O Juiz Federal Convocado Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator):
Preliminarmente, rejeito a alegação de prescrição das diferenças pretendidas, por não ter transcorrido prazo superior a cinco anos (artigo 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991) entre o requerimento administrativo (27/01/2021 - ID 273501910, f. 40-41) e a propositura da presente demanda (29/07/2021 - ID 273501910, f. 1-4).
Quanto à qualidade de segurado rural e à pensão por morte, dispõe a Lei n. 8.213/1991 na data do óbito:
" "Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes."
[...]
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
II - os pais;
III - o irmão, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
IV - a pessoa designada, menor de 21 (vinte e um) anos ou maior de 60(sessenta) anos ou inválida. (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) (Vide ADIN 4878) (Vide ADIN 5083)
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada
[...]
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família, salário-maternidade, auxílio-acidente e pecúlios;
II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;
III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta lei;
IV - serviço social;
V - reabilitação profissional.
[...]
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
Art. 76. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação.
§ 1º O cônjuge ausente não exclui do direito à pensão por morte o companheiro ou a companheira, que somente fará jus ao benefício a partir da data de sua habilitação e mediante prova de dependência econômica.
§ 2º O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes referidos no inciso I do art. 16 desta lei.
Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista:
I - será rateada entre todos, em partes iguais;
II - reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.
§ 1º O direito à parte da pensão por morte cessa:
a) pela morte do pensionista;
b) para o filho ou irmão ou dependente designado menor, de ambos os sexos, que completar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido;
c) para o pensionista inválido, pela cessação da invalidez;
§ 2º Com a extinção da parte do último pensionista a pensão se extinguirá.
[...] (g.n.)
A pensão por morte é devida ao conjunto dos dependentes do segurado que vier a falecer exigindo-se como requisitos cumulativos, o óbito do segurado ou sua morte presumida, a qualidade de segurado do instituidor e a dependência econômica - das pessoas designadas na lei como beneficiárias - em relação ao de cujus.
Quanto à vigência da lei, aplica-se a Súmula 340 do STJ: "A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado."
Igualmente relevante é a Súmula 416 do STJ: "É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito"
No caso concreto, a questão controvertida versa sobre: (I) a prova da união estável e da condição de dependente do falecido pela parte autora; (II) a qualidade de segurado do de cujus.
O óbito é incontroverso e ocorreu em 21/08/2020 (ID 273501910, f. 9)
A parte autora afirma que convivia em união estável com o falecido por mais de 20 (vinte) anos. Para provar o alegado juntou os seguintes documentos:
a) Certidão de nascimento de uma das filhas do falecido com a parte autora (ID 273501910, f. 48)
b) CNIS do falecido (ID 273501910, 19)
c) Certidão do óbito (ID 273501910, f. 9)
d) Negativa do requerimento administrativo do benefício (ID 273501910, f. 71-76)
Foi colhido o depoimento pessoal da autora (ID 273501911).
Foram ouvidas as testemunhas LUIS BALBINO (ID. 273501915) e CLEIDE SOLI (ID 273501913) cujos depoimentos, foram coerentes à prova documental, confirmando que a requerente e o de cujus conviviam maritalmente à época do óbito.
O conjunto probatório composta pelas alegações da autora, prova documental, e o depoimento das testemunhas conduz à certeza em provar a convivência pública e notória, reconhecendo-se a existência da união estável de maneira duradoura entre AVILA DA SILVA e o falecido, inclusive com início de prova material contemporânea dos fatos à época do óbito, em atendimento aos requisitos do artigo 16, § 5º, da Lei 8.213/1991.
O óbito do instituidor ocorreu em 21/08/2020, na vigência da Lei 13.135 de 17 de junho de 2015 devendo-se analisar os requisitos quanto a duração do benefício concedido. Tendo sido comprovada a união estável por período superior a 2 (dois) anos e tendo a requerente 37 (trinta e sete) anos de idade na data do óbito, a pensão por morte deve ser paga pelo período de 15 (quinze) anos.
Quanto a qualidade de segurado especial rural do falecido, a autora afirma que o falecido era indígena possuindo situação peculiar quanto à comprovação da qualidade de atividade rural. Para provar o alegado, apresenta: (1) certidão de atividade rural emitida pela FUNAI (ID 273501910, f. 20-21); (2) CNIS do falecido (ID 273501910, f. 14-15); (3) certidão de óbito (ID 273501910, f. 9); (4) certidão de nascimento do falecido (ID 273501910, f. 11); e (5) carteira de trabalho do falecido (ID 273501910, f. 12-18)
As testemunhas ouvidas foram coerentes à prova documental, confirmando a vivência e o exercício de atividade rural (economia familiar) do falecido por período duradouro até a data do óbito.
Não obstante, a certidão de atividade rural emitida pela FUNAI confirma categoricamente a condição de segurado especial do falecido. Embora o INSS tenha alegado, em contestação, a ausência desse documento durante o requerimento administrativo do benefício, o presente caso não se enquadra na hipótese de extinção sem resolução do mérito prevista no Tema 1.124 do STJ, uma vez que incumbe à autarquia o dever legal de intimar o segurado para complementar a documentação ou produzir prova, mediante carta de exigência ou outro meio idôneo, nos casos que o INSS entender aqueles documentos insuficientes. Não o fazendo, restará configurado o interesse de agir.
No caso concreto, observa-se que o INSS não comprovou suas alegações nem juntou documentos que corroborassem suas razões, estando presente o interesse de agir da parte autora, que trouxe a Juízo a mesma matéria de fato submetida à autarquia na seara administrativa. Ademais, a autarquia ofereceu contestação aos pedidos, caracterizando pretensão resistida, nos termos do Tema 350 do STF.
Dessa forma, ainda que tenham sido apresentados novos documentos relativos aos mesmos fatos nos autos da ação judicial, permanecendo a negativa da autarquia com expressa resistência à pretensão, não prospera a alegação de ausência de interesse de agir.
Verifica-se, portanto, o descumprimento do Tema 1.124 do STJ pela própria autarquia federal, que deixou de agir de forma colaborativa e de oportunizar ao segurado a complementação da documentação ou a produção de prova, numa tentativa de esquivar-se de suas obrigações legais.
O conjunto probatório dos autos, composto pela prova documental e depoimento das testemunhas é suficiente para demonstração do início de prova material, conduzindo à certeza da condição de segurado especial rural do falecido.
Por fim, a alegação da necessidade de comprovação da cumulação de benefícios, não merece acolhimento, pois a Portaria do INSS 450/2020, se aplica apenas ao procedimento na esfera administrativa, não vinculando a esfera judicial.
Mantem-se a condenação da verba honorária.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e dou provimento parcial à apelação.
É o voto