O Excelentíssimo Desembargador Federal JOÃO CONSOLIM (Relator):
O objeto recursal cinge-se à análise da possibilidade de concessão de aposentadoria por idade à parte autora, mesmo esta já gozando de aposentadoria pelo RPPS. Outrossim, há questionamento quanto à utilização de período trabalhado junto a ente político (município de Rio Verde de Mato Grosso, MS). Há também insurgência sobre o cômputo da carência, inferiu-se 181 meses de carência, mesmo havendo 14 anos 10 meses e 3 dias de contribuição.
Da tempestividade do recurso
Não se vislumbra, no caso em tela, hipótese de intempestividade recursal.
Da aposentadoria por idade urbana e do salário de benefício
A aposentadoria por idade está prevista na alínea "b" do artigo 18 da Lei n. 8.213/1991.
A concessão da aposentadoria por idade pressupõe que o segurado tenha 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher; e que tenha cumprido a carência de 180 contribuições mensais, consoante previsto nos artigos 25 e 48 da Lei n. 8.213/1991:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no artigo 26:
(Omissis)
II - aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180 contribuições mensais. (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 15 de abril de 1994)
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
É importante frisar que podem ser contabilizados, para fins de carência, os períodos em que o segurado recebeu benefício por incapacidade.
O inciso I do artigo 29 da Lei n. 8.213/1991 determina que o salário de benefício da aposentadoria por idade consiste na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondente a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário.
Quanto aos salários de contribuição, a Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS é documento que goza de presunção relativa de veracidade. Dessa forma, eventual divergência entre os dados constantes do CNIS e aqueles contidos na CTPS não é suficiente para afastar a presunção relativa de veracidade deste último documento.
Ainda cabe anotar que o dever de recolhimento das contribuições previdenciárias constitui ônus do empregador, que não pode ser transmitido ao segurado. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. PERÍODO ANOTADO EM CTPS. CONTRIBUIÇÕES NÃO RELIZADAS. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. COMPUTADO PARA FINS DE CARÊNCIA. CARÊNCIA CUMPRIDA.
- A simples divergência entre os dados constantes do CNIS e aqueles contidos na CTPS não é suficiente para afastar a presunção relativa de veracidade de que goza a Carteira de Trabalho.
- O dever legal de recolher as contribuições previdenciárias ao Instituto Autárquico e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência. - Período de carência cumprido.
- Remessa oficial improvida.
(TRF/3ª Região, 9ª Turma, RemNecCiv n. 5001559-41.2021.4.03.6113, Relator Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, Intimação via sistema em 21.2.2022)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. ART. 48, "CAPUT", DA LEI Nº 8.213/91. PERÍODOS ANOTADOS EM CTPS. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. O benefício de aposentadoria por idade urbana exige o cumprimento de dois requisitos: a) idade mínima, de 65 anos, se homem, ou 60 anos, se mulher; e b) período de carência (art. 48, "caput", da Lei nº 8.213/91).
2. A CTPS é documento que goza de presunção relativa de veracidade, a qual não foi afastada por prova em sentido contrário, devendo, portanto, ser procedida a contagem de tempo de serviço cumprido nos interregnos nela anotados, sendo que o dever de recolhimento das contribuições previdenciárias constitui ônus do empregador, o qual não pode ser transmitido ao segurado.
3. Satisfeitos os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por idade, faz jus a parte autora ao seu recebimento.
4. Apelação desprovida. Fixados, de ofício, os consectários legais.
(TRF/3ª, 10ª Turma, ApCiv n. 5001312-83.2017.4.03.6183, Relator Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, DJE 13.4.2021)
PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE INTERCALADO. CÔMPUTO PARA EFEITO DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS SATISFEITOS.
(Omissis)
2. A aposentadoria por idade do trabalhador urbano está prevista no caput do art. 48 da Lei nº 8.213/91 que exige o implemento da idade de 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher e o cumprimento da carência.
3. O período de carência exigido é de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais (art. 25, II, da Lei nº 8.213/91), observadas as regras de transição previstas no art. 142, da referida Lei.
(Omissis)
6. Em 19/02/2021, o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do Tema 1125 (Recurso Extraordinário nº 1.298.832/RS), com repercussão geral reconhecida, ocasião em que os Ministros reafirmaram a jurisprudência dominante da Suprema Corte sobre a matéria (RExt n. 583.834), afirmando ser possível o cômputo do período de recebimento de auxílio-doença como carência, desde que intercalado com atividade laboral.
(Omissis)
(TRF/3ª, 7ª Turma, ApelRemNec n. 5004232-86.2021.4.03.9999, Relatora Desembargadora Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, DJE 1.7.2022)
Da diferença entre carência e tempo de contribuição
Nos termos do artigo 24 da Lei n. 8.213/1991, carência é o mínimo de contribuições mensais necessárias para o segurado fazer jus ao benefício previdenciário pretendido. Dessa forma, ainda que o segurado tenha trabalhado apenas um dia dentro de um mês, e sobre esse dia haja o recolhimento ou a situação imponha a sua consideração como se houvesse o recolhimento, o mês desse dia deve ser computado para fins de carência, como se competência fechada fosse.
De outro lado, tempo de contribuição é o período efetivo no qual houve a atividade laboral por parte do segurado. Os §§ 1º e 2º do artigo 206 da Instrução Normativa, ao tratarem do tempo de contribuição, evidenciam a diferença da forma de contagem em comparação com a carência:
"Art. 206. Considera-se tempo de contribuição aquele correspondente ao número de contribuições compreendido entre o primeiro recolhimento ao RGPS, igual ou superior ao limite mínimo estabelecido, até o fato gerador do benefício pleiteado.
§ 1º Para períodos anteriores a 13 de novembro de 2019, data da publicação da Emenda Constitucional nº 103, considera-se como tempo de contribuição o tempo contado de data a data, desde o início até a data do desligamento de atividade abrangida pela Previdência Social ou até a data do fato gerador do benefício pleiteado, descontados os períodos legalmente estabelecidos.
§ 2º A partir de 13 de novembro de 2019, incluindo a competência de novembro, o tempo de contribuição deve ser considerado em sua forma integral, independentemente do número de dias trabalhados, ressalvada as competências com salário de contribuição abaixo do limite mínimo estabelecido."
Dessa forma, é plenamente factível que não haja uma correlação exata entre os meses da carência e o tempo de contribuição.
Nesse sentido, colaciona-se trecho da doutrina do Auditor-Fiscal da Receita Federal e Doutor em Direito Público, Ivan Kertzman, em sua obra "Curso Prático de Direito Previdenciário", 23ª edição (2025), editora Juspodivm, p. 404:
"Na Previdência Social, a carência é aplicada da mesma maneira que nos contratos de seguros. Para se ter direito a usufruir de alguns benefícios previdenciários é necessário um determinado número de contribuições mensais.
Carência é, então, o número de contribuições mensais necessárias para efetivação do direito a um benefício. Lembramos que desde a Reforma da Previdência trazida pela EC 103/2019 somente são consideradas para efeito de carência as competências cujo salário de contribuição seja igual ou superior ao seu limite mínimo mensal. Obviamente, as contribuições inferiores ao mínimo anteriores à data da publicação da EC 103/2019 serão consideradas na contagem da carência.
O conceito de carência não pode ser confundido com o de tempo de contribuição. A carência é contada mês a mês, enquanto o tempo de contribuição é contado dia a dia. Se, por exemplo, a pessoa iniciou sua atividade no dia 30/11/2015 e foi despedida no dia seguinte, 01/12/2015, terá dois dias de contribuição e duas contribuições mensais para efeito de carência, não sendo relevante que tenha contribuído apenas um dia de cada mês."
Do caso dos autos
Conforme mencionado anteriormente, o INSS alega que a parte autora não tem carência suficiente para gozar do benefício de aposentadoria por idade, pois é impossível 14 anos, 10 meses e 3 dias resultar em 180 meses carência. Alega também, genericamente, sem indicar o período, que a parte está utilizando tempo computado no serviço público estadual (contagem recíproca) e, nos termos do artigo 96 da Lei n. 8.213/1991, não é admitida a contagem em dobro. Sem a comprovação de que não houve aposentadoria em regime próprio, bem como sem a apresentação de todos os documentos exigidos pelo artigo 130 do Decreto n. 3.048/1999, deve a presente ação ser julgada improcedente.
Quanto à alegada disparidade entre o período de carência e o tempo de contribuição, ela não prospera, porquanto é possível que sejam distintos.
A alegação de utilização de período havido no RPPS para fins de concessão de aposentadoria no RGPS também não prospera. O município de Rio Verde, MS, por mais que tenha um estatuto jurídico para seus servidores, recolhe as contribuições para o RGPS.
Os períodos utilizados no RPPS para a aposentadoria naquele regime não foram contabilizados no cálculo para a concessão do benefício de aposentadoria por idade no RGPS ora pleiteado. O período de 1º.3.1969 a 1º.3.1972, trabalhado para o município de Rio Verde, MS, não foi utilizado para a concessão de benefício naquele regime (Id 308670267, p. 2), podendo assim ser considerado no RGPS.
Outrossim, o inciso VIII do artigo 96 da Lei n. 8.213/1991 veda a desaverbação de período apenas quando tiver gerado a concessão de vantagens remuneratórias no regime de origem. Portanto, "a contrario sensu", é possível a desaverbação quando não utilizado, como foi o caso dos autos.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno do INSS, nos termos da fundamentação.
É o voto.