A Juíza Federal Convocada Dinamene Nascimento Nunes (Relatora):
Trata-se de apelação interposta em ação objetivando o reconhecimento de tempo especial de trabalho para fins previdenciários. A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido apenas para reconhecimento e averbação da especialidade dos períodos de 20/06/1991 a 15/05/2014.
Apelou o autor, sustentando a procedência dos pedidos para reconhecimento de todos os períodos de 02/05/1989 a 15/05/2014, e pela concessão de aposentadoria especial. Por sua vez, recorreu o INSS pugnando pela reforma da sentença para improcedência dos pedidos.
Não assiste razão à autarquia federal. A preliminar de submissão do feito à remessa oficial deve ser afastada. O artigo 496, §3°, I, do CPC estabelece o duplo grau de jurisdição obrigatório nas condenações contra a União, suas autarquias e fundações de direito público, em valor superior a 1.000 salários-mínimos. Nesse sentido é o entendimento desta Corte: ApCiv 5010118-05.2020.4.03.6183, Rel. Des. Fed. JEAN MARCOS FERREIRA, DJe 12/08/2025.
Por sua vez, assiste razão à autora.
De acordo com a CTPS, CNIS, LTCAT, Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e a prova testemunhal constante dos autos, verifica-se que a autora laborou na função de auxiliar de queijeiro na empresa LATICÍNIOS APARECIDA LTDA no período de 02/05/1989 a 15/05/2014, exposta a diversos fatores de risco, como ruído de 90 dB durante toda a jornada de trabalho, bem como a agentes químicos (soda cáustica) e biológicos (vírus e bactérias), motivo pelo qual faz jus à aposentadoria especial.
Em relação ao agente nocivo ruído, a comprovação da exposição demanda avaliação técnica para aferir o nível em relação aos limites de tolerância estabelecidos nos diversos períodos, tratando-se de avaliação quantitativa.
O artigo 58, §1º, da Lei 8.213/1991 estabelece que a comprovação do tempo especial deve ser feita por meio de formulário, amparado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual pode se basear em qualquer metodologia científica. No caso concreto a autora anexou cópia do LTCAT (comprovando grau médio de nocividade) para corroborar as informações constantes do PPP.
O Quadro Anexo do Decreto 53.831/1964, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Na vigência do Decreto 2.172/1997 e do Decreto 3.048/1999, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB. A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto 3.048/1999, Anexo IV, introduzida pelo Decreto 4.882/2003, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Analisando os períodos em comparação com a legislação supracitada, verifica-se que o Juízo de origem não analisou detalhadamente todos os períodos informados pela autora.
Deve ser reconhecida a especialidade dos períodos de 02/05/1989 a 05/03/1997 (limite legal vigente à época de 80 dB) e de 19/11/2003 a 15/05/2014 (limite legal vigente à época de 85 dB), os quais demonstram a exposição da segurada a níveis de ruído acima dos limites permitidos pela legislação, já que durante toda sua jornada de trabalho a autora esteve exposta a níveis de 90 dB.
Relativamente à alegação da autarquia federal do uso de EPI eficaz como fator impeditivo ao reconhecimento da especialidade dos períodos em que a segurada esteve exposta aos agentes nocivos, frisa-se que a indicação do equipamento como eficaz é irrelevante, conforme posicionamento deste Tribunal, seguindo orientação jurisprudencial dos Tribunais Superiores: AC 0004579-85.2016.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. LÚCIA URSAIA, DJe 07/02/2018.
No que tange aos agentes químicos, embora o Anexo IV do Regulamento da Previdência Social expressamente disponha que somente será considerada especial a atividade com exposição a agentes nocivos acima do limite de tolerância, há inúmeras atividades em que a exposição será considerada especial, independentemente de limitação de tolerância, o que deverá ser aferido caso a caso.
A exposição aos agentes cancerígenos, previstos no Anexo IV do Decreto 3.048/1999, prescinde de análise qualitativa ou quantitativa para configurar condição especial de trabalho, vez que a substância integra o rol de agentes cancerígenos, cujo risco potencial de agressão à saúde impõe o reconhecimento da insalubridade. Nesse sentido: ApCiv 5000745-28.2019.4.03.6136, Rel. Des. Fed. LEILA PAIVA MORRISON, DJe 28/12/2022).
No caso em tela, a autora esteve exposta à soda cáustica por todo o período laborado como auxiliar de queijeiro.
Em que pese referida substância não estar explicitamente listada no anexo IV do Decreto 3.048/1999, destaca-se que ela se encontra no anexo 13 da NR-15, que se refere à avaliação qualitativa de agentes químicos nocivos, garantindo o direito à aposentadoria especial, motivo pelo qual cabe o reconhecimento da especialidade de todo o período em que a autora esteve exposta a este agente nocivo de 02/05/1989 a 15/05/2014.
Quanto à exposição da trabalhadora aos agentes biológicos, importante destacar que sua intensidade é medida por análise qualitativa, bastando apenas o contato físico para caracterização da especialidade do trabalho, uma vez que não se estabelece limites de tolerância ou quaisquer especificações no que tange à concentração dos agentes.
A exposição da autora a microrganismos patogênicos, como bactérias, vírus, fungos e parasitas tem alto risco de lhe causar doenças, sendo inerente às funções exercidas no ambiente da empresa de laticínios, constando do PPP que esteve exposta aos agentes biológicos de forma permanente e habitual, especialmente pelo contato do leite in natura para processo de limpeza e análise.
Em se tratando de agentes biológicos, não se requer prova de todo o tempo de permanência e habitualidade, mas do risco efetivo da exposição aos agentes nocivos. No caso concreto, é de rigor o reconhecimento das atividades especiais exercidas sob condições nocivas à saúde ou à integridade física da segurada nos períodos de 02/05/1989 a 15/05/2014.
Constatada a especialidade dos períodos laborados pela autora, cabe a análise do benefício previdenciário pleiteado.
A aposentadoria especial foi originalmente prevista no artigo 31 da Lei 3.807/1960, sendo concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 anos de idade e 15 anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos. O artigo 162 do mesmo diploma previu o reconhecimento de atividade especial prestada anteriormente à sua edição, quando mais benéfico ao segurado.
A Lei 5.890/1973 disciplinou a matéria em seu artigo 9º, alterando apenas o período de carência de 15 para 5 anos de contribuição. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a aposentadoria especial passou a ser disciplinada no artigo 57 da Lei 8.213/1991, sendo devida ao segurado que trabalhasse durante 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais prejudiciais à saúde ou integridade física, assegurada a conversão em tempo de contribuição comum.
No caso em análise, verifica-se que a autora preencheu os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria especial antes da entrada em vigor da EC 103/2019, sendo necessária comprovação do tempo de atividade especial e da carência mínima de 180 meses.
Devem ser reconhecidas as condições especiais de trabalho às quais a autora foi submetida no exercício de suas atividades nos períodos 02/05/1989 a 15/05/2014 como auxiliar de queijeiro.
Computando-se os períodos de atividade especial reconhecidos nos autos, verifica-se que desde a DER em 07/02/2019 a autora tem direito à aposentadoria especial com fundamento no artigo 57 da Lei 8.213/1991, pois cumpriu o requisito de tempo especial, com mais de 25 anos para o mínimo de 15 anos e cumpriu a carência com 301 meses para o mínimo de 180 meses.
Cabe a reforma da sentença para reconhecimento da especialidade dos períodos supracitados e para concessão do benefício de aposentadoria especial devido desde a DER em 07/02/2019.
Quanto à antecipação da tutela, se evidenciados a probabilidade do direito e a urgência na implantação do benefício em razão de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, é cabível a sua decretação, nos termos dos artigos 300 e 497 do CPC.
Considerando a urgência do provimento jurisdicional diante da natureza alimentar do benefício pleiteado, concedo a antecipação da tutela recursal reclamada. Por tais motivos, presentes os pressupostos legais, deve ser antecipada a tutela para determinar ao INSS que implante o benefício de aposentadoria especial em favor da autora, no prazo máximo de 30 (trinta) dias.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025
Honorários advocatícios, a cargo do INSS, fixados em 10% do valor da condenação excluídas as prestações vencidas após a prolação, nos termos da Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do STJ.
Considerado o trabalho adicional realizado pelo advogado, em decorrência da apelação, os honorários advocatícios a cargo do INSS, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1%, nos termos do artigo 85, §11, do CPC, observados os termos da Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do STJ.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária, nego provimento à apelação do INSS e dou provimento à apelação da autora para reforma da sentença nos termos supracitados.
É como voto.