O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (Relator):
Cinge-se a controvérsia nos autos quanto a possibilidade de converter tempo em especial, trabalhado na iniciativa privada, em comum para fins de contagem recíproca junto ao Regime de Previdência dos Servidores Públicos.
Inicialmente, não prospera a alegação da União acerca da ausência de interesse de agir do autor, porquanto o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1.014.286, julgado sob a sistemática da repercussão geral, já teve os embargos de declaração devidamente apreciados, com trânsito em julgado em 04/08/2021.
No tocante à alegação de prescrição do fundo de direito, não assiste razão à União. Trata-se de relação jurídica de trato sucessivo, hipótese em que não se opera a prescrição do fundo de direito, mas tão somente das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, conforme previsto na Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça.
No caso concreto, a presente ação foi ajuizada em 21/09/2020, razão pela qual se encontram prescritas apenas as parcelas vencidas anteriormente a 21/09/2015, conforme pontuado pelo juízo sentenciante.
Passo a análise do mérito recursal da União.
Em primeiro plano, impõe-se a delimitação do arcabouço normativo e jurisprudencial aplicável à matéria em exame.
No que se refere à caracterização de atividade especial, deve-se observar a legislação vigente à época em que efetivamente prestado o labor, em consonância com o principío tempus regit actum, entendimento este que encontra respaldo na jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. MÉDICO. VÍNCULO DE EMPREGO E AUTÔNOMO. COMPROVAÇÃO NA FORMA DA LEGISLAÇÃO EM VIGOR À ÉPOCA DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. ENQUADRAMENTO DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS. PRESUNÇÃO LEGAL DE EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE ATÉ O ADVENTO DA LEI 9.032/95. INCIDENTE PROVIDO EM PARTE.
1. Ação previdenciária na qual o requerente postula o reconhecimento da especialidade das atividades desempenhadas na função de médico (empregado e autônomo), com a consequente conversão do tempo de serviço especial em comum a fim de obter Certidão de Tempo de Contribuição para averbar no órgão público a que está atualmente vinculado.
2. A controvérsia cinge-se à exigência, ou não, de comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos pelo médico autônomo enquadrado no item 2.1.3 dos anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, no período de 1º/3/73 a 30/11/97.
3. Em observância ao princípio tempus regit actum, se o trabalhador laborou em condições especiais quando a lei em vigor o permitia, faz jus ao cômputo do tempo de serviço de forma mais vantajosa.
4. O acórdão da TNU está em dissonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que reconhece o direito ao cômputo do tempo de serviço especial exercido antes da Lei 9.032/95, com base na presunção legal de exposição aos agentes nocivos à saúde pelo mero enquadramento das categorias profissionais previstas nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, como no caso do médico.
5. A partir da Lei 9.032/95, o reconhecimento do direito à conversão do tempo de serviço especial se dá mediante a demonstração da exposição aos agentes prejudiciais à saúde por meio de formulários estabelecidos pela autarquia até o advento do Decreto 2.172/97, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais do trabalho.
6. Incidente de uniformização provido em parte.
(Pet n. 9.194/PR, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/5/2014, DJe de 3/6/2014).
Por outro lado, importa consignar que não existe vedação à conversão de tempo de serviço exercido em condições especiais para utilização em regime própria dos servidores púbicos, uma vez que se trata de direito constitucional estabelecido no aritgo 201, §9º, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
Na mesma linha, a Lei nº 8.213/91, traz a norma a respeito da contagem recíproca, determinando que os diferentes sistemas de previdência social se compensação financeiramente.
Nessa perspectiva, revela-se incontroverso o direito do servidor público à contagem recíproca, consistente na possibilidade de cômputo do tempo de contribuição vertido tanto ao Regime Geral de Previdência Social quanto ao Regime Próprio de Previdência Social.
No que concerne à aposentadoria, o art. 40, §4º, da Constituição da República estabelece, como regra geral, a vedação à adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão do benefício aos servidores públicos, ressalvadas as hipóteses em que estes desempenhem atividades em condições especiais que acarretem prejuízo à saúde ou à integridade física, entre outras situações constitucionalmente previstas:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(...)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I portadores de deficiência;
II que exerçam atividades de risco;
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Entretanto, a ausência de edição da lei complementar pelo Poder Legislativo inviabilizou, por longo período, a regulamentação da previsão constitucional atinente à aposentadoria especial dos servidores públicos. Diante da celeuma instaurada sobre o tema, o Egrégio Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 33, cujo teor estabelece:
Súmula Vinculante 33 - Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
Com isso, aos servidores que prestam serviços em condições insalubres, enquanto não editada a lei complementar específica, tornou-se viável a aplicação das regras do RGPS sobre aposentadoria especial.
No que se refere à possibilidade de conversão do tempo de serviço especial em comum após a edição da Lei nº 8.112/90, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 942 no julgamento do RE 1.014.286, sob a sistemática da repercussão geral, firmou a seguinte tese:
Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República.
Diante desse contexto, em vista do entendimento do E.STF no Tema 942, para a concessão de aposentadoria ao servidor público federal em regime próprio, tanto o tempo especial trabalhado sob a égide da CLT quanto da Lei nº 8.112/1990 podem ser convertidos em tempo comum, limitado até a 13/11/2019 (data da publicação da Emenda nº 103/2019). No mais, por força da Súmula Vinculante 33, do C.STF, aplicam-se, no que couber, as regras do regime geral da previdência (Lei nº 8.213/1991) para a concessão de aposentadoria especial ao servidor federal, até a edição de lei complementar específica.
Nessa mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça, que anteriormente não admitia a conversão, em tempo comum, do período laborado sob condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física do servidor público, readequou sua jurisprudência, passando a reconhecer tal possibilidade, conforme se verifica:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DO RGPS. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA. APOSENTADORIA EM REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. JUÍZO DE ADEQUAÇÃO. POSSIBILIDADE. TEMA N. 942/STF.
I - A impetrante pretende a conversão de tempo especial em comum, com ulterior emissão de certidão por tempo de contribuição, para poder utilizar o tempo de serviço exercido no Regime Geral da Previdência Social - RGPS, na sua aposentadoria no Regime Próprio de Previdência Social - RPPS.
II - No EREsp n. 524.267/PB, rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 24.3.2014, foi sedimentado o entendimento de que, objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, em razão da expressa vedação legal (arts. 4º, I, da Lei n. 6.226/1975 e 96, I, da Lei n. 8.213/1991). Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 1.014.286, firmou a tese no sentido de que, "até a edição da EC 103/2019, não havia impedimento à aplicação, aos servidores públicos, das regras do RGPS para a conversão do período de trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física em tempo de atividade comum".
III - Dessa forma, forçosa a reforma do acórdão para realinhar o entendimento desta Corte Superior e, nos termos do art. 1.040 do CPC/2015, fazer a devida adequação ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema n. 942.
V - Agravo regimental provido, em juízo de retratação, nos termos dos arts. 1.030, II e 1.040, II, do CPC/2015, para negar provimento ao recurso especial do INSS.
(REsp 1592380/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2022, DJe 10/02/2022)
No caso dos autos, o autor impetrou o Mandado de Segurança nº 0012581-26.2012.4.03.6105, que tramitou perante a 8ª Vara Federal de Campinas, em que teve o reconhecimento da especialidade do período laboral de 20/08/1981 a 25/03/1991, na empresa Gerdau Açominas S/A, e a respectiva conversão em tempo comum, pelo fator 1,40, o que totalizou 16 anos, 07 meses e 20 dias (ID 266289117)
De posse da certidão de tempo de contribuição expedida pelo INSS, o autor protocolizou requerimento junto ao Núcleo de Administração Funcional da Justiça Federal, visando à averbação do período laborado na iniciativa privada, reconhecido como tempo especial. O pleito, contudo, foi objeto de decisão administrativa que indeferiu o pedido (ID 266289118).
Dessa forma, não há que se falar em vedação à conversão do tempo de serviço prestado em condições especiais para fins de concessão de benefícios no Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos, até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019. Ademais, restou devidamente demonstrado nos autos que o autor exerceu atividades em condições especiais junto à empresa Gerdau Açominas S/A, circunstância expressamente reconhecida na certidão de tempo de contribuição expedida pelo próprio INSS.
Nesse sentido já decidiu esta e. Segunda Turma:
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. REGIME CELETISTA E ESTATUTÁRIO. CONTAGEM RECÍPROCA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DO INSS. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA. RECURSO DA UNIÃO E DO INSS DESPROVIDOS. RECURSO ADESIVO DO AUTOR PROVIDO.
I. CASO EM EXAMEAção ordinária ajuizada por servidor público federal visando à averbação de tempo de serviço especial prestado em regime celetista e estatutário para fins de concessão de aposentadoria, com integralidade e paridade dos vencimentos e reflexos financeiros.Sentença de parcial procedência reconhecendo o caráter especial das atividades exercidas pelo autor no período de 01/08/1980 a 30/06/1982 e de 01/01/1984 a 11/12/1990, determinando a conversão em tempo comum e a expedição da Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) pelo INSS, além da averbação pela União.Recursos da União e do INSS alegando ilegitimidade passiva, ausência de interesse processual por falta de requerimento administrativo, prescrição do fundo de direito e impossibilidade de conversão do tempo especial para o regime estatutário. Recurso adesivo do autor pleiteando o reconhecimento do tempo especial também após a instituição do Regime Jurídico Único (RJU).
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há três questões em discussão:
(i) definir a legitimidade passiva da União e do INSS na averbação do tempo de serviço especial;
(ii) estabelecer se há prescrição do fundo de direito no caso;
(iii) determinar se é possível a conversão do tempo especial em comum para fins de aposentadoria no regime próprio dos servidores públicos (RPPS), especialmente após a instituição do RJU.
III. RAZÕES DE DECIDIRA União e o INSS possuem legitimidade passiva, pois cabe ao INSS a expedição da Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) para o período celetista e à União a averbação desse tempo no RPPS. A jurisprudência do STJ reconhece o litisconsórcio passivo necessário entre ambos.A ausência de requerimento administrativo não afasta o interesse de agir, pois se trata de questão de direito reiteradamente negada pela Administração, sendo desnecessário exaurir a via administrativa.Não há prescrição do fundo de direito, pois a parte autora ainda não estava aposentada no momento do ajuizamento da ação. A prescrição quinquenal aplica-se apenas à revisão de aposentadorias já concedidas, conforme entendimento pacífico do STJ.A conversão de tempo especial em comum para contagem recíproca no RPPS é constitucionalmente assegurada pelo art. 201, § 9º, da CF/1988. A jurisprudência do STF reconhece a possibilidade da conversão para servidores públicos até a edição da EC 103/2019, conforme a Súmula Vinculante nº 33 e o Tema 942 da Repercussão Geral.A prova técnica nos autos comprova a exposição habitual e permanente do autor a agentes nocivos, justificando o reconhecimento do tempo especial até a propositura da ação e a aplicação do fator de conversão 1,4.
IV. DISPOSITIVO E TESERecurso da União e do INSS desprovidos. Recurso adesivo do autor provido.
Tese de julgamento:O INSS e a União possuem legitimidade passiva para figurar na demanda em litisconsórcio necessário quando há pedido de averbação de tempo especial para contagem recíproca.A ausência de requerimento administrativo não impede o reconhecimento do interesse de agir quando há posicionamento reiterado da Administração contrariamente à pretensão do segurado.Não há prescrição do fundo de direito.É possível a conversão de tempo especial em comum para contagem recíproca no RPPS até a edição da EC 103/2019, conforme normas do RGPS.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 40, § 4º, III, e 201, § 9º; Decreto nº 53.831/64, art. 2º, Anexo; Decreto nº 83.080/79, art. 2º, Anexo; Lei nº 8.112/90; Lei nº 8.213/91; CPC/2015, arts. 321 e 327; Decreto nº 20.910/32, art. 1º.
Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula Vinculante nº 33; STF, RE 1.014.286 (Tema 942), Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 31/08/2020; STJ, AgRg no REsp 1166037/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 05/06/2014; STJ, AgRg no REsp 1060617/MG, Rel. Min. Haroldo Rodrigues, j. 02/08/2011; STJ, AgRg no AREsp 665.465/MG, Rel. Min. Humberto Martins, j. 16/04/2015.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0004348-27.2004.4.03.6103, Rel. Desembargadora Federal AUDREY GASPARINI, julgado em 19/05/2025, DJEN DATA: 26/05/2025)
E M E N T A
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM DE TEMPO ESPECIAL. REQUISITOS. CONVERSÃO. CRITÉRIOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
- A redação original do art. 57, §3º, da Lei nº 8.213/1991, admitia tanto a conversão de tempo comum em especial, quando a conversão de tempo especial em comum (segundo critérios de equivalência estabelecidos em regramento federal), mas a Lei nº 9.032/1995 deu nova redação a esse preceito, de tal modo que a inclusão do §5º nesse art. 57 acolheu apenas a conversão de tempo especial em comum. Esses regramentos do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 eram aplicáveis aos servidores públicos em razão da Súmula Vinculante 33, mas agora, por força do art. 10, §3º, e do art. 25, §2º, ambos da Emenda nº 103/2019, restam vedadas as conversões de tempo especial em comum para benefícios concedidos por regimes próprios de servidores e pelo regime geral do INSS.
- À luz da segurança jurídica e em vista do entendimento do E.STF no Tema 942, para a concessão de aposentadoria ao servidor público federal em regime próprio, tanto o tempo especial trabalhado sob a égide da CLT quanto da Lei nº 8.112/1990 podem ser convertidos em tempo comum, limitado até a 13/11/2019 (data da publicação da Emenda nº 103/2019).
- A legislação aplicável em matéria de contagem de tempo de serviço especial é aquela em vigor no período em que a atividade foi efetivamente exercida. Até a edição da Lei nº 9.032/1995 bastava que o segurado pertencesse a categoria profissional que caracterizasse a denominada atividade especial; sua regulamentação, por sua vez, ocorreu com a edição do Decreto nº 2.172/1997, ou seja, somente a partir de 06/03/1997 é exigível a apresentação de laudo técnico que ateste as condições de trabalho com exposição a agentes nocivos.
- Constando a atividade profissional listada nos anexos dos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979, prescinde-se de laudo técnico no período anterior à Lei nº 9.528/97; não estando listada, não se impede o reconhecimento da insalubridade ou periculosidade se esta restar comprovada no caso concreto. Precedentes.
- No caso dos autos, constam, referente ao período anterior a 19/01/1993, apenas cópias da CTPS do autor e de seu contrato de trabalho, que somente mencionam a atividade de "engenheiro". Ainda que os laudos juntados, produzidos em 2010 e 2017, atestem a exposição a agentes perigosos, e em um deles conste a especialidade "Engenheiro Eletricista Eletrônico", a distância temporal entre eles não permite estender suas conclusões para o período anterior à Lei nº 9.528/97 que não tenha comprovação do efetivo exercício da atividade perigosa.
- A Resolução CONFEA nº 218/1973 equipara as especialidades de engenharia eletrônica e elétrica em seu art. 9º, mas tal equiparação não é suficiente para indicar a presunção de exposição a fatores de risco que enseje a contagem de tempo especial para aposentadoria. Essa resolução foi editada para fins de fiscalização do exercício profissional pelo Conselho e em seu art. 9º descreve atividades comuns às especialidades em comento, mas sequer menciona graus de exposição a agentes perigosos - mesmo porque não é seu objetivo.
- O pedido inicial não limitou o requerimento a 2010, mas sim referiu-se a todo período trabalhado sob a regência da Lei nº 8.112/90. Havendo documento que comprova a exposição a agentes perigosos nos períodos de 20/01/1993 a 05/02/2004; 06/02/2004 a 29/08/2004; 24/12/2005 a 05/03/2015 e de 09/11/2015 a 06/07/2017, deve se reconhecer o direito à conversão em tempo comum, com acréscimo de 40% na contagem, dos períodos de atividade especial.
- Apelação parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0009760-55.2012.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 23/11/2023, DJEN DATA: 28/11/2023)
Logo, a sentença recorrida não comporta reforma, devendo ser integralmente mantida em todos os seus termos.
Por seu turno, defende o autor que não seria cabível a fixação dos honorários sobre o valor da causa, mas sim sobre o valor da condenação, em conformidade com a literalidade do artigo 85, §2º do Código de Processo Civil.
Quanto a fixação dos honorários advocatícios assim dispõe o artigo 85 do Código de Processo Civil:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Da leitura da norma, depreende-se que os honorários advocatícios devem ser arbitrados em percentual incidente sobre o valor da condenação ou sobre o proveito econômico obtido pela parte vencedora e, somente na hipótese de impossibilidade de sua mensuração, poderão incidir sobre o valor atualizado da causa.
No caso em apreço, a União foi condenada ao pagamento de honorários de sucumbência, arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Todavia, da análise dos autos, verifica-se ser plenamente possível a mensuração do valor da condenação, correspondente ao montante devido a título de abono de permanência, no importe de R$ 107.544,11 (fls.2- ID 266289126)
Nesse sentido:
E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE . DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL PRESUMIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS . PARÂMETROS. - A parte-autora sofreu indevido desconto em sua prestação previdenciária por falha atribuída à instituição financeira ré, o que tem o condão de configurar dano moral presumido - A indenização financeira por dano moral deve traduzir montante que sirva para a reparação da lesão (considerada a intensidade para o ofendido e a eventual caracterização de dolo ou grau da culpa do responsável) e também ônus ao responsável para submetê-lo aos deveres fundamentais do Estado de Direito, incluindo o desestímulo de condutas lesivas ao consumidor, devendo ser ponderada para não ensejar enriquecimento sem causa do lesado, mas também para não ser insignificante ou excessiva para o infrator. Esse dúplice escopo deve ser aferido por comedida avaliação judicial à luz do caso concreto, dialogando ainda com diversas outras matérias que reclamam indenização por dano moral, denotando coerência interdisciplinar na apreciação do magistrado - Considerando as circunstâncias do caso concreto, a partir dos parâmetros de arbitramento adotados pela jurisprudência desta E. Segunda Turma em casos análogos, tem-se que o quantum fixado deve ser reduzido para R$ 10 .000,00. Esse montante deverá ser acrescido, nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, de juros moratórios contados do evento danoso por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula 54, do E. STJ) - No que concerne aos honorários advocatícios, verifica-se que assiste parcial razão à parte autora. De fato, conquanto o Código de Processo Civil vigente determine a indicação do valor pretendido a título de danos morais (art . 292, V), a súmula 396 do STJ (Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca) não foi cancelada, razão pela qual, por ora, em prestígio ao entendimento já fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, de se afastar a condenação da parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor da CEF. Já no que diz respeito aos honorários advocatícios fixados em favor do INSS, a base de cálculo deve corresponder, igualmente, ao valor da condenação, e não ao valor da causa, haja vista que referidos parâmetros constituem critérios sucessivos. Por fim, quanto ao montante fixado em favor da parte autora (10% sobre o valor da condenação), verifica-se que a referida verba já foi fixada com base nos parâmetros legais, razão pela qual inexistem motivos para sua alteração - Recursos providos em parte.
(TRF-3 - ApCiv: 50045318520194036102 SP, Relator.: JOSE CARLOS FRANCISCO, Data de Julgamento: 21/09/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 27/09/2023)
E M E N T A EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA CONDENAÇÃO. VALOR DA CAUSA . EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. I - "Consoante estabelecido no parágrafo segundo do artigo 85 do CPC, os honorários serão fixados em percentual sobre valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, caso não seja possível mensurá-lo, só então sobre o valor atualizado da causa. II - Uma vez que no presente caso é possível mensurar o valor da condenação, qual seja de R$ 10.000,00, não há que se considerar como base de cálculo o valor atualizado da causa . III - Embargos de declaração acolhidos.
(TRF-3 - ApCiv: 50299530520184036100 SP, Relator.: Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, Data de Julgamento: 11/11/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 16/11/2021).
Dessa forma, impõe-se a adequação dos parâmetros de fixação da verba honorária, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Diante do insucesso do recurso interposto pela União é de ser aplicada a regra da sucumbência recursal estabelecida no art. 85, §11º do CPC, pelo que majoro 1% os honorários advocatícios fixados na r. sentença, totalizando 11% (onze por cento), acréscimo que se mostra adequado aos critérios legais estabelecidos no §2º, do art. 85 do CPC.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da União e dou provimento ao recuso da parte autora.
É o voto.