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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 3ª Seção Avenida Paulista, 1842, Bela Vista, São Paulo - SP - CEP: 01310-936 https://www.trf3.jus.br/balcao-virtual AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5032346-88.2023.4.03.0000 AUTOR: FLAVIA RODRIGUES DE OLIVEIRA ADVOGADO do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA - SP139855-N REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RELATÓRIOTrata-se de Ação Rescisória proposta por Flávia Rodrigues de Oliveira, com fundamento no artigo 966, incisos V, VII e VIII do CPC, em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando rescindir acórdão prolatado pela Sétima Turma deste Tribunal nos autos da apelação cível nº 5607711-09.2019.4.03.9999, com trânsito em julgado em 30/11/2021, o qual manteve a sentença de improcedência da ação subjacente pela qual perquiriu a concessão do benefício de salário maternidade de trabalhadora rural. Na inicial rescisória, afirma a postulante que durante o decorrer de toda a sua vida exerceu atividade rurícola, não havendo que se falar em inexistência de início de prova material da sua atividade. Afirma que na certidão de nascimento de sua filha, nascida em 27/10/2015, consta sua atividade como lavradora, além de constar em outros documentos que indica. Sustenta erro de fato haja vista que existente na ação originária prova material suficiente a dar supedâneo a seu pedido. Prossegue afirmando que início de prova material não se confunde com completude de documentação. Indica violação aos artigos 24, § 4º, 55, § 3º e 71 da Lei de Benefícios. Indica, no mais, a existência de prova nova consubstanciada nos seguintes documentos: Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal em seu nome, datado de 07/01/2022, em que consta o trabalho principal como trabalhador temporário em área rural; certidão de nascimento de outra filha, esta nascida em 14/10/2018, em que consta a profissão da autora e do pai da criança como lavradores. Invocando o princípio pro misero, argui que as provas novas elencadas se prestam á pretensão rescisória. Requer a rescisão do julgado para que concedido o benefício de salário maternidade de trabalhadora rural em razão do nascimento de sua filha ocorrido em 27/10/2015. Deu à causa o valor de R$ 5.720,00 (cinco mil, setecentos e vinte reais). Foi concedida a gratuidade de justiça (ID 283073196). Em contestação (ID 288434188), de início o INSS sustenta o caráter recursal da ação, razão pela qual pugna pela sua extinção sem resolução de mérito por carência da ação. Traz em defesa que "como bem destacado no v. acórdão rescindendo, a documentação acostada não possibilita o reconhecimento do labor rural anteriormente à data de nascimento da filha da Autora". Ressalta, no tocante à prova nova alegada na inicial, que na ação subjacente a autora trouxe aos autos documento semelhante ao CadÚnico datado de 07/01/2022, e que, além desta semelhança, este último foi produzido após o trânsito em julgado da ação de base. Quanto à certidão de nascimento da filha nascida em 14/10/2018, o documento, assim como os demais levados a conhecimento na ação primeva, não são suficientes para comprovar que a autora exercia atividade rural no período de 10 (dez) meses anteriores ao nascimento da filha nascida em 2015. A autarquia, ainda em defesa, informa que a indicação da profissão dos genitores da filha nascida em 2018 se deu por força de pedido de averbação (autos nº 0002249-87.2020.4.03.6341 cujo trâmite se deu perante o JEF de São Paulo). Pugna pelo acolhimento da preliminar ou, caso afastada, pela improcedência da ação. Houve réplica. Sem provas a produzir, as partes ofertaram alegações finais. O Ministério Público Federal manifesta-se pelo prosseguimento do feito sem a sua intervenção. É o relato do essencial.
VOTOVOTOA ação rescisória foi proposta dentro do biênio decadencial haja vista que o acórdão rescindendo transitou em julgado em 30/11/2021 e a presente ação foi proposta em 28/11/2023. Da preliminar arguida pela defesa A alegada utilização da presente ação rescisória como sucedâneo recursal, este como conceito enfrentado na concepção de desconstituição de julgado com base em mera injustiça/pretensão de revaloração do conjunto probatório, se confunde com o mérito e com ele será analisada. Ação rescisória - pressupostos de cabimento Verificadas as hipóteses do art. 966 do estatuto processual, franqueia-se à parte prejudicada a possibilidade de desconstituir o julgado (juízo rescindente) e substituí-lo por um novo julgamento (juízo rescisório). Este é o escopo da ação rescisória, cuja natureza é constitutivo negativa ou desconstitutiva haja vista o objetivo de desfazer uma decisão transitada em julgado sem que haja violação ao primado da segurança jurídica. Para tal, exige o Código de Processo Civil a existência de decisão de mérito transitada em julgado, restar caracterizada uma das causas de rescisão, bem como que o ajuizamento se dê dentro do prazo decadencial, em regra de 02 (dois) anos (art. 975, caput, do CPC) a partir do trânsito em julgado da decisão rescindenda, podendo estender-se a 05 (cinco) anos quando fundada a ação no inciso VII, do art. 966, do CPC (prova nova). Saliente-se, por oportuno, conforme entendimento sumulado pela Corte Suprema, a possibilidade de manejo da ação rescisória ainda mesmo quando não esgotadas as oportunidades de recurso na ação originária. STF - Súmula 541 - Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos. DO JUÍZO RESCINDENTEO artigo 966 do Código de Processo Civil, de modo taxativo, elenca as hipóteses de cabimento da ação rescisória: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica; (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
A violação manifesta de norma jurídica capaz de dar ensejo à rescisão de decisão de mérito transitada em julgado, conforme prevê o artigo 966, V, do CPC, deve ser flagrante, evidente e direta, consubstanciada em interpretação contrária à literalidade do texto da norma ou ao seu conteúdo, afigurando-se destituída de qualquer razoabilidade. Ou seja, a violação manifesta de norma jurídica deve ser evidente e suficientemente apta a configurar desrespeito inegável ao caráter normativo do enunciado tido como violado. A decisão rescindenda deve desbordar a norma jurídica de tal forma que, independentemente do reexame ou produção de novas provas, tenha o condão de desfazer a coisa julgada. Ensina a Desembargadora Federal Marisa Santos, in Direito Previdenciário Esquematizado, 14ª ed., São Paulo: Saraiva Jur, 2024, pp. 755 e ss.: "Comentando o art. 485, V, Didier e Carneiro da Cunha ensinam que violação à literal disposição de lei corresponde "violação à literal fonte do direito, o que incluiria violação a princípio. A violação e qualquer norma jurídica possibilita o ingresso da ação rescisória com vistas a desconstituir sentença de mérito transitada em julgado", porque o objetivo é a proteção do ordenamento jurídico como um todo. A decisão que viola literal disposição de lei desborda do texto e do contexto legal, importando flagrante desrespeito à norma jurídica. O art. 485, V, e, agora, o art. 966, V, não restringem a violação à literalidade da norma, mas permitem caracterizá-la quando violado seu sentido, sua finalidade, muitas vezes alcançados mediante métodos de interpretação". Destarte, é inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em interpretações controvertidas, embora fundadas. Saliente-se, por oportuno, ser incabível a desconstituição da coisa julgada suscitada em razão de violação de norma quando a pretensão tiver alicerce em alegação de injustiça proveniente de interpretações controvertidas, mas possíveis, dentro do espectro jurisprudencial infraconstitucional formalizado à época do julgado rescindente. Esta é a exegese da Súmula 343 do STF: "Súmula 343 - Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". Esse entendimento, inclusive, em roupagem específica, foi reiterado quando assentado o Tema 136/STF no sentido de que: "Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente". De fato, é de rigor analisar se quando do julgamento rescindendo, a interpretação do tribunal era considerada plausível e em conformidade com a jurisprudência que prevalecia, sendo certo que a posterior modificação da jurisprudência não é justificativa aceitável para a rescisão do julgado. A decisão, portanto, ainda que posteriormente superada por nova interpretação jurisprudencial, não há de ser desconstituída em um contexto de controvérsia sobre a aplicação da legislação previdenciária. Realizadas essas breves considerações, passa-se ao exame do caso concreto.
Para que configurado o erro de fato, é assente na jurisprudência que alguns requisitos sejam cumpridos, quais sejam, a) ausência de controvérsia sobre o tema; b) que a sentença seja fundada no erro de fato; c) que o exame do erro seja apurável mediante a documentação acostada na ação base, não havendo possibilidade de produção das provas no bojo da ação rescisória; d) inexistência de pronunciamento judicial: "Quatro pressupostos hão de concorrer para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade: a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ele a conclusão do juiz houvesse de ser diferente; b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente; c) que 'não tenha havido controvérsia' sobre o fato (§ 2º); d) que sobre ele tampouco tenha havido 'pronunciamento judicial' (§ 2º)." (José Carlos Barbosa Moreira, in Comentários ao CPC, Volume V - Arts. 476 a 565, 11ª ed., Ed. Forense, págs. 148/149). Destarte, "a ação rescisória fundada em erro de fato, nos termos do art. 966, VIII e § 1º, do CPC/2015 (CPC/1973, art. 485, IX, §§ 1º e 2º), pressupõe que o acórdão rescindendo tenha admitido um fato inexistente, ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que seja relevante e capaz de conduzir à modificação do resultado do julgamento, sendo indispensável, em ambos os casos, não ter havido controvérsia nem pronunciamento judicial a respeito. Exige-se, ademais, que o erro seja apurável pelo exame dos elementos já constantes dos autos, não se admitindo nova prova para demonstrá-lo" (in: STJ, AR n. 6.258/DF, Relator Ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 15/12/2021, DJe de 18/2/2022). Tem-se, portanto, que a aferição da ocorrência do erro de fato deve recair sobre os elementos insertos no processo originário haja vista a inviabilidade de sua demonstração por meio da produção de novas provas.
Conforme preleciona Fredie Didier "O CPC/2015, por sua vez, prevê o cabimento da rescisória quando o autor obtiver depois do trânsito, qualquer prova nova, aproximando-se da previsão contida no art. 621, III, do CPP. Não se restringe mais à prova documental, sendo cabível a ação rescisória em caso de qualquer prova nova. A novidade amplia demasiadamente as possibilidades de ação rescisória, merecendo, para evitar isso e com vistas a mais bem concretizar o princípio da segurança jurídica, interpretação restritiva e que impeça a desconstituição da coisa julgada com base em provas testemunhais ou laudos periciais apenas para que a parte possa ter nova oportunidade para produzir provas contrárias ao material do processo originário. É anticooperativo reabrir toda a discussão para que a parte, somente depois do trânsito em julgado, produza uma prova nova, constituída posteriormente para desfazer a decisão que se construiu num ambiente adequado e legítimo. É por isso que o termo prova nova deve ser entendido como prova anteriormente existente, mas somente acessível após o trânsito em julgado. Como será visto adiante, o termo prova nova não se refere ao momento da formação da prova. Apenas se considera como prova nova aquela que o autor não tenha tido condições de produzir no processo originário por motivos alheios à sua vontade e à sua disponibilidade, seja porque a desconhecia, seja por não lhe ser acessível durante o processo originário. E caberá ao autor da ação rescisória comprovar tal impossibilidade de produção anterior da prova." (DIDIER Jr, Fredie - Curso de Direito Processual Civil, vol.3; 13ª edição; Editora Jus Podium, 2016, p. 501 - grifei) O estatuto processual civil vigente considera como nova, portanto, aquela prova cuja existência era ignorada pela parte ao tempo da ação cuja rescisão se pretende. Ou seja, embora seja uma prova existente ao tempo da instrução da ação rescindenda, não pôde à parte fazer uso, sem sua culpa, por desconhecimento da existência da prova ou por outro fato impeditivo. Ademais, o teor do documento novo, conforme precedentes desta Terceira Seção, deve ser de tal ordem que, por si só, seja hábil a modificar o resultado da decisão rescindenda de modo garantir pronunciamento favorável à parte autora. Assim, apenas observadas as nuances e peculiaridades de cada caso concreto, será possível enquadrar a prova no conceito de nova para fins da possibilidade de rescisão prevista no art. 966, VII, do CPC. DO JUÍZO RESCINDENTE E RESCISÓRIO - CASO CONCRETO A controvérsia reside na existência de início de prova material suficiente ao reconhecimento do labor campesino da autora no período anterior ao parto da sua filha nascida em 27/10/2015. Assim, discute-se nos autos o preenchimento dos requisitos para a concessão de salário-maternidade à época do parto. O benefício do salário-maternidade tem base constitucional no artigo 201, inciso II, da Constituição da República, que prevê a "proteção à maternidade, especialmente à gestante", à qual é garantido o direito, previsto no artigo 7º, inciso XVIII, à "licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias". A Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), Lei n. 8.213, de 24/07/1991, disciplina o tema em seus artigos 71 a 73, e o Regulamento da Previdência Social (RPS), Decreto n. 3.048, de 06/05/1999, trata do assunto em seus artigos 93 a 103. O salário-maternidade consiste na prestação da Previdência Social que tem como fato gerador o parto, a adoção ou a guarda para fins de adoção. Recentemente, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 25, III e parágrafo único, da LBPS (STF. Plenário. ADI 2.110/DF e ADI 2.111/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 21/03/2024), estabelecendo, como regra, que não é mais devido o cumprimento de carência para a concessão do salário-maternidade. Entretanto, quanto às seguradas especiais, que não têm necessidade do recolhimento de contribuições, manteve-se vigente e aplicável o art. 39, § único, da LBPS, segundo o qual fica garantido o benefício do salário-maternidade à segurada especial que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao benefício. Nesse sentido: TF3 - ApCiv 5004743-16.2023.4.03.9999, Rel. Des. Federal Cristina Melo, 9ª Turma, intimação em 06/11/2024. Tal prazo para comprovação da atividade rural foi reduzido para 10 meses, nos termos do art. 93, § 2º, do Decreto 3.048/1999. A comprovação da atividade rural pode ser realizada mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal, conforme o § 3º do artigo 55 da LBPS, verbis: Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: [...] § 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei,s ó produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019) A interpretação desse dispositivo legal foi assentada pelo C. STJ no verbete da Súmula 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário" (STJ, Terceira Seção, j. 07/12/1995, DJ 18/12/1995). Portanto, é vedado o reconhecimento de tempo de trabalho rurícola mediante prova exclusivamente testemunhal, impondo-se que o conjunto probatório seja orientado pela harmonia de provas material e testemunhal idôneas. Ademais disso, a possibilidade de aplicação da eficácia prospectiva e retrospectiva dos documentos permite o reconhecimento de tempo de labor rural além do período consignado nos documentos apresentados para início de prova material, quando for corroborado por prova testemunhal. Esse entendimento foi consolidado e reiterado pelo Colendo STJ, ao cristalizar o Tema 554/STJ o qual estabeleceu diretrizes para observância da Súmula 149/STJ, cuja aplicação poderá ser abrandada quando a prova material for corroborada pela prova testemunhal idônea. Segundo a tese firmada no Tema 554/STJ: "Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal (...)') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal". (REsp 1.321.493, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012). Consoante esse mesmo juízo, foi admitido pelo C. STJ a possibilidade de a prova testemunhal conferir suporte ao período laborado anteriormente à data do primeiro documento apresentado, conforme consolidado no Tema 638/STJ: "Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório" (REsp 1.348.633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014). Sedimentou-se, portanto, a jurisprudência do C. STJ para admitir o reconhecimento de tempo rural anterior ao documento mais antigo, contanto que seja corroborado pela prova testemunhal. Esse é o teor do verbete da Súmula 577/STJ: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório" (Primeira Seção, j. 22/06/2016, DJe 27/06/2016). Nesse diapasão, a prova material do labor campesino não é exigida para todo o período de carência, porquanto a prova testemunhal pode ampliar a sua eficácia. Nesse sentido, com as devidas adaptações ao caso concreto, tem-se que: COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA NO PERÍODO DE CARÊNCIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AMPLIADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO PROCEDENTE. 1. É firme a orientação jurisprudencial desta Corte no sentido de que, para concessão de aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos, como na hipótese em exame. 2. Pedido julgado procedente para, cassando o julgado rescindendo, dar provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença. (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012) Pois bem. Nota-se que o acórdão rescindendo, já se debruçando sobre as provas produzidas (material e testemunhal), as quais abaixo elenca, entende pela ausência de início de prova material apta à concessão do benefício à autora (com destaque): "A data do parto foi em 27/10/2015 (certidão de nascimento ID58686608, pág. 2). Restou controverso, nos autos, que a parte autora, no período imediatamente anterior ao parto, tenha exercido atividade rural como diarista/segurada especial por período superior a 10 meses, nos termos dos artigos 25, inciso III, parágrafo único, e 26, inciso III, da Lei nº 8.213/91, c.c o artigo 93, §2º, do Decreto nº 3.048/99 (com redação dada pelo Decreto nº 5.545, de 2005). Para comprovar suas alegações, a parte autora apresentou os seguintes documentos: - cópia da certidão de nascimento de sua filha, nascida em 27/10/2015, na qual fora qualificada como lavradora (ID58686608, pág. 2); - cópia de sua carteira de trabalho (ID58686608, págs. 3/4), sem registros empregatícios; - sua ficha no Cadastro Nacional de Usuários do Sistema Único de Saúde, em que consta no item 8: "trabalhador temporário em área rural". Também foram colhidos testemunhos, em agravação digital audiovisual, com cópia em CD-ROM, de Aline Cristina Moreira, Edilaine Pedro dos Santos e Raquel Pedro Diniz, que declararam a conhecer há cerca de dez anos da data em que foram inquiridas. Emerge dos autos a precariedade do conjunto probatório que não se presta a comprovar o efetivo exercício pela parte autora da atividade rural pelo período de carência exigido. O fato é que os documentos juntados não são suficientes à comprovação da condição de trabalhadora rural da autora, não constituindo, dessa forma, início razoável de prova material, vez que, tanto a certidão de nascimento de seu filho, quanto as informações do CADSUS, nada comprovam quanto ao período pretérito, reproduzindo apenas informação fornecida pela própria autora. Ademais, estar a CTPS da autora sem anotações, não necessariamente representa que a mesma estava exercendo atividade agrícola sem registro no lapso necessário à concessão do benefício. Como se vê, tais testemunhos, juntamente com as cópias dos documentos apresentados, são insuficientes para demonstrar que a parte autora exercia atividade rural no período imediatamente anterior ao parto". Verifica-se, pois, que a decisão de segundo grau ora impugnada não desbordou de uma das soluções possíveis ao desate da lide. Cabe ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, avaliar a suficiência da prova produzida para desenvolver seu livre convencimento. A respeito, os artigos 370 e 371 do CPC dispõem que, verbis: Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. Ao avaliar a prova produzida, a decisão rescindenda expressamente consignou a insuficiência da prova material para um juízo positivo destinado ao reconhecimento do tempo rural indicado pela autora no período de 10 (dez) meses, ainda que descontínuo, que antecedeu o nascimento de sua filha. Destarte, a improcedência mantida no acórdão rescindendo na ação subjacente é reflexo dos elementos constantes dos autos, não sendo possível concluir, com a convicção que se requer, que a decisão seja desarrazoada ou despida de fundamento na análise da prova produzida. É de se ponderar que a ação rescisória não se presta à avaliação da aplicação do melhor direito, sequer destina-se à correção de possíveis injustiças ou à reavaliação do conteúdo probatório. A decisão rescindenda abordou o tema, debruçando-se sobre as provas colacionados aos autos, conferindo-lhes solução possível, razoável, não havendo que se falar em teratologia ou infringência à norma jurídica. Fosse assim, a ação rescisória carregaria em si nítido caráter recursal, o que se rechaça, conforme jurisprudência: EMENTA Direito Previdenciário. Ação Rescisória. Aposentadoria por Idade Rural. Violação à Norma Jurídica . Improcedência. I. Caso em ExameTrata-se de ação rescisória com fundamento no artigo 966, inciso V, do CPC, visando à desconstituição de acórdão que manteve a improcedência do pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, sob o argumento de que não restou comprovado o exercício da atividade rural pelo período exigido em lei. II. Questão em Discussão 2. A controvérsia consiste em saber se o acórdão rescindendo violou manifestamente norma jurídica ao negar a concessão do benefício previdenciário pleiteado pela autora, desconsiderando documentos apresentados como início de prova material e depoimentos testemunhais que corroborariam sua atividade rural. III. Razões de Decidir 3. Ausência de violação manifesta à norma jurídica - Para a rescisão com base no artigo 966, V, do CPC, a violação à norma jurídica deve ser evidente e frontal ao ordenamento jurídico, o que não se verifica no caso concreto. O acórdão rescindendo fundamentou-se na análise do conjunto probatório e aplicou entendimento consolidado do STJ. 4. Inadequação da via rescisória para rediscussão de provas - A jurisprudência do STJ e desta Corte reforça que a ação rescisória não se presta ao reexame de fatos e provas, mas sim à correção de decisão teratológica ou manifestamente ilegal. A decisão rescindenda não se mostra desarrazoada, uma vez que considerou insuficiente o início de prova material apresentado pela autora. IV. Dispositivo e Tese. 5. Dispositivo - Pedido julgado improcedente . Tese de julgamento: "1. A violação manifesta à norma jurídica prevista no artigo 966, inciso V, do CPC, exige afronta evidente e direta ao ordenamento jurídico, não sendo suficiente mera divergência interpretativa." "2. A ação rescisória não se presta à rediscussão do conjunto probatório ou à obtenção de nova valoração da prova já analisada pelo juízo originário ." Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, art. 966, V; Lei 8.213/91, arts. 11, VI e VII, inciso I, a; 26, III; 39, I; 143 . Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 149; STJ, REsp 1.352.721/SP (Tema 629); STJ, EREsp 1.171 .565/SP; AR 5004696-32.2024.4.03 .0000/TRF-3. Doutrina: Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil : volume V. São Paulo/JusPodivm, 2022, p . 422/423. (TRF-3 - AR: 50121231720234030000, Relator.: Desembargadora Federal CRISTINA NASCIMENTO DE MELO, Data de Julgamento: 06/05/2025, 3ª Seção, Data de Publicação: 09/05/2025) Destarte, afastada a violação à norma jurídica tal como suscitada na inicial. Da mesma forma, afasta-se o erro de fato invocado haja vista a ampla abordagem, no acórdão rescindendo, no tocante ao objeto da lide, às provas carreadas e à impossibilidade de concessão do benefício. Igualmente, refuta-se a alegada existência de prova nova. A uma, a certidão de nascimento da filha nascida em 2018 não era prova cuja existência a autora ignorava e da qual não pode fazer uso ou menção no trâmite da ação. Ademais disso, não se presta a comprovar, por si só, a condição de rural da autora no período que antecede o nascimento da filha em 2015 (nascimento este que deu ensejo ao pedido de concessão do salário maternidade na ação primeva). Outrossim, o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal em nome da autora, datado de 07/01/2022, em que consta o trabalho principal como trabalhadora temporária em área rural, além de ser prova produzida após o trânsito em julgado da ação subjacente, o que lhe retira a caracterização de nova, em nada contribui para modificar o desfecho da ação. Sob estes prismas, inviável a rescisão do julgado nos moldes como propostos. Por outro lado, o desate conferido à ação de base (improcedência) não levou em consideração o julgamento do Tema Repetitivo nº 629, apreciado no REsp 1.352.721/SP, DJe de 28/04/2016, oportunidade em que foi firmada a seguinte tese: "A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa" Confira-se, a propósito, a ementa do aludido julgado: "DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido." Assim, se o fundamento para improcedência da originária foi a ausência de início de prova material da atividade rurícola nos 10 (dez) meses que antecederam o parto que deu azo ao pedido do salário maternidade no caso concreto, a solução vai de encontro à tese firmada no âmbito da Corte da Cidadania eis que a ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo conduz à extinção sem julgamento de mérito da ação de base e não à sua improcedência. Nesse sentido, precedentes desta Terceira Seção: PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA MOVIDA COM FUNDAMENTO NO INCISO VIII, DO ART. 966, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ERRO DE FATO. DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO. PEDIDO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. TEMA 629/STJ. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA. ART. 966, V, DO CPC/2015. PROVA TESTEMUNHAL. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Em suma, a ausência de início de prova material constitui óbice ao julgamento do mérito da lide, por força do previsto no artigo 55, § 3°, da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, impondo a extinção do feito subjacente, de ofício, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, na forma do artigo 485, IV, do CPC, restando caracterizada, nesta hipótese, a possibilidade de rescisão por violação à norma jurídica, ao tempo do julgado, neste específico ponto. Destarte, cabível a rescisão do acórdão, com fundamento no art. 966, V, do CPC, para extinguir o feito subjacente sem resolução do mérito, nos termos do Art. 485, IV, do CPC, em razão da ausência de um dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Haja vista a ausência de controvérsia acerca da possibilidade de extinção nos termos propostos, deixo de condenar o réu, INSS, ao pagamento de custas e de honorários advocatícios posto que não resistiu à extinção do feito subjacente sem resolução de mérito. DispositivoDiante do exposto, afasto a preliminar arguida por se confundir com o mérito da demanda e, no mérito, julgo procedente o pedido inicial, de ofício, por fundamento diverso, para rescindir o julgado e extinguir o processo subjacente sem resolução de mérito, nos termos da fundamentação. É o voto. EMENTAEMENTADIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. SALÁRIO-MATERNIDADE DE TRABALHADORA RURAL. VIOLAÇÃO MANIFESTA À ORDEM JURÍDICA, ERRO DE FATO E PROVA NOVA AFASTADOS. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMA 629/STJ. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA RECONHECIDA DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SUBJACENTE SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. I. CASO EM EXAME
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
III. RAZÕES DE DECIDIR
IV. DISPOSITIVO E TESE
Tese de julgamento: "1. A ação rescisória não se presta à reavaliação do conjunto probatório nem à admissão de documentos não caracterizados como prova nova". "2. É possível reconhecer violação manifesta à norma jurídica prevista no art. 966, V, do CPC, quando o acórdão rescindendo julga improcedente ação previdenciária por ausência de início de prova material, contrariando a orientação firmada no Tema 629/STJ". Legislação relevante citada: CF/1988, art. 201, II; CPC/2015, arts. 966, V, VII e VIII; art. 485, IV; art. 320; Lei nº 8.213/1991, arts. 55, § 3º, 71 a 73; Decreto nº 3.048/1999, art. 93, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 629 (REsp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 28/04/2016); STJ, Súmula 149; STJ, Tema 554 (REsp 1.321.493/PR); STJ, Tema 638 (REsp 1.348.633/SP); STJ, Súmula 577; TRF3, AR 5013490-13.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Gilberto Rodrigues Jordan, j. 01/09/2023. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por unanimidade, decidiu afastar a preliminar arguida por se confundir com o mérito da demanda e, no mérito, julgar procedente o pedido inicial, de ofício, por fundamento diverso, para rescindir o julgado e extinguir o processo subjacente sem resolução de mérito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. MARCOS MOREIRA Desembargador Federal |
