PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5105281-73.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MOACIR DOMINGOS FERREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: EDSON LUIZ MARTINS PEREIRA JUNIOR - SP318575-N, JOSE ANTONIO CARVALHO DA SILVA - SP97178-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MOACIR DOMINGOS FERREIRA
Advogados do(a) APELADO: EDSON LUIZ MARTINS PEREIRA JUNIOR - SP318575-N, JOSE ANTONIO CARVALHO DA SILVA - SP97178-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Inicialmente, conheço dos recursos de apelação, pois observados os pressupostos de admissibilidade recursal.
Inicialmente, aprecio o recurso de apelação do INSS.
A sentença apelada determinou que o INSS "anote no sistema CNIS a data de 28.02.81 como a data de saída da empresa SERVEMP; que anote no sistema CNIS a data de 23.10.15 como a data de saída da empresa VOCICAL; que anote no sistema CNIS o labor entre 30.07.94 a 02.05.99 e 01.12.99 a 01.05.05 como escriturário para a empresa Indústria e Comércio de Lajes Ril Ltda, com salário de contribuição equivalente a dois salários mínimos vigentes à época do vínculo; que anote no sistema CNIS o labor entre 21.10.10 a 06.01.12 como escriturário para a empresa LJ-Ril Indústria e Comércio de Lajes Ltda, com salário de contribuição equivalente a dois salários mínimos vigentes à época do vínculo".
Além disso, a sentença condenou o INSS "a conceder ao autor o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos da Lei 8.213/91, sem a aplicação do fator previdenciário".
O INSS manifestou seu desinteresse em recorrer contra os capítulos da sentença que reconheceram como corretas as datas de 28.02.81 como saída da empresa SERVEMP e a data de 23.10.15 como a de saída da empresa VOCICAL. No mais, defende o INSS que o recurso deve ser provido, julgando-se improcedentes os demais pedidos.
A meu ver, o recurso do INSS deve ser acolhido.
O autor ajuizou reclamação trabalhista, na qual postulou o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa reclamada no período ininterrupto de de 02.01.1992 a 06.01.2012:
Como se vê, o próprio autor confessou, na exordial da Reclamação Trabalhista, que teria havido simulação nas rescisões do contrato de trabalho ocorridas em 30.07.1994, 30.11.1999 e 20.10.2010.
No bojo da mencionada reclamação trabalhista, foi celebrado acordo judicial, no qual foi estabelecido o seguinte: (i) reconhecido o vínculo empregatício no período de 30.07.1994 a 02.05.1999; (ii) remuneração de dois salários-mínimos; (iii) as partes declararam que todas as verbas objeto da transação tinham natureza indenizatória, não sofrendo, pois, incidência de contribuição previdenciária; e (iv) com o pagamento do valor acordado o demandante deu quitação plena e geral quanto ao objeto da reclamação trabalhista:
Nestes autos, a sentença apelada reconheceu, para fins previdenciários, os períodos de (i) de 30.07.1994 a 02.05.1999, objeto da sentença trabalhista; e (ii) de 01.12.1999 a 01.05.20015 e 22.10.2010 a 06.01.2012, considerando mencionada sentença trabalhista, bem assim a prova documental, pericial e testemunhal constante dos autos.
Pois bem.
Não se desconhece que o E. STJ, ao apreciar o Tema 1.188, firmou a seguinte tese: "A sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente será considerada início de prova material válida, conforme o disposto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, quando houver nos autos elementos probatórios contemporâneos que comprovem os fatos alegados e sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período que se pretende reconhecer na ação previdenciária, exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior".
Nada obstante, na singularidade dos autos, estão presentes peculiaridades que impedem o reconhecimento, para fins previdenciários, dos períodos que foram objeto da ação na Justiça Especializada: (i) de 30.07.1994 a 02.05.1999; (ii) de 01.12.1999 a 01.05.20015; e (iii) de 22.10.2010 a 06.01.2012, ainda que o primeiro deles tenha sido objeto de acordo trabalhista.
Conforme já adiantado, o próprio autor confessou, na inicial da ação trabalhista, que as rescisões dos contratos de trabalho em 30.07.1994, 30.11.1999 e 20.10.2010 seriam produtos de simulação.
Logo, o caso dos autos deve ser apreciado à luz do artigo 167 do Código Civil, o qual trata da simulação dos negócios jurídicos:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1 o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2 o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
Como se vê, nos termos do artigo 167, §2°, do Código Civil, terceiros de boa-fé não podem ser prejudicados pelos contraentes do negócio jurídico simulado.
Tal dispositivo positiva a tutela da boa-fé objetiva, da mesma forma que o artigo 966, inciso III, do CPC, autoriza a rescisão das decisões judiciais quando resultar de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.
Não se olvida a realidade pátria, em que muitos trabalhadores se veem na contingência de praticarem atos e negócios jurídicos simulados, motivo pelo qual, em casos tais e provadas tais circunstâncias, o regramento civil da simulação deve ser aplicado com temperamento.
Essa, entretanto, não parece ser a hipótese destes autos.
Primeiramente, verifico que o autor não explica o que o motivou a participar de tais simulações, o que, a meu ver, seria essencial para eventual mitigação das consequências de tais simulações sobre o seu patrimônio jurídico.
Nada obstante, os elementos residentes nos autos - notadamente o cartão de visitas em que ele figura como administrador da empresa; o fato de o demandante residir em imóvel cedido pela alegada empregadora e cujas despesas de energia e água eram por esta arcadas (id. m. 161132747 - Pág. 319) -, conduzem à conclusão de que ele mantinha uma boa relação com os seus alegados empregadores e que tais atos jurídicos simulados foram praticados no seu interesse (do autor).
Consta dos autos que o demandante figurou como réu em ação de alimentos, na qual foi expedido ofício ao gerente da Lajes Ril Ltda, requisitando o depósito de parte da remuneração do demandante para fins de pagamento de pensão alimentícia:
Colhe-se dos autos, também, que o autor exerceu cargo em comissão no município de Votuporanga a partir de 02.01.2001, tendo trabalhado para municipalidade até 30.04.2004 (id. Num. 161132768 - Pág. 9/10), o que igualmente indica que as simulações relacionadas às "rescisões contratuais" seriam do interesse do autor.
Acresça-se que o autor é pessoa preparada e qualificada, que ocupou alto cargo na gestão municipal de Votuporanga e que, segundo aduz, teria exercido a função de "administrador" da empresa acionada na Justiça do Trabalho, o que esvazia a suposição de que ele teria sido compelido a ter seus vícios empregatícios extintos.
Nessa ordem de ideias, não tendo o autor demonstrado que as simulações alegadas lhe foram impostas e havendo indícios de que estas foram praticadas em seu benefício, entendo ser inviável o reconhecimento, para fins previdenciários, dos períodos de (i) de 30.07.1994 a 02.05.1999; (ii) de 01.12.1999 a 01.05.20015; e (iii) de 22.10.2010 a 06.01.2012, especialmente porque a prática de tais atos simulados impediram o regular recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração que lhe foi alegadamente paga, prejudicando terceiros, no caso, o RGPS.
Noutras palavras, tendo o autor concorrido para a simulação das "rescisões dos contratos de trabalho" e para o não recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração alegadamente recebida recebida nos períodos sub judice, entendo que o pedido deduzido neste feito quanto ao reconhecimento para fins previdenciários dos períodos de (i) de 30.07.1994 a 02.05.1999; (ii) de 01.12.1999 a 01.05.2005; e (iii) de 22.10.2010 a 06.01.2012, deve ser julgado improcedente, por força do disposto no artigo 167, §2°, do Código Civil e até mesmo em deferência ao princípio de vedação ao "venire contra factum proprium".
Por outro lado, verifico que, no âmbito administrativo, o INSS apurou que, na DER, o autor somava 30 anos, 2 meses e 15 dias de tempo contributivo. Somando-se os períodos reconhecidos na sentença e não impugnados pelo INSS em seu recurso, 04.02.1981 a 28.02.1981 e 15.10.2015 a 23.10.2015, tem-se que, na DER, o autor somava um tempo contributivo de 30 anos, 3 meses e 12 dias, insuficiente para a concessão do benefício postulado (aposentadoria por tempo de contribuição integral).
Logo, deve ser julgado improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, ficando prejudicado o exame do recurso de apelação do autor, o qual versa sobre o termo inicial de tal benefício.
Provido o recurso do INSS, com o afastamento do reconhecimento dos períodos antes mencionados, bem assim do direito do autor à aposentadoria postulada, fica configurada a sucumbência mínima do INSS, motivo pelo qual condeno o autor ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, suspensa a sua exigibilidade, por ser o demandante beneficiário da gratuidade processual.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso do INSS, a fim de (A) afastar o reconhecimento, para fins previdenciários, dos períodos de (i) de 30.07.1994 a 02.05.1999; (ii) de 01.12.1999 a 01.05.2005; e (iii) de 22.10.2010 a 06.01.2012; (B) julgar improcedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição; e (C) condenar o autor ao pagamento de honorários advocatícios. Por fim, dou por prejudicado o recurso do autor.
É como voto.