O Excelentíssimo Desembargador Federal JOÃO CONSOLIM (Relator):
A controvérsia cinge-se acerca da possiblidade de executar o julgado de ação coletiva (Ação Civil Pública n. 5023503-36.2012.4.04.7100), ajuizada anteriormente à ação individual, em que a parte autora não requereu a suspensão por desconhecimento da existência da ação coletiva e, assim, prosseguiu com a ação, sendo julgada improcedente, por ausência do requisito da baixa renda, já com trânsito em julgado.
Da tempestividade do recurso
Não se vislumbra, no caso em tela, hipótese de intempestividade recursal.
Do auxílio-reclusão
Estabelece o artigo 201, inciso IV, da Constituição da República que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
"IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;".
O artigo 80 da Lei n. 8.213/1991, em sua redação original, assim dispunha:
"Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço."
Nos termos do artigo 26, inciso I, da Lei n. 8.213/1991, na redação anterior à vigência da Medida Provisória n. 871, de 18.1.2019, o auxílio-reclusão independia de carência, porquanto ao mencionado benefício aplicava-se as disposições atinentes à pensão por morte.
A partir da vigência da Medida Provisória n. 871, publicada em 18.1.2019 no D.O.U., convertida na Lei n. 13.846/2019, para a concessão do benefício passou-se a exigir carência de 24 meses e cumprimento da pena em regime fechado.
Assim, nos termos do artigo 80 da Lei n. 8.213/1991, são requisitos da concessão do auxílio-reclusão: 1) qualidade de segurado do recluso, na data de seu recolhimento à prisão; 2) baixa renda do segurado (c.c. artigo 201, inciso IV, CRFB); 3) recolhimento do segurado à prisão; 4) qualidade de dependente do requerente; e 5) o não recebimento, pelo segurado, de remuneração, benefício previdenciário ou de abono de permanência. Após a vigência da Medida Provisória n. 871/2019 (18.1.2019), passaram também a ser exigidos: 6) carência de 24 contribuições mensais; e 7) cumprimento da pena em regime fechado.
Ao tratar dos dependentes, a Lei n. 8.213/1991 dispõe:
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
§ 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
§ 7º Será excluído definitivamente da condição de dependente quem tiver sido condenado criminalmente por sentença com trânsito em julgado, como autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa desse crime, cometido contra a pessoa do segurado, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)"
Em consonância com o § 4º da norma citada, a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das pessoas elencadas nos incisos II e III deve ser comprovada.
Cabe anotar que, em sua redação originária, ao prever o direito ao auxílio-reclusão a dependentes de segurados recolhidos à prisão, o artigo 80 da Lei n. 8.213/1991 nada dispôs acerca do regime do encarceramento. Ademais, ao tratar do benefício em questão, o Decreto n. 3.048/1999, na redação que lhe foi dada pelo Decreto n. 4.729/2003, estabelecia que "O auxílio-reclusão é devido, apenas, durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-aberto" (artigo 116, § 5º).
Anota-se que o atrelamento da concessão do auxílio-reclusão ao critério "baixa renda" teve origem na Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, que alterou a redação do inciso IV do artigo 201 da Constituição da República. Ainda, o artigo 13 da referida Emenda estabeleceu que, até que lei disciplinasse o acesso ao auxílio-reclusão, o benefício seria concedido àqueles que tivessem renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00:
"Art. 13. Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do Regime Geral de Previdência Social."
Posteriormente, a Medida Provisória n. 871/2019, que foi convertida na Lei n. 13.846/2019, disciplinando a mencionada alteração no texto constitucional, regulamentou o pagamento do auxílio-reclusão aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado, o que ensejou a alteração do Decreto n. 3.048/1999 pelo Decreto n. 10.410/2020, nos seguintes termos:
"Art. 116. O auxílio-reclusão, cumprida a carência prevista no inciso IV do caput do art. 29, será devido, nas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio por incapacidade temporária, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
§ 1º Para fins de concessão do benefício de que trata este artigo, considera-se segurado de baixa renda aquele que tenha renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 1.425,56 (um mil quatrocentos e vinte e cinco reais e cinquenta e seis centavos), corrigidos pelos mesmos índices de reajuste aplicados aos benefícios do RGPS, calculada com base na média aritmética simples dos salários de contribuição apurados no período dos doze meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão.
§ 2º O requerimento do auxílio-reclusão será instruído com certidão judicial que ateste o recolhimento efetivo à prisão e será obrigatória a apresentação de prova de permanência na condição de presidiário para a manutenção do benefício.
§ 2º-A O INSS celebrará convênios com os órgãos públicos responsáveis pelo cadastro dos presos para obter informações sobre o recolhimento à prisão.
§ 2º-B A certidão judicial e a prova de permanência na condição de presidiário serão substituídas pelo acesso à base de dados, por meio eletrônico, a ser disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça, com dados cadastrais que assegurem a identificação plena do segurado e da sua condição de presidiário.
§ 3º Aplicam-se ao auxílio-reclusão as normas referentes à pensão por morte e, no caso de qualificação de cônjuge ou companheiro ou companheira após a prisão do segurado, o benefício será devido a partir da data de habilitação, desde que comprovada a preexistência da dependência econômica.
§ 4º A data de início do benefício será:
I - a do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se o benefício for requerido no prazo de cento e oitenta dias, para os filhos menores de dezesseis anos, ou de noventa dias, para os demais dependentes; ou
II - a do requerimento, se o benefício for requerido após os prazos a que se refere o inciso I.
§ 5º O auxílio-reclusão será devido somente durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado.
§ 6º O exercício de atividade remunerada iniciado após a prisão do segurado recluso em cumprimento de pena em regime fechado não acarreta a perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão para os seus dependentes. "
Para manter a atualização dos valores máximos para enquadramento ao critério de "baixa renda", conforme determinado pela Constituição da República, os valores dos limites foram atualizados pela Previdência Social por meio de portarias.
Todavia, o artigo 27 da Emenda Constitucional n. 103/2019 definiu novo valor para a sua vigência:
"Art. 27. Até que lei discipline o acesso ao salário-família e ao auxílio-reclusão de que trata o inciso IV do art. 201 da Constituição Federal, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 1.364,43 (mil, trezentos e sessenta e quatro reais e quarenta e três centavos), que serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do Regime Geral de Previdência Social."
Segue abaixo, quadro com as atualizações dos valores a cada ano:
Competência | Limite "baixa renda" | Legislação |
A partir de 16.12.1998 | R$ 360,00 | Portaria n. 4.883, de 16.12.1998 |
A partir de 1º.5.1999 | R$ 376,60 | Portaria n. 5.188, de 6.5.1999 |
A partir de 1º.6.2000 | R$ 398,48 | Portaria n. 6.211, de 25.5.2000 |
A partir de 1º.6.2001 | R$ 429,00 | Portaria n. 1.987, de 4.6.2001 |
A partir de 1º.6.2002 | R$ 468,47 | Portaria n. 525, de 29.5.2002 |
A partir de 1º.6.2003 | R$ 560,81 | Portaria n. 727, de 30.5.2003 |
A partir de 1º.5.2004 | R$ 586,19 | Portaria n. 479, de 7.5.2004 |
A partir de 1º.5.2005 | R$ 623,44 | Portaria n. 822, de 11.5.2005 |
A partir de 1º.8.2006 | R$ 654,67 | Portaria n. 342, de 17.8.2006 |
A partir de 1º.4.2007 | R$ 676,27 | Portaria n. 142, de 11.4.2007 |
A partir de 1º.3.2008 | R$ 710,08 | Portaria n. 77, de 11.3.2008 |
A partir de 1º.2.2009 | R$ 752,12 | Portaria n. 48, de 12.2.2009 |
A partir de 1º.1.2010 | R$ 810,18 | Portaria n. 333, de 29.6.2010 |
A partir de 1º.1.2011 | R$ 862,60 | Portaria n. 407, de 14.7.2011 |
A partir de 1º.1.2012 | R$ 915,05 | Portaria n. 2, de 6.1.2012 |
A partir de 1º.1.2013 | R$ 971,78 | Portaria n. 15, de 10.1.2013 |
A partir de 1º.1.2014 | R$ 1.025,81 | Portaria n. 19, de 10.1.2014 |
A partir de 1º.1.2015 | R$ 1.089,72 | Portaria n. 13, de 9.1.2015 |
A partir de 1º.1.2016 | R$ 1.212,64 | Portaria n. 1, de 8.1.2016 |
A partir de 1º.1.2017 | R$ 1.292,43 | Portaria n. 8, de 13.1.2017 |
A partir de 1º.1.2018 | R$ 1.319,18 | Portaria n. 15, de 16.1.2018 |
A partir de 1º.1.2019 | R$ 1.364,43 | Portaria n. 9, de 15.1.2019 |
A partir de 1º.1.2020 | R$ 1.425,56 | Portaria n. 914, de 14.1.2020 |
A partir de 1º.1.2021 | R$ 1.503,25 | Portaria n. 477, de 12.1.2021 |
A partir de 1º.1.2022 | R$ 1.655,98 | Portaria n. 2, de 12.1.2022 |
A partir de 1º.1.2023 | R$ 1.754,18 | Portaria n. 26, de 10.1.2023 |
A partir de 1º.1.2024 | R$ 1.819,26 | Portaria n. 2, de 11.1.2024 |
A partir de 1º.1.2025 | R$ 1.906,04 | Portaria n. 6, de 10.1.2025 |
Com referência ao critério de aferição da renda, no julgamento do Tema n. 1.017, o Pretório excelso definiu pela inexistência de questão constitucional e ausência de repercussão geral do tema. O colendo Superior Tribunal de Justiça submeteu a questão sob o julgamento de recursos repetitivos (Tema Repetitivo n. 896) e, pelo julgamento do REsp 1.485.417/MS, com revisão do entendimento pelo julgamento dos REsp 1.842.985/PR e o REsp 1.842.974/PR, firmou a seguinte tese:
"Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei 8.213/1991) no regime anterior à vigência da MP 871/2019, o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição."
Anota-se que, até 17.1.2019, dia anterior ao da vigência da Medida Provisória n. 871, que alterou o artigo 80 da Lei n. 8.213/1991, no caso do segurado empregado, no momento do recolhimento à prisão, a apuração da baixa renda deve ser realizada por meio da comparação do real salário do segurado do último mês trabalhado, recebido na sua integralidade, com o montante estabelecido pela EC n. 20/1998, com a atualização das Portarias ano a ano.
A partir de 18.1.2019, com o advento da Medida Provisória n. 871, convertida na Lei n. 13.846/2019, foi alterado o § 4º do artigo 80 da Lei n. 8.213/1991, passando a dispor que "A aferição da renda mensal bruta para enquadramento do segurado como de baixa renda ocorrerá pela média dos salários de contribuição apurados no período de 12 (doze) meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão". Esse procedimento foi regulamentado pelo artigo 116, § 1º, do Decreto n. 3.048, de 6.5.1999, com a alteração promovida pelo Decreto n. 10.410, de 30.6.2020.
Contudo, a referida Medida Provisória n. 871/2019 não explicitou se, não havendo salários de contribuição em todo o período, a média seria obtida com a divisão pelo número de recolhimentos efetivamente existente ou, independentemente de existirem meses sem recolhimento, com a divisão simples por 12 (doze).
Assim, a Turma Nacional de Uniformização, no Tema n. 310, fixou o entendimento de que se computa no divisor apenas o número de salários de contribuição efetivamente existentes no período:
"A partir da vigência da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, a aferição da renda para enquadramento do segurado como baixa renda, visando à concessão de auxílio-reclusão, dá-se pela média dos salários de contribuição apurados no período de 12 meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão, computando-se no divisor apenas o número de salários de contribuição efetivamente existentes no período".
Esse entendimento também é adotado por esta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. BAIXA RENDA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECURSO PROVIDO.
- O auxílio-reclusão é o benefício previdenciário devido ao dependente do segurado preso de baixa renda, conforme dispõe o art. 201, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98.
(Omissis)
- A respeito da apuração da renda média, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), no julgamento do PEDILEF 5027480 64.2020.4.04.7000/PR, cadastrado como Tema 310 dos Representativos de Controvérsia
- Considerando que o segurado foi preso em 20/11/2023, computa-se no divisor apenas o número de salários de contribuição efetivamente existentes no período de 12 meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão.
- Tendo em vista que a soma dos salários de contribuição foi de R$ 17.342,73 (id 315231209 - Pág. 4), a média dos salários de contribuição foi no importe de 2.167,84, valor acima do limite legal previsto, que era de R$ 1.754,18 na época do encarceramento, conforme Portaria Interministerial MTP/ME Nº26, de 10/01/2023.
- Sendo assim, diante dos elementos coligidos, ao menos neste momento de cognição sumária, ausente os requisitos para a concessão do benefício de auxílio-reclusão.
- Agravo de instrumento provido."
(TRF 3ª Região, Sétima Turma, AI n. 5003899-22.2025.4.03.0000, Relator Desembargador Federal ERIK GRAMSTRUP, DJe 21.8.2025, g.m.)
Não obstante a existência do limite legal, o colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, reconheceu a possibilidade de flexibilização do critério econômico para deferimento do auxílio-reclusão, ainda que o salário de contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda, nas situações em que o caso concreto revelar a necessidade de proteção social, nos mesmos termos como decidido em relação ao benefício assistencial e quando a diferença entre o teto legal e a remuneração do preso for ínfima.
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-RECLUSÃO. FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO ABSOLUTO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA, AINDA QUE O SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO DO SEGURADO SUPERE O VALOR LEGALMENTE FIXADO COMO CRITÉRIO DE BAIXA RENDA. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DA FINALIDADE DE PROTEÇÃO SOCIAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA.
1. Inicialmente, como consignado na decisão agravada, "em 9/4/2021, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Presidente da Comissão Gestora de Precedentes - Portaria STJ 299/2017 -, cancelou a afetação do presente recurso como representativo da controvérsia" (fl. 314, e-STJ).
2. Quanto ao pedido de concessão do auxílio-reclusão, a jurisprudência do STJ admite a flexibilização do critério econômico para a concessão do auxílio-reclusão, notadamente quando a diferença entre a remuneração do preso e o teto legal for ínfimo, como ocorre no presente caso.
3. Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
4. Agravo Interno não provido.
(STJ, Segunda Turma, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.917.246/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 13.12.2021, DJe 17.12.2021, g.m.).
Em igual sentido, a Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do Tema n. 169, fixou a seguinte tese:
"É possível a flexibilização do conceito de "baixa-renda" para o fim de concessão do benefício previdenciário de auxílio-reclusão desde que se esteja diante de situações extremas e com valor do último salário-de-contribuição do segurado preso pouco acima do mínimo legal - 'valor irrisório'."
Esta Décima Turma também tem se posicionado favoravelmente, admitindo a flexibilização do critério definidor da baixa renda, quando a superação for irrisória. Confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. MEDIDA PROVISÓRIA 871/2019. LEI Nº 13.846/2019. ALTERAÇÃO DA AFERIÇÃO DO CRITÉRIO DE BAIXA RENDA. MÉDIA DOS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO APURADOS NO PERÍODO DE DOZE MESES ANTERIORES AO MÊS DA PRISÃO EM VALOR POUCO SUPERIOR AO LIMITE. POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO. BAIXA RENDA CONFIGURADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. Para a concessão de auxílio-reclusão decorrente de prisão ocorrida a partir de 18.01.2019 (data da entrada em vigor da MP nº 817/2019, convertida na Lei nº 13.846/2019), deve-se demonstrar, basicamente, os seguintes requisitos: (a) o recolhimento do segurado à prisão em regime fechado; (b) a qualidade de segurado do recluso; (c) carência de 24 (vinte e quatro) contribuições; (d) a dependência econômica do interessado; e (e) o enquadramento do preso como pessoa de baixa renda (o último salário-de-contribuição deve ser igual ou inferior ao limite legal), a teor dos artigos 201, IV, da CF, 80 da Lei 8.213/91 e 116 do Decreto nº 3.048/99.
2. A partir de então, a aferição da renda bruta para enquadramento do segurado como baixa renda se dá pela média dos salários de contribuição apurados no período de doze meses anteriores ao mês da prisão (artigo 80, §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.213/91).
3. Considerando que a média dos salários de contribuição do segurado apurados no período de doze meses anteriores ao mês da prisão superou em quantia ínfima o limite previsto na Portaria e a possibilidade de flexibilização do critério nesta situação, entende-se estar presente a condição de baixa renda para o fim de concessão de auxílio-reclusão.
(Omissis)"
(TRF 3ª Região, Décima Turma, AC n. 5013473-45.2025.4.03.9999, Relator Desembargador Federal NELSON PORFÍRIO, DJe: 17.3.2025, g.m.)
Observo que, apesar do posicionamento favorável, a flexibilização do limite legal para configurar baixa renda permanece controvertida. A Primeira Seção do STJ, em 1.9.2022, afetou os REsps 1.958.361/SP, 1.971.856/SP e 1.971.857/SP, selecionando-os como representativos de controvérsia do Tema 1162, para submeter a julgamento a questão para "Definir se é possível flexibilizar o critério econômico para deferimento do benefício de auxílio-reclusão, ainda que o salário-de-contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda." Apesar de afetado, não foi determinada a suspensão, nos tribunais de origem, do processamento dos processos nos quais tenha havido a interposição de recurso especial ou de agravo em recurso especial, sendo possível, portanto, o julgamento dos feitos nesta instância.
Feitas essas considerações, importa destacar que, em observância ao princípio "tempus regit actum", a "concessão do benefício auxílio-reclusão deve observar os requisitos previstos na legislação vigente ao tempo do evento recolhimento à prisão" (STJ, REsp 760767, Quinta Turma, Relator Ministro GILSON DIPP, DJU 24.10.2005, p. 377). No mesmo sentido:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. AUXÍLIO-RECLUSÃO (ARTIGO 201, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 80 DA LEI 8.213/1991). APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRISÃO. RENDA AUFERIDA PELO SEGURADO NA COMPETÊNCIA DA RECLUSÃO E NOS MESES ANTERIORES SUPERIOR AO LIMITE LEGAL. NÃO PREENCHIDO O REQUISITO DA QUALIDADE DE SEGURADO DE BAIXA RENDA PARA A CONCESSÃO DO AUXÍLIO-RECLUSÃO. VALOR SUPERADO NÃO IRRISÓRIO. FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DE BAIXA RENDA. IMPOSSIBILIDADE. BAIXA RENDA NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
(Omissis)
3. A norma que regula a concessão do benefício de auxílio-reclusão é a vigente na época do recolhimento do segurado à prisão.
(Omissis)"
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5014820-63.2022.4.03.6105, Rel. Desembargadora Federal GABRIELA SHIZUE SOARES DE ARAUJO, julgado em 30.4.2025, DJe 30.4.2025)
Do período de carência, da qualidade de segurado e do período de graça para o auxílio-reclusão
A Lei n. 8.213/1991, em seu artigo 24, estabelece que "Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências".
Até 17.1.2019 a Lei n. 8.213/1191 não estabelecia período de carência para o auxílio-reclusão.
A partir de 18.1.2019, em decorrência da vigência da Medida Provisória n. 871/2019, convertida na Lei n. 13.846/2019, o período de carência, que corresponde ao número de contribuições mensais necessárias para a concessão auxílio-reclusão passou a ser de 24 (vinte e quatro) contribuições mensais (artigo 25, inciso I, Lei n. 8.213/1991):
"Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;
II - aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180 contribuições mensais. (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 1994)
III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do caput do art. 11 e o art. 13 desta Lei: 10 (dez) contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei; e (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
IV - auxílio-reclusão: 24 (vinte e quatro) contribuições mensais. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)"
É importante registrar a diferença conceitual existente entre período de carência e qualidade de segurado.
Nos termos da Instrução Normativa INSS n. 128, de 28.2.2022, "Qualidade de segurado é a condição atribuída a todo indivíduo filiado ao RGPS que possua inscrição e que esteja contribuindo para esse Regime".
O artigo 11 da Lei n. 8.213/1991 elenca os segurados obrigatórios da Previdência Social. Como regra geral, mantém-se a qualidade de segurado enquanto forem pagas as contribuições previdenciárias para o custeio do Regime Geral de Previdência Social - RGPS. O artigo 13 da referida lei, assegura a condição de segurado facultativo ao maior de 14 (quatorze) anos que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, desde que não incluído nas disposições do artigo 11.
A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade, conforme dispõe o artigo 102 da Lei n. 8.213/1991, e ela ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados no artigo 15 da Lei n. 8.213/1991 e seus parágrafos (artigo 15, § 4º, Lei n. 8.213/1991).
No entanto, a extinção do vínculo previdenciário não se opera imediatamente após a cessação das contribuições, porquanto existem situações em que é mantida a qualidade de segurado independentemente de desempenho de atividade laboral ou recolhimento de contribuições previdenciárias. Trata-se do denominado "período de graça", previsto nas hipóteses do artigo 15 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019);
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos." (Grifei)
Ao regulamentar o dispositivo transcrito, o artigo 13, inciso II, do Decreto n. 3.048/1999 acrescenta que àquele que tem benefício previdenciário cessado também mantém a qualidade de segurado por 12 meses:
"Art. 13. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
(Omissis)
II - até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou das contribuições, observado o disposto nos § 7º e § 8º e no art. 19-E;"
A Instrução Normativa INSS n. 128, de 28.3.2022, que disciplina as regras, procedimentos e rotinas necessárias à efetiva aplicação das normas de direito previdenciário, estabelece, no § 1º de seu artigo 184, que "O prazo de manutenção da qualidade de segurado, ou período de graça, será contado a partir do primeiro dia do mês seguinte ao das ocorrências previstas nos incisos II e VI do caput". As referidas ocorrências referem-se, respectivamente, à: cessação de benefícios por incapacidade, salário-maternidade ou cessação das contribuições do segurado que deixar de exercer atividade remunerada; e cessação das contribuições do segurado facultativo.
Convém anotar que o artigo 4º da Instrução Normativa INSS n. 95/2003 definia que "A contagem do prazo para a perda da qualidade de segurado, para o recolhido à prisão, será suspensa no 'período de graça', devendo, porém, ser reiniciada a partir da fuga, se houver".
Anota-se que o artigo 12 da Instrução Normativa INSS n. 118/2005 dá nova redação acerca da questão, de modo a consignar expressamente que, no caso de fuga, a contagem do prazo do período de graça será retomado a partir da data da fuga, descontando-se o período já usufruído antes da prisão, ou seja, pelo saldo remanescente do período de graça que tinha por ocasião da prisão. O referido artigo traz, ainda, uma importante distinção e esclarecimento quanto à forma de contagem para o recolhido colocado em liberdade; para essa hipótese, o referido dispositivo esclarece que permanece integral o prazo de 12 (doze) meses previsto no inciso IV do artigo 13 do Decreto n. 3.048/1999, em outras palavras, não sofre a dedução no período de graça de eventual prazo já usufruído antes de sua prisão. Segue a transcrição da mencionada norma:
"Art. 12. No caso de fuga do recolhido à prisão, será descontado do prazo para perda da qualidade de segurado a partir da data da fuga, o período de graça já usufruído anteriormente ao recolhimento. Havendo livramento do recolhido à prisão, permanece o prazo integral de doze meses, contado a partir da soltura, conforme o inciso IV do art.13 do RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99."
Apesar de não constar expressamente essa distinção para a hipótese do recolhido colocado em liberdade nas instruções normativas que se sucederam, a interpretação do dispositivo, "a contrario sensu", permite concluir que a ele permanece a integralidade do período de graça, uma vez que interpretação diversa colocaria o recolhido colocado legalmente em liberdade em piores condições que aquele que se utiliza do artifício da fuga. Segue a transcrição do artigo 139 da Instrução Normativa INSS n. 77/2015, com redação similar ao artigo 187 da Instrução Normativa n. 128/2022, atualmente em vigência:
"Art. 139. No caso de fuga do recolhido à prisão, será descontado do prazo de manutenção da qualidade de segurado a partir da data da fuga, o período de graça já usufruído anteriormente ao recolhimento."
Conforme mencionado, o inciso IV do artigo 15 da Lei n. 8.213/1991 concede ao segurado retido ou recluso o "período de graça" de 12 (doze) meses após o seu livramento.
Todavia, no caso de o segurado recolhido contar com direito ao período de graça previsto no inciso II do artigo 15 da Lei n. 8.213/1991 (12 meses após a cessação das contribuições), prorrogado pelas hipóteses dos §§ 1º (24 meses se o segurado já tiver mais de 120 contribuições) e 2º (12 meses para o segurado desempregado), esse período de graça prorrogado deve prevalecer sobre o previsto no referido inciso IV, em razão do direito adquirido e da natureza suspensiva-interruptiva da prisão na contagem do prazo, mas sem a somatória do período de graça obtido pela situação de cessação das contribuições (inciso II) com a da liberdade do sistema carcerário (inciso IV), pois não incluída pelo legislador a opção de prorrogação ou somatória entre tais incisos.
Convém salientar que, uma vez cessadas as contribuições, a perda da qualidade de segurado deverá ocorrer somente no 16º dia do segundo mês seguinte à cessação, uma vez que o segurado pode efetuar o recolhimento na condição de contribuinte individual ou facultativo, conforme disposto no artigo 30, II, da Lei n. 8.212/1991:
"Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
(Omissis)
II - os segurados contribuinte individual e facultativo estão obrigados a recolher sua contribuição por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da competência;"
Havendo interrupção que configure a perda da qualidade de segurado, cabe anotar que há benefícios cuja concessão exige não apenas uma nova filiação à Previdência Social, mas também o cumprimento de um número mínimo de contribuições para fins de recuperação da qualidade de segurado e, assim, o cômputo dos períodos anteriormente trabalhados no preenchimento da carência.
Desse modo, em caso de perda da qualidade do segurado, é indispensável, para a concessão dos benefícios em questão, a recuperação da qualidade de segurado.
Em sua redação original, o artigo 25 da Lei n. 8.213/1991 não exigia carência para a concessão do auxílio-reclusão e, assim, não era exigido prazo para a recuperação da qualidade de segurado quando ocorrida a perda dessa condição.
Em 18.1.2019, foi editada a Medida Provisória n. 871/2019, que incluiu o inciso IV ao artigo 25 da Lei n. 8.213/1991, estabelecendo a carência de 24 (vinte e quatro) contribuições mensais, e dando nova redação ao artigo 27-A da Lei n. 8.213/1991 para que, no caso de perda da qualidade de segurado, houvesse a necessidade de o segurado contar novamente com igual prazo definido nos incisos I, III e IV do artigo 25 da Lei n. 8.213/1991 a partir da nova filiação.
A referida medida provisória foi convertida na Lei n. 13.846/2019, vigente a partir de 18.6.2019, que manteve a carência de 24 (vinte e quatro) meses, mas alterou a redação do artigo 27-A para definir, quanto à recuperação da qualidade de segurado, a necessidade da metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV, do artigo 25 da Lei n. 8.213/1991 para o cômputo dos períodos anteriores à perda da qualidade para fins de carência.
Destarte, segue quadro-resumo:
Período | Contribuições necessárias, a partir da nova filiação, para a recuperação da qualidade de segurado | Legislação |
18.1.2019 a 17.6.2019 | 24 contribuições | Artigo 27-A da Lei n. 8.213/1991, com redação dada pela Medida Provisória n. 871/2019 |
A partir de 18.6.2019 | 12 contribuições | Artigo 27-A da Lei n. 8.213/1991, com redação dada pela Lei n. 13.846/2019 |
Da coisa julgada
A coisa julgada é o fenômeno processual que consiste na reprodução de ação idêntica a outra anteriormente ajuizada, cuja eficácia preclusiva impede a rediscussão das questões já decididas por decisão transitada em julgado. Consideram-se as ações idênticas quando verificada no caso concreto a tríplice identidade: mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido. É o que se depreende do dispositivo do artigo 337, §§ 1º a 4º, do Código de Processo Civil.
Conforme artigo 502 do Código de Processo Civil, "Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso".
Ademais, o artigo 505, inciso I, do Código de Processo Civil, estabelece que "Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito".
Outrossim, de acordo com o artigo 485, V, do Código de Processo Civil, o processo deverá ser extinto sem resolução do mérito quando constatada a coisa julgada e, a teor do § 3º do mesmo artigo, o juiz deverá conhecer, de ofício, da matéria, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.
Nesse sentido, o entendimento da Décima Turma desta egrégia Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. COISA JULGADA. OCORRÊNCIA.
1. Não há como rediscutir a matéria que já foi objeto de controvérsia e pronunciamento judicial, estando, por força da preclusão máxima advinda de seu trânsito em julgado, revestida da qualidade de imutabilidade.
2. Dispõe o Art. 485, V, do CPC, que, caracterizada a coisa julgada, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, independentemente de arguição da parte interessada, podendo a matéria ser conhecida de ofício pelo Juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme autoriza o § 3º, do mesmo dispositivo.
3. Honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
4. Remessa oficial, havida como submetida, e apelação prejudicadas."
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004461-12.2022.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 11.9.2024, DJEN DATA: 19.9.2024)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. CÔMPUTO DE PERÍODO RURAL PARA FINS DE CARÊNCIA. EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA MATERIAL. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. A parte autora, anteriormente ao ajuizamento desta ação, postulou, perante o Juizado Especial Federal de Catanduva/SP (distribuição em 23.04.2014 - Proc. nº 0008307-86.2013.4.03.6136), a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. A ação foi julgada parcialmente procedente, tão somente para reconhecer como exercido em regime de economia familiar o trabalho nas lides rurais entre 28.08.1976 e 31.12.1987, determinando ao INSS a averbação e a consideração do referido período para todos os efeitos, exceto para o de carência.
2. No presente feito, pretende a parte autora a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, requerendo, para tanto, seja reconhecida como cumprida a carência de 180 contribuições através da soma do tempo registrado em CTPS com o período de 28.08.1976 a 31.12.1987 reconhecido na ação citada acima.
3. Tendo em vista que na ação anterior determinou-se a consideração do referido período para todos os efeitos, exceto para o de carência, o pedido formulado pela parte autora nos presentes autos encontra-se acobertado pela eficácia preclusiva da coisa julgada.
4. Tendo a decisão proferida naqueles autos transitado em julgado, de rigor o reconhecimento da existência de coisa julgada material.
5. Apelação da parte autora desprovida."
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5075308-73.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 4.8.2021, DJe 6.8.2021)
Dos efeitos da coisa julgada da ação individual e da ação coletiva sobre direitos individuais homogêneos
Os direitos individuais homogêneos, definidos no inciso III do parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, podem ser tutelados tanto por ação coletiva quanto por ação individual.
Nos termos do inciso III do artigo 103 do mencionado Código, convém salientar que somente a sentença de procedência na ação coletiva fará coisa julgada em relação à ação individual, ou seja, a ação de improcedência na ação coletiva não impede que o interessado busque, por meio da ação individual, o seu direito.
Todavia, depreende-se que, nos termos da parte final do artigo 104 do mencionado Código, caberá à parte interessada efetuar a opção, pois não beneficiarão os autores das ações individuais se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva:
"Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva." (Grifei)
Assim, a expressão "a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva" contida no artigo 104 refere-se somente à hipótese em que o interessado ingressou com a ação individual e, no seu curso, há o ajuizamento de ação coletiva. Nesse sentido, a jurisprudência consolidada no colendo Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO COLETIVA. CONCOMITÂNCIA COM AÇÃO INDIVIDUAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 104 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
1. Segundo a jurisprudência do STJ, a regra prevista no art. 104 do CDC, somente se aplica nos casos de propositura da ação coletiva após o ajuizamento de ações individuais, hipótese diversa da situação dos autos, em que a ação coletiva foi proposta antes da ação individual. Precedentes.
2. Incide, nesse aspecto, como óbice ao recurso especial, a Súmula 83 do STJ.
3. Agravo interno desprovido."
(STJ, AgInt no AgInt no REsp 2.102.724/AL, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, j. 24.2.2025, DJEN 28.2.2025, g.m.)
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. CUMPRIMENTO DE TÍTULO EXECUTIVO. AÇÃO COLETIVA. CONCOMITÂNCIA COM AÇÃO INDIVIDUAL. COISA JULGADA. PROVIMENTO NEGADO.
1. Trata-se, na origem, de ação autônoma de cumprimento de sentença objetivando a apuração e o recebimento do crédito reconhecido em mandado de segurança coletivo.
2. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que "a existência de ação coletiva não impede o ajuizamento de ação individual, por aquela não induzir litispendência. Entretanto, ajuizada ação individual com o mesmo pedido da ação coletiva, o autor da demanda individual não será beneficiado pelos efeitos da coisa julgada da lide coletiva, se não for requerida a sua suspensão, conforme previsto no art. 104 do CDC" (Agint no Aresp 1.494.721/RJ, Relator Ministro Manoel Erhardt -Desembargador Convocado do TRF da 5ª Região -, Primeira Turma, julgado em 23.5.2022, DJe de 25.5.2022).
3. Agravo interno a que se nega provimento."
(STJ, AgInt no REsp 2.021.321/RJ, Relator Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, Primeira Turma, julgado em 20.11.2023, DJe de 27.11.2023, g.m.)
Portanto, a disposição legal contida no artigo 104 do CDC não abrange a hipótese em que a ação coletiva tenha sido ajuizada anteriormente à ação individual, já que o legislador ordinário especificou a incidência ao incluir o termo "ajuizamento". Assim, para a hipótese em que a ação coletiva tenha sido ajuizada anteriormente à ação individual, é dispensável a necessidade de ciência da parte interessada para o início do prazo para pleitear a suspensão, já que, diante da publicidade dos atos judiciais, a ciência é presumida, não podendo se valer de eventual ignorância para tentar se beneficiar simultaneamente de duas ações.
Ademais, importante salientar que somente é cabível a suspensão da ação individual, para se beneficiar do julgado da ação coletiva, se requerida antes da sentença na ação coletiva e antes da sentença na ação individual. O mero prosseguimento da ação individual implica em renúncia tácita à ação coletiva.
Do caso dos autos
A parte autora alega, em suma, a não reiteração de demanda anterior, porquanto o presente cumprimento de sentença da ação civil pública não tem a mesma causa de pedir e pedidos aos formulados na ação n. 0081457-56.2014.4.03.6301; a nulidade do processo da ação individual n. 0081457-56.2014.4.03.6301, uma vez que não foram juntadas nos autos da ação individual as informações da tramitação da Ação Civil Pública n. 5023503-36.2012.4.04.7100/RS, o que seria ônus do réu e lhe possibilitaria requerer a suspensão da tramitação da referida ação individual, nos termos do artigo 104 do CDC, de modo que não pode ser prejudicada com o prosseguimento da ação individual pelo desconhecimento da existência da ação coletiva. Pede a reforma da sentença para que o INSS seja condenado a pagar os valores devidos apontados na revisão administrativa que reconheceu o direito da exequente de receber pelo período em que o seu genitor esteve recolhido (8.8.2013 a 27.3.2018), bem como arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios no importe de 20%, sobre a condenação. Por fim, que seja declarado nulo os efeitos do processo n. 0081457-56.2014.4.03.6301, uma vez que não foi dada à parte autora a possibilidade de suspender o processo.
O Ministério Público Federal requer a reforma da sentença recorrida para o fim de determinar o prosseguimento da execução. Sustenta que o INSS, por liberalidade, aplicou administrativamente a decisão da ação civil pública n. 5023503-36.2012.4.04.7100/RS ao autor da execução, reconhecendo o direito ao benefício e realizando sua revisão, apenas não efetuando o pagamento por falta de declaração de cárcere atualizada. Sustenta que não há óbice da coisa julgada, pois o reconhecimento foi administrativo, e o título executado é essa decisão, não a judicial. Defende que ações coletivas visam beneficiar os hipossuficientes, e que, reconhecido o direito ao benefício, não cabe falar em coisa julgada. Invoca o princípio da proteção integral ao menor.
O que a parte autora pretende, na verdade, é se beneficiar do resultado da ação coletiva após ter prosseguido com a sua ação individual, com a mesma finalidade, julgada improcedente, por ausência do requisito da baixa renda, e já com trânsito em julgado. A fim de melhor visualização do presente caso, segue breve resumo do desenrolar da referida ação civil pública.
A Ação Civil Pública n. 5023503-36.2012.4.04.7100, ajuizada em 24.4.2012, que tramitou perante a 17ª Vara Previdenciária da Subseção Judiciária de Porto Alegre, RS, teve sentença proferida em 28.2.2013, e trânsito em julgado em 10.9.2020, com extensão dos efeitos a todo o território nacional, por determinação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que impôs ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS o afastamento das regras previstas no artigo 334, § 2º, inciso II e § 3º da IN PRES/INSS n. 45/2010, reproduzidas no artigo 385, § 2º, inciso II, e § 3º da IN PRES/INSS n. 77/2015, garantindo a concessão do benefício de auxílio-reclusão aos dependentes, quando o segurado não possuir salário-de-contribuição no momento da prisão, ainda que o último valor percebido pelo segurado seja superior ao previsto na portaria interministerial, respeitados os demais requisitos legais. O INSS interpôs o Recurso Especial n. 1.567.930/RS objetivando a análise da abrangência territorial dos efeitos da decisão, mas o colendo Superior Tribunal de Justiça manteve os efeitos da ação civil pública a todo o território nacional, e não apenas à Subseção Judiciária de Porto Alegre, RS.
Em 25.7.2018, a parte exequente ajuizou a ação individual n. 0081457-56.2014.4.03.6301, com pedido e causa de pedir idênticos à mencionada Ação Civil Pública n. 5023503-36.2012.4.04.7100. Ressalto que, em consulta ao PJe do Primeiro Grau, verificou-se que a referida ação individual foi julgada improcedente por não preencher o requisito de baixa renda, tendo transitado em julgado em 10.8.2017.
De início, cabe registrar que a pretendida desconstituição do julgado formado na ação individual n. 0002186-93.2018.4.03.6321 deve ser intentada por meio de competente ação rescisória, sendo impossível rediscutir no presente feito a coisa julgada.
Ademais, a coisa julgada da ação individual ora questionada não se enquadra naquelas em que se permite a sua relativização (quando a coisa julgada é formada com base em lei declarada inconstitucional ou com base em norma considerada incompatível com a Constituição, em controle de constitucionalidade, ou, ainda, quando formada com base em documentos ou informações falsas).
Em que pese os argumentos da parte autora e do Ministério Público Federal, destaca-se que a parte autora, ao propor ação individual posteriormente ao ajuizamento da ação coletiva, sobre a mesma matéria discutida na lide coletiva, provocou o afastamento da incidência do artigo 104 do CDC, que estabelece a contagem do prazo para a suspensão da ação individual a partir da ciência da ação coletiva; desse modo, não era necessária a juntada aos autos da ação individual a informação da existência da ação coletiva e, por consequência, a sua intimação para manifestação, até porque, diante da publicidade dos atos judiciais, a sua ciência é presumida. Portanto, ao prosseguir com a ação individual, tacitamente optou pela exclusão dos efeitos da coisa julgada produzida na ação civil pública.
Registre-se, ainda, que o comando da decisão em ação civil pública, que determinou ao INSS a revisão dos benefícios indeferidos na via administrativa, não se estende às decisões judiciais proferidas em ações individuais decididas em consonância com o entendimento vigente à época, por não haver hierarquia e subordinação entre os Juízos.
Assim, caracterizada coisa julgada anterior, de rigor a manutenção da sentença que declarou extinta a execução por falta de título executivo dotado de liquidez e exigibilidade, nos termos do artigo 924, inciso III, combinado com o artigo 925, ambos do Código de Processo Civil.
De outra parte, como sustenta o Ministério Público Federal, em suas razões recursais, se o INSS, por liberalidade, aplicou administrativamente a decisão da ação civil pública n. 5023503-36.2012.4.04.7100/RS ao autor da execução, reconhecendo o direito ao benefício e realizando sua revisão, apenas não efetuando o pagamento por falta de declaração de cárcere atualizada, bastaria a satisfação administrativa de tal exigência pela parte interessada, o que não tem o condão de alterar a sistemática judicial delineada anteriormente ou mesmo de demonstrar a necessidade do provimento judicial para tanto.
Ante o exposto, nego provimento aos recursos de apelação interpostos pela parte autora e pelo Ministério Público Federal, mantendo a sentença recorrida, nos termos da fundamentação.
É o voto.