O Juiz Federal Convocado Bruno Cezar da Cunha Teixeira (Relator):
A Lei 8.213/1991, estabelece no § 1º do artigo 48, os requisitos para a aposentadoria rural. Nessa modalidade, podem se aposentar a mulher, aos 55 (cinquenta e cinco) anos, e o homem, aos 60 (sessenta) anos, respeitado o período de carência.
A autora nasceu em 06/09/1964, cumprindo o requisito da idade mínima para aposentadoria rural no ano de 2019.
Considerando o ano do cumprimento do requisito etário, exige-se prova do exercício de atividade rural por 180 (cento e oitenta) meses para cumprimento do período de carência.
A autora sustenta ter exercido atividade rural desde muito jovem para auxiliar o pai, trabalhando durante toda a vida em diversas propriedades rurais, arrendamentos, sítios, fazendas e empresas de plantio e colheita de cana, como diarista.
Para comprovar o exercício da atividade rural, a autora apresentou os seguintes documentos:
1 - Certidão de nascimento indicando domicílio na zona rural, em Barra de São Francisco/ES e a profissão dos pais como lavradores (ID 271128890, f. 10-12);
2 - Notas de produtor e de compras de insumos rurais, em nome da autora e do marido, emitidas em 2019, 2020, 2021 (ID 271128890, f. 14-19, 21-24, 26-28, 30-37; ID 271128891, f. 1, 3-18, 20-28, 30-34; ID 271128892, f. 1-6, 12-20, 24-35); e
3 - Recibo de consumo de água em poço comunitário (ID 271128890, f. 29; ID 271128892, f. 21-23).
Os documentos de familiares são aptos a constituir início de prova material, porém, esse início de prova material demanda prova testemunhal idônea e robusta apta a ampliar sua eficácia probatória, conforme o entendimento do C. STJ:
AgInt no AREsp 1.939.810/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 11/4/2022: A jurisprudência deste Superior Tribunal admite como início de prova material, para fins de comprovação de atividade rural, certidões de casamento e nascimento dos filhos, nas quais conste a qualificação como lavrador e, ainda, contrato de parceria agrícola em nome do segurado, desde que o exercício da atividade rural seja corroborado por idônea e robusta prova testemunhal.
TRF-3, 7ª Turma, ApCiv. 5140577-93.2020.4.03.9999, Dje 01/07/2020, Rel. Des. Fed. INÊS VIRGÍNIA: "(...) consoante entendimento desta Eg. Sétima Turma, admite-se a extensão da qualificação de lavrador em documento de terceiro - familiar próximo - quando se tratar de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar".
As testemunhas declararam que conhecem a autora há 15 (quinze) anos e que ela e o marido plantam mandioca, milho e criam porcos e galinhas na propriedade dos dois, supostamente para subsistência. Antes disso, afirmaram que ela trabalhava como diarista em propriedades da região. Ambas negaram que a autora requerente tenha trabalhado na cidade.
Porém, no CNIS da autora (ID 271128893, f. 39-40 e ID 271128894 - f. 26), há, sim, registros de vínculos urbanos por período superior a 120 (cento e vinte) dias ao ano, limite admitido legal e jurisprudencialmente para preservar a condição de rurícola do trabalhador. Conforme o CNIS, a apelada trabalhou a) de 01/03/1993 a 28/02/1996, na Secretaria de Estado da Educação e do Esporte; b) de 01/04/1996 a 31/12/1996, para a Associação de Diretores de Escolas Pública; c) há, ainda, recolhimentos como empregada doméstica de 0102/2000 a 31/07/2000, de 01/09/2000 a 31/10/2004 e de 01/12/2004 a 30/11/2005.
É certo que o mandato de vereador no município em que o trabalhador desenvolve sua atividade rural, pela própria natureza da vereança, ou mesmo a atividade remunerada, sem dedicação exclusiva ou regime integral de trabalho, derivada de mandato eletivo, quando cumprida em cooperativa, não descaracteriza a condição de segurado especial (art. 11, § 9º, V, 'a' e 'b' da Lei n. 8.213/91). Não é este, porém, o caso dos autos.
Para mais, o marido da autora, Sr. Luiz Carlos Coelho, por quem o início de prova material se vindica seja ampliado para a autora, por sua vez, possui vários vínculos de natureza urbana pelo menos nos ramos de i) construção e engenharia, e ii) hotelaria, conforme o extrato do CNIS (ID 271128894 - f. 24-25), e somenos desde 17/08/2012 recebe auxílio-acidente previdenciário (espécie 36). Ou seja, ambos exerceram decerto atividades urbanas durante boa parte da vida laboral, independentemente de residirem em área rural e nela explorarem atividades econômicas complementares.
A qualidade de segurado especial se ressente não só de que alguma atividade da lida campesina seja realizada, ainda que em exploração econômica equivalente a de um pequeno empresário do campo, mas que, como regime de economia familiar, a atividade ocorra em condições em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, § 1º da Lei n. 8.213/91).
Assim, está descaracterizada a condição de segurada especial, conforme o entendimento do C. STJ:
REsp n. 1.375.300/CE, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 26/2/2019, DJe de 1/3/2019: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE TRABALHO RURAL E URBANO NO PERÍODO DE CARÊNCIA. CONDIÇÃO DE RURÍCOLA, EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR, NÃO COMPROVADA.
1. A teor do art. 11, § 9º, III, da Lei n. 8.213/1991, "o membro do grupo familiar que possui outra fonte de rendimento" não se enquadra na condição de rurícola, salvo na hipótese de o exercício da atividade urbana ocorrer apenas no "período de entressafra ou do defeso, não superior a cento e vinte dias, corridos ou intercalados, no ano civil".
2. Na espécie, o Tribunal de origem deixou consignado no acórdão recorrido que o autor trabalhou como vigia da prefeitura por período superior ao legalmente previsto, sendo, portanto, incontroverso o vínculo trabalhista urbano da parte recorrida durante o tempo da carência.
3. Entretanto, estão abarcados no conceito de segurado especial, o trabalhador que se dedica, em caráter exclusivo, ao labor no campo, admitindo-se vínculos urbanos somente nos estritos termos do inciso III do § 9º do art. 11 da Lei n. 8.213/1991.
4. Recurso especial do INSS provido, para restabelecer a sentença de primeiro grau.
Com a reforma da sentença e a improcedência do pedido, inverto o ônus sucumbencial, condenando a autora ao ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos artigos 11, §2º, e 12, ambos da Lei 1.060/1950, reproduzidos pelo §3º do artigo 98 do CPC.
Ante o exposto, dou provimento à apelação.
É o voto.