Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0003692-15.2020.4.03.6328
Relator(a)
Juiz Federal FABIOLA QUEIROZ DE OLIVEIRA
Órgão Julgador
12ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/11/2021
Ementa
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003692-15.2020.4.03.6328
RELATOR:34º Juiz Federal da 12ª TR SP
RECORRENTE: MARIA LEUDINICE SANTOS FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRENTE: UENDER CASSIO DE LIMA - SP223587-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
E M E N T A
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADA ESPECIAL. RECURSO DA PARTE
AUTORA. 1. Sentença indefere a inicial com fundamento no artigo 330 III do CPC em razão da
impossibilidade jurídica do pedido e porque pessoas beneficiadas com lotes de terra não fazem
jus a benefícios sem recolhimento de contribuições. 2. Impossibilidade jurídica do pedido não é
mais causa de extinção sem resolução de mérito (artigo 487, VI, CPC). 3. Artigos 26, III, e 39, I,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
da Lei 8.213/1991 garante aposentadoria por idade aos segurados especiais independentemente
de contribuições. 4. Comprovado interesse processual, sentença deve ser anulada. 5.
Impossibilidade de aplicação do artigo 1.013 do CPC em razão da necessidade de dilação
probatória. 6. Recurso da parte autora ao qual se dá provimento para anular a sentença e
determinar o retorno dos autos ao Juizado de origem.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
12ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003692-15.2020.4.03.6328
RELATOR:34º Juiz Federal da 12ª TR SP
RECORRENTE: MARIA LEUDINICE SANTOS FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRENTE: UENDER CASSIO DE LIMA - SP223587-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003692-15.2020.4.03.6328
RELATOR:34º Juiz Federal da 12ª TR SP
RECORRENTE: MARIA LEUDINICE SANTOS FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRENTE: UENDER CASSIO DE LIMA - SP223587-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se recurso interposto pela parte autora, pretendendo a reforma da sentença que indeferiu
a petição inicial de ação por meio da qual pretende a concessão de aposentadoria por idade na
condição de segurada especial.
No recurso, insiste no seu direito, requerendo a nulidade da sentença e o retorno dos autos ao
Juizado de origem para produção de provas.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003692-15.2020.4.03.6328
RELATOR:34º Juiz Federal da 12ª TR SP
RECORRENTE: MARIA LEUDINICE SANTOS FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRENTE: UENDER CASSIO DE LIMA - SP223587-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A sentença indeferiu com fundamento no artigo 330, III, CPC, por entender presente a
impossibilidade jurídica do pedido, mediante os seguintes fundamentos:
Caso dos autos
Narra a autora que é trabalhadora rural assentada, e que laborou em seu lote na criação de
alguns animais e no cultivo de culturas de subsistência enquanto tinha saúde. Em outra parte
da exordial, afirma que era boia-fria.
Visando comprovar a atividade rural, a postulante apresentou com a inicial os seguintes
documentos:
- Notas fiscais de venda e compra de produtos agropecuários, emitidas em nome da autora, nos
anos de 2011, 2014, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020;
- Cadastro de criador de animais em nome da autora, efetivado no ano de 2011;
- Certidão do INCRA de que a autora e seu marido residem no Projeto de Assentamento Areia
Branca, localizado no município de Marabá Paulista, desde 25/05/2011;
- Cadastro da autora como produtora rural perante a Secretaria Estadual da Fazenda, em
05/07/2011;
- Autorização para impressão de documentos fiscais emitida em nome da autora, em
06/07/2011.
Inicialmente, importante destacar que a autora, na exordial, qualifica-se como trabalhadora rural
em regime de economia familiar, e, em outro momento, aduz ser boia-fria, mas refere
desenvolver sua atividade em lote agrícola de assentamento, em culturas de subsistência.
Contudo, verifico que, com a inicial, a parte autora anexou vários documentos evidenciando sua
condição de produtora rural e a criação de gado em seu lote, em especial sua qualidade de
assentado no lote agrícola nº 9, no Assentamento Areia Branca, no município de Marabá
Paulista/SP, desde 25/05/2011 (fl. 22 do arquivo nº 2).
Na seara administrativa, o benefício foi indeferido pelo motivo “falta de qualidade de segurado”.
Denoto que a parte requerente pretende reconhecer determinados períodos como dedicados ao
labor rural em regime de economia familiar para, então, utilizá-los na obtenção de benefício por
incapacidade, ou seja, sem o recolhimento de qualquer contribuição.
Sucede, porém, que os documentos acostados aos autos indicam labor rural em assentamento
em períodos posteriores a julho de 1991, visto que sua pretensão surgiu depois de ter sido
contemplada com um lote rural em programa de reforma agrária.
É evidente que a situação da parte autora não se amolda à mens legis trazida pela Lei n. 8.213,
de 1991, cujo propósito foi o de corrigir uma distorção social que alijava os trabalhadores rurais
(autônomos ou em regime de economia familiar) de qualquer proteção previdenciária antes de
seu advento.
Foi justamente em função dessa marginalização que a lei em preço assegurou a esses
trabalhadores rurais – que já vinham suportando essa situação de exploração ou perpetraram
tal condição mesmo depois do advento normativo – a possibilidade de obterem benefício de
aposentadoria por idade independentemente de qualquer contribuição, exigindo apenas a
comprovação do exercício de atividade rural pelo período de carência, criando um verdadeiro
sistema assistencial a tais trabalhadores.
Portanto, a primeira observação necessária é de que tal benefício assistencial não é perpétuo e
ilimitado, mas somente aplicável para beneficiar aqueles trabalhadores que, quando da edição
da Lei 8.213/91, já tinham exercido ou estavam exercendo a labuta rural naquelas condições
discriminatórias ou nela persistiram mesmo depois de 1991 numa induvidosa relação de
continuidade.
Essa linha intelectiva se funda no fato de que a Lei 8.213/91 alterou tal situação para classificar
o trabalhador rural como segurado obrigatório. Assim, aqueles trabalhadores que iniciaram a
exploração da atividade rural depois de julho de 1991 só farão jus a benefícios previdenciários
mediante respectiva contribuição que, inclusive, deverá ser mediante um módico percentual
sobre o montante da comercialização dos produtos caso se trate de produtor rural.
Em hipótese alguma o benefício em comento deve ser aplicado àqueles que iniciaram o
desempenho de trabalho rural bem depois do advento da Lei 8.213/91 e, menos ainda, se
possuam origem laboral de natureza urbana.
Faz-se necessária uma mudança de consciência jurídica para se entender, definitivamente, que
a possibilidade de reconhecimento de tempo rural sem contribuição é destinada somente às
hipóteses já mencionadas, não cabendo ampliação analógica mormente diante de um Regime
Geral de Previdência Social já combalido pelo déficit.
A propósito, no caso em apreço há inegável abuso da parte autora no propósito de obtenção de
benefício social, porquanto já fora beneficiada com aquisição gratuita de uma área de terra
rural, além de acesso a juros subsidiados à aquisição de insumos e implementos agrícolas para
exploração da terra, e, ainda, pretende agora obter benefício previdenciário sem qualquer
contribuição.
Nenhum sistema previdenciário do mundo se sustenta dessa forma, sendo exigido dessas
pessoas o senso de solidariedade necessário à própria subsistência do sistema.
De se ver, portanto, que o pedido apresentado é juridicamente impossível por contrariar o
sistema legal, não parecendo razoável exigir que o Poder Judiciário pratique os demais atos
processuais que, à toda vista, serão inúteis frente à ausência de interesse processual que a
impossibilidade jurídica do pedido implica no novo CPC.
O julgado indeferiu a inicial com respaldo no artigo 330, III, CPC: impossibilidade jurídica do
pedido.
Com licença do Magistrado prolator do julgado, a condição da ação conhecida por
“possibilidade jurídica do pedido” não é mais hipótese de extinção, uma vez que o artigo 485,
VI, CPC, estabelece como possibilidades de extinção da ação apenas a ausência de
legitimidade ou interesse processual.
Assim, não há mais amparo legal para se extinguir o feito sem resolução de mérito, ainda que o
pedido não encontre previsão no ordenamento jurídico, devendo ser analisado o mérito.
Por outro lado, o artigo 330, III, do CPC autoriza a extinção da ação apenas na hipótese de
ausência de interesse processual, não autorizando o indeferimento da inicial por impossibilidade
jurídica do pedido, eliminado do nosso sistema processual pelo novo Código de Processo Civil,
em vigor desde 2016.
Por isso, ainda que ausente a possibilidade jurídica do pedido, não é possível o indeferimento
da inicial por esse motivo, inclusive porque o inciso III do CPC autoriza a extinção apenas na
hipótese de ausência de interesse processual.
Interesse processual pode ser definido como a necessidade de se valer do Poder Judiciário
para fazer valer um direito que a parte autora acredita ser seu, ainda que não previsto
juridicamente. Não se confunde com o mérito, que diz respeito à existência do direito em si.
Por isso, a partir do momento em que o pedido de aposentadoria por idade rural foi indeferido
administrativamente, e não sendo mais possível a extinção por ausência de possibilidade
jurídica, incabível a extinção, sendo de rigor a análise do mérito.
Por isso, a extinção por impossibilidade jurídica do pedido deve ser afastada.
Com relação ao outro fundamento da sentença para a extinção, no sentido de que pessoas que
iniciaram as atividades rurais após a Lei 8.213/1991 não fazem jus a benefício previdenciário
sem prévia contribuição, além de se tratar de questão de mérito, o entendimento do Magistrado
prolator do julgado ora recorrido, com a devida licença, não encontra amparo na Lei.
O artigo 26 da Lei 8.213/1991 é claro: dispensa-se carência, ou seja, de recolhimentos de
contribuições, os benefícios concedidos nos termos do inciso I do artigo 39 da Lei 8.213/1991
aos segurados especiais referidos no inciso VII, do artigo 11, da própria Lei 8.213/1991.
Transcrevo os artigos mencionados:
Art. 26.Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
...........................................................................................................
III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos
no inciso VII do art. 11 desta Lei;
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII docaputdo art. 11 desta Lei, fica
garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de
pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86
desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma
descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número
de meses correspondentes à carência do benefício requerido, observado o disposto nos arts.
38-A e 38-B desta Lei;
Art.11.São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado
urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda
que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de
2008)
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou
meeirooutorgados,comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei
nº 11.718, de 2008)
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
Ainda: o argumento da sentença que se exige recolhimentos de contribuições do segurado
especial para fazer jus à aposentadoria por idade após a entrada em vigor da Lei 8.213/1991,
além estar dissociado do teor da legislação aplicável à matéria, conforme transcrito acima
(artigos 26, III, 39, I e 11, VII, todos da Lei 82.13/1991), é questão de mérito, a ser decidida
quando da análise do pedido e não autoriza a extinção sem resolução de mérito ao argumento
de haver impossibilidade jurídica do pedido que, repita-se, não é mais causa de extinção sem
resolução de mérito.
Desta forma, a nulidade da sentença é medida que se impõe.
Incabível a aplicação do artigo 1.013 do CPC em razão da necessidade de dilação probatória,
devendo os autos retornar ao Juizado de origem.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para decretar a nulidade da
sentença e determinar o retorno dos autos ao Juizado de origem para produção de provas e
posterior sentença de mérito.
Sem honorários em razão da ausência de recorrente vencido.
É o voto.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003692-15.2020.4.03.6328
RELATOR:34º Juiz Federal da 12ª TR SP
RECORRENTE: MARIA LEUDINICE SANTOS FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRENTE: UENDER CASSIO DE LIMA - SP223587-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
E M E N T A
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADA ESPECIAL. RECURSO DA PARTE
AUTORA. 1. Sentença indefere a inicial com fundamento no artigo 330 III do CPC em razão da
impossibilidade jurídica do pedido e porque pessoas beneficiadas com lotes de terra não fazem
jus a benefícios sem recolhimento de contribuições. 2. Impossibilidade jurídica do pedido não é
mais causa de extinção sem resolução de mérito (artigo 487, VI, CPC). 3. Artigos 26, III, e 39, I,
da Lei 8.213/1991 garante aposentadoria por idade aos segurados especiais
independentemente de contribuições. 4. Comprovado interesse processual, sentença deve ser
anulada. 5. Impossibilidade de aplicação do artigo 1.013 do CPC em razão da necessidade de
dilação probatória. 6. Recurso da parte autora ao qual se dá provimento para anular a sentença
e determinar o retorno dos autos ao Juizado de origem. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Décima
Segunda Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região - Seção Judiciária do
Estado de São Paulo, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora e anular a
sentença determinando o retorno dos autos ao Juizado de origem, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
