DA COVID-19 E CONDENAÇÃO DOS RÉUS À DEVOLUÇÃO DOS VALORES REFERENTES
À REMUNERAÇÃO PAGA A GESTANTE DESDE A PUBLICAÇÃO DA LEI N. 14.151/2021.
SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DA PARTE
AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 15ª Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região - Seção Judiciária do Estado de São Paulo,
por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
