O Juiz Federal Convocado Bruno Cezar da Cunha Teixeira (Relator):
Trata-se de ação objetivando o reconhecimento e averbação do tempo de atividade rural, cumulada com pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Irresignado com a r. sentença, ambas as partes interpuseram apelação.
A ré apela questionando o reconhecimento do labor rural no período estabelecido na sentença de primeiro grau. Contudo, não merecem prosperar suas alegações.
O artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/1991 estabelece que o tempo de labor rural anterior à vigência da referida lei será computado independentemente do recolhimento das contribuições correspondentes. Para o período posterior à entrada em vigor da lei, todavia, a consideração para fins de aposentadoria por tempo de contribuição exige a efetivação dos recolhimentos previdenciários.
A comprovação do tempo de serviço rural para fins previdenciários está disciplinada no § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/1991, que estabelece a obrigatoriedade de início de prova material, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal. O Superior Tribunal de Justiça consolidou esse entendimento na Súmula 149:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário."
O regime de economia familiar, conforme a legislação previdenciária, caracteriza-se pela atividade em que o trabalho dos membros da família é essencial para a própria subsistência e desenvolvimento socioeconômico do grupo, exercido em regime de mútua dependência e colaboração, sem utilização de empregados permanentes. A jurisprudência e a legislação estabelecem que tal regime pode ser descaracterizado quando a atividade rural gerar rendimentos que excedam a mera subsistência familiar, permitindo a aquisição de patrimônio, conforme disposto no artigo 11, VII, §§ 9º e 10º da Lei 8.213/1991.
Os documentos juntados aos autos cumprem os requisitos para comprovação de labor rural: certidão de casamento constando a profissão de lavrador do autor, Declaração de Trabalhador rural, fichas em nome do autor vinculadas a escola rural e certidão de nascimento dos filhos do autor (ID 254899955, f. 15/74).
A declaração escolar, histórico escolar ou ficha de matrícula constituem início de prova material para comprovação de atividade rural, especialmente quando proveniente de escola rural e contemporânea ao período a ser demonstrado.
Neste sentido:
AC 50018152120184047031 Rel. FLÁVIA DA SILVA XAVIER, Data de Julgamento: 25/10/2022, 10ª Turma PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. REQUISITOS PREENCHIDOS . MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art . 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região . 2. O histórico escolar de Escola Rural serve como prova de que a parte autora e sua família viviam na zona rural e lá exerciam suas atividades, sejam laborais ou estudantis. Além disso, o art. 54, VIII, da Instrução Normativa 77/2045, deixa claro que se considera início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, comprovantes de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou boletim escolar do trabalhador, ou dos filhos . 3. O art. 54, nos incisos XX e XXI, da Instrução Normativa 77/2045, deixa claro que se considera início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, a ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato de trabalhadores rurais, colônia ou associação de pescadores, produtores ou outras entidades congêneres, bem como contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais, à colônia. 4 . Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado.
Cabe enfatizar que, atualmente, prevalece o entendimento de que é possível computar o tempo de atividade rural remoto, anterior a 24/07/1991, para fins de apuração da carência necessária à aposentadoria por idade híbrida.
Nesse sentido, há tese firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo 1007):
"O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo".
No tocante à prova oral, conforme se verifica nas audiências de IDs 254899959 e 254899960, as testemunhas foram categóricas ao afirmar que conheciam o autor e que este laborou em atividade rural por longo período.
O recurso de apelação do autor, pleiteando a reforma da sentença para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do indevido indeferimento administrativo, merece prosperar.
Reconhecendo-se a procedência do pedido inicial, com a averbação do exercício de atividade rural no período de 1978 a 1986, somado ao período incontroverso de contribuição de 29 anos, 3 meses e 19 dias (ID 254899955, f. 38/39), verifica-se que o autor cumpriu os requisitos necessários para a aposentadoria por tempo de contribuição.
Rejeito a arguição de prescrição das diferenças pretendidas, por não ter transcorrido prazo superior a cinco anos (artigo 103, parágrafo único, da Lei Federal nº. 8.213/91) entre o requerimento administrativo (27/09/2019 - ID 254899955 - f. 40) e a propositura da presente demanda (09/05/2020 - ID 254899955 - f. 1/11).
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025
Saliente-se, para fins de prequestionamento, ser suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador, para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo a necessidade de expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado. Não vislumbro dos argumentos deduzidos no processo qualquer outro fundamento relevante capaz de, em tese, infirmar a conclusão adotada.
Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, majoro os honorários advocatícios em 1% (um por cento), sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os termos da Súmula nº 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da ré e dou provimento à apelação do autor para que seja concedida aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (27/09/2019).
É como voto.