O Juiz Federal Convocado Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator):
Trata-se de apelação interposta em ação objetivando o reconhecimento de tempo especial de trabalho para fins previdenciários. A r. sentença julgou improcedente os pedidos ao argumento da fragilidade do conjunto probatório em que o autor laborou na função de frentista e lavador de veículos.
Apelou o autor pugnando pelo reconhecimento da especialidade de todas as atividades exercidas nos postos de combustível e concessão de aposentadoria especial. Não houve contrarrazões.
Assiste razão ao apelante.
A documentação constante dos autos, incluindo CTPS, CNIS, Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs), prova testemunhal e pericial, comprova que o apelante laborou na função de frentista e lavador de veículos em diversos postos de combustível no período de 15/02/1977 a 21/12/2011, exposto a diversos fatores de risco, como ruído de 89 dB durante toda a jornada de trabalho e agentes químicos (soda cáustica), fazendo jus à aposentadoria especial.
Quanto ao agente nocivo ruído, sua comprovação demanda avaliação técnica dos níveis em relação aos limites de tolerância estabelecidos nos diversos períodos. O artigo 58, §1º, da Lei 8.213/1991 estabelece que a comprovação do tempo especial deve ser feita por meio de formulário, amparado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual pode se basear em qualquer metodologia científica. No caso concreto, o apelante anexou cópia de dois PPPs para comprovar os níveis de exposição ao ruído.
O Quadro Anexo do Decreto 53.831/1964, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Na vigência do Decreto 2.172/1997 e do Decreto 3.048/1999, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB. A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto 3.048/1999, Anexo IV, introduzida pelo Decreto 4.882/2003, o limite de tolerância do agente nocivo ruído foi reduzido para 85 dB.
Analisando os períodos em comparação com a legislação supracitada, deve ser reconhecida a especialidade dos períodos de 01/07/1997 a 18/11/2003, de 19/11/2003 a 01/04/2008 e de 01/09/2008 a 21/12/2011, nos quais se demonstra a exposição do segurado a níveis de ruído acima dos limites permitidos pela legislação, considerando que durante toda sua jornada de trabalho esteve exposto a níveis de 89 dB.
No que tange aos agentes químicos, embora o Anexo IV do Regulamento da Previdência Social expressamente disponha que somente será considerada especial a atividade com exposição a agentes nocivos acima do limite de tolerância, há inúmeras atividades em que a exposição será considerada especial, independentemente de limitação de tolerância, o que deverá ser aferido caso a caso.
A exposição aos agentes cancerígenos, previstos no Anexo IV do Decreto 3.048/1999, prescinde de análise qualitativa ou quantitativa para configurar condição especial de trabalho, vez que a substância integra o rol de agentes cancerígenos, cujo risco potencial de agressão à saúde impõe o reconhecimento da insalubridade. Nesse sentido:
ApCiv 5000745-28.2019.4.03.6136, Rel. Des. Fed. LEILA PAIVA MORRISON, DJe 28/12/2022.
No caso em tela, o apelante esteve exposto à soda cáustica por todo o período laborado como lavador e lubrificador de veículos. Embora referida substância não esteja explicitamente listada no Anexo IV do Decreto 3.048/1999, encontra-se no Anexo 13 da NR-15, que se refere à avaliação qualitativa de agentes químicos nocivos, garantindo o direito à aposentadoria especial. Cabe, portanto, o reconhecimento da especialidade de todo o período em que esteve exposto a este agente nocivo: 01/05/1981 a 24/04/1982, 01/11/1982 a 17/11/1983, 01/08/1984 a 12/04/1985, 01/07/1985 a 05/01/1987, 02/03/1987 a 01/04/1989, 01/03/1994 a 01/03/1995 e 01/09/2008 a 21/12/2011.
O apelante também laborou na função de frentista nos seguintes períodos: 15/02/1977 a 31/12/1979, 01/05/1980 a 17/04/1981 e 01/07/1997 a 01/04/2008, não sendo reconhecido como tempo de atividade especial pelo Juízo de origem.
Relativamente ao trabalho exercido na função de frentista, é possível considerar especial referida atividade em razão da periculosidade do labor pelo manuseio de produtos inflamáveis, sujeitos à explosão, risco não atenuado pelo uso de EPI. A comercialização de combustíveis consta do Anexo V ao Decreto 3.048/1999 como atividade de risco sob o código 4731-8/00, com alíquota 3 (máxima). O Anexo 2 da NR-16 do Decreto 3.214/1978 estabelece que as operações em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos são perigosas. Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal: ApCiv 5005806-57.2019.4.03.6106, Rel. Des. Fed. MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, DJe 27/06/2023.
Resta comprovado pela documentação acostada aos autos que o apelante esteve sujeito à ocorrência de acidentes e explosões decorrentes da exposição a substâncias inflamáveis, sendo possível o reconhecimento da especialidade no presente caso. Assim, é possível considerar especial a atividade do apelante em razão da periculosidade do labor pelo manuseio de produtos inflamáveis, sujeitos à explosão, risco não atenuado pelo uso de EPI através do enquadramento por categoria profissional. Nesse sentido, é o entendimento deste Tribunal: AC 0010379-02.2013.4.03.6183, Rel. Des. Fed. PAULO DOMINGUES, DJe 25/02/2019.
Constatada a especialidade dos períodos laborados, cabe a análise do benefício previdenciário pleiteado.
A aposentadoria especial foi originalmente prevista no artigo 31 da Lei 3.807/1960, sendo concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 anos de idade e 15 anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos. O artigo 162 do mesmo diploma previu o reconhecimento de atividade especial prestada anteriormente à sua edição, quando mais benéfico ao segurado.
A Lei 5.890/1973 disciplinou a matéria em seu artigo 9º, alterando apenas o período de carência de 15 para 5 anos de contribuição. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a aposentadoria especial passou a ser disciplinada no artigo 57 da Lei 8.213/1991, sendo devida ao segurado que trabalhasse durante 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais prejudiciais à saúde ou integridade física, assegurada a conversão em tempo de contribuição comum.
No caso em análise, verifica-se o preenchimento dos requisitos para concessão do benefício de aposentadoria especial antes da entrada em vigor da EC 103/2019, sendo necessária apenas comprovação do tempo de atividade especial e da carência mínima de 180 meses.
Devem ser reconhecidas as condições especiais de trabalho realizadas nos postos de combustível pelo apelante nos períodos de 15/02/1977 a 31/12/1979, 01/05/1980 a 17/04/1981, 01/05/1981 a 24/04/1982, 01/11/1982 a 17/11/1983, 01/08/1984 a 12/04/1985, 01/07/1985 a 05/01/1987, 02/03/1987 a 01/04/1989, 01/03/1994 a 01/03/1995, 01/07/1997 a 18/11/2003, 19/11/2003 a 01/04/2008 e 01/09/2008 a 21/12/2011.
Computando-se os períodos de atividade especial reconhecidos nos autos, verifica-se que desde a DER em 21/12/2011 o apelante tem direito à aposentadoria especial com fundamento no artigo 57 da Lei 8.213/1991, pois cumpriu o requisito de tempo especial, com 25 anos, 2 meses e 24 dias para o mínimo de 25 anos e cumpriu a carência com 309 meses para o mínimo de 180 meses.
Cabe a reforma da sentença para: (1) reconhecimento da especialidade dos períodos supracitados; (2) concessão do benefício de aposentadoria especial devido desde a DER em 21/12/2011; e (3) inversão da condenação em relação à sucumbência, cabendo à apelada arcar com os honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da condenação excluídas as prestações vencidas após a prolação desta decisão, nos termos da Súmula 111 e do Tema 1.105, ambos do STJ.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Considerado o trabalho adicional realizado pelo advogado, em decorrência da apelação, os honorários advocatícios a cargo do INSS, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1%, nos termos do artigo 85, §11, do CPC, observados os termos da Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1.105, ambos do STJ.
Ante o exposto, dou provimento à apelação para reforma da sentença nos termos supracitados.
É como voto.