
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000184-38.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ CARLOS DE MATOS
Advogado do(a) APELADO: MARLON AUGUSTO FERRAZ - SP135233-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000184-38.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ CARLOS DE MATOS
Advogado do(a) APELADO: MARLON AUGUSTO FERRAZ - SP135233-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Juíza Federal Convocada ANA LÚCIA IUCKER (Relatora): Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou auxílio por incapacidade temporária, sobreveio sentença de procedência do pedido, proferida nos seguintes termos:
“Diante do exposto, e pelo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a ação e o faço para condenar o réu a implantar, em favor do autor, o benefício de AUXÍLIO DOENÇA, desde o ano de 2010, com renda mensal correspondente a 100% do salário de benefício. Os juros e a correção monetária serão contabilizados na forma do resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 810).
Vencido, pagará o réu, os honorários do patrono do autor, estes ora arbitrados em 10% (dez por cento) do montante vencido.”
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, sustentando, preliminarmente, a ocorrência de coisa julgada relativamente ao processo nº 0001409-74.2009.4.03.6305. No mérito, requer a reforma da sentença, para julgar improcedente o pedido, uma vez que a parte autora não comprovara a carência. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data do laudo pericial.
Sem as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000184-38.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ CARLOS DE MATOS
Advogado do(a) APELADO: MARLON AUGUSTO FERRAZ - SP135233-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Juíza Federal Convocada ANA LÚCIA IUCKER (Relatora): Recebo o recurso de apelação, haja vista que tempestivo, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil.
Relativamente à preliminar de coisa julgada, verifica-se que o autor ajuizou o feito nº 0001409-74.2009.4.03.6305, junto ao Juizado Especial Federal Previdenciário, requerendo a concessão de auxílio por incapacidade temporária, aposentadoria por incapacidade permanente ou benefício assistencial. Realizado o laudo, concluiu o perito que o autor, portador de hipertensão arterial e osteoartrose da coluna lombo sacra, não apresentava incapacidade laborativa. Foi proferida sentença de improcedência do pedido, por ausência de incapacidade laborativa, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 08/03/2010.
O presente feito foi ajuizado em 30/06/2010, pleiteando a concessão de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente. Note-se do laudo realizado em 2015, o qual concluiu pela incapacidade total e temporária para o trabalho, que o autor alegou novas moléstias além das ortopédicas (déficit visual importante progressivo, asma bronquial e doença pulmonar obstrutiva crônica), juntando atestados médicos posteriores ao trânsito em julgado do primeiro feito. Portanto, no intervalo entre os laudos, houve agravamento das moléstias e surgimento de novas.
É necessário considerar que a ação anterior produziu efeitos em relação ao quadro clínico apresentado pela parte autora à época da propositura daquela ação. Ocorre que, em situações que envolvem benefícios por incapacidade, deve-se considerar a possibilidade de agravamento das moléstias, ou mesmo o surgimento de novas, que autorizam a parte autora a requerer novamente o benefício.
Assim, no presente caso, as conclusões do laudo pericial, em conjunto com os novos atestados médicos apresentados, indicam agravamento do quadro clínico, o que configura nova causa de pedir e novo pedido de concessão de benefício por incapacidade, de modo que não restou configurada a existência da tríplice identidade prevista no art. 337, § 2º, do CPC, qual seja a repetição da mesma ação entre as mesmas partes, contendo idêntica causa de pedir e o mesmo pedido da demanda anterior, não havendo falar em coisa julgada e extinção do feito sem resolução do mérito.
Passo, então, à análise do mérito.
Os requisitos para a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, de acordo com o artigo 42, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.213/91, são os seguintes: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento da carência, quando for o caso; 3) incapacidade insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência; 4) não serem a doença ou a lesão existente antes da filiação à Previdência Social, salvo se a incapacidade sobrevier por motivo de agravamento daquelas. Enquanto que, de acordo com os artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, o benefício de auxílio por incapacidade temporária é devido ao segurado que fica incapacitado temporariamente para o exercício de suas atividades profissionais habituais, bem como àquele cuja incapacidade, embora permanente, não seja total, isto é, haja a possibilidade de reabilitação para outra atividade que garanta o seu sustento.
Em se tratando de segurado especial, a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, afasta a sujeição à carência, desde que tal exercício tenha ocorrido em período igual ao número de meses correspondentes ao da carência do benefício pleiteado, nos termos do art. 26, inciso III, c.c. inciso I do art. 39 da Lei n° 8.213/91.
O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que "o trabalhador rural, na condição de segurado especial, faz jus não só à aposentadoria por invalidez, como também a auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão e aposentadoria por idade, isentas de carência, no valor equivalente a um salário-mínimo" (REsp n° 416658/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, j.01/04/2003, DJ 28/04/2003, p. 240).
Nos termos do artigo 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91 e de acordo com a jurisprudência consubstanciada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a comprovação do trabalho rural mediante a apresentação de início de prova documental, devendo esta ser complementada por prova testemunhal. Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Início de prova material, conforme a própria expressão o diz, não indica completude, mas sim começo de prova, princípio de prova, elemento indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
No presente feito, há início de prova material da condição de trabalhador rural da parte autora, consistente na declaração de exercício de atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apiaí em 25/03/2009, informando que o autor exerceu a atividade de “trabalhador rural comodatário produzindo individualmente”, no sítio de propriedade de Tiago Sarti Leal, no período de 2006 a 2009, sendo que o contrato de comodatário tem validade até 2011 (id 256850798 - Pág. 6/7); do instrumento particular de comodato firmado entre Tiago Sarti Leal (comodante) e o autor (comodatário), pela qual o demandante poderá explorar gleba de terra do sítio Leal no período de 03/10/2006 a 03/10/2011 (id 256850798 - Pág. 8/9), além de registro no CNIS como trabalhador rural entre 17/06/1988 e 25/09/1988.
Segundo a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tais documentos, em conjunto com a prova testemunhal colhida no curso da instrução processual, são hábeis ao reconhecimento de tempo de serviço trabalhado como rurícola, conforme revela a seguinte ementa de julgado:
"As anotações em certidões de registro civil, a declaração de produtor rural, a nota fiscal de produtor rural, as guias de recolhimento de contribuição sindical e o contrato individual de trabalho em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, todos contemporâneos à época dos fatos alegados, se inserem no conceito de início razoável de prova material." (REsp nº 280402/SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 10/09/2001, p. 427).
Ademais, sobre tais documentos, o STJ aduz que são hábeis ao reconhecimento do exercício da atividade rural desenvolvida, mas desde que sejam corroborados pela prova testemunhal "A valoração da prova testemunhal quanto à atividade que se busca reconhecer, é válida se apoiada em início razoável de prova material, assim considerados a Certidão de Casamento e o Certificado de Reservista, onde constam a respectiva profissão." (REsp nº 252535/SP, Relator Ministro Edson Vidigal, DJ 01/08/2000, p. 328).
Contudo, não houve a produção da prova oral, uma vez que não foi designada audiência de instrução e julgamento para ampliar a eficácia probatória dos documentos referentes à atividade rural exercida pela parte autora no período mencionado na petição inicial.
Ao decidir sem a observância de tal aspecto, houve violação ao direito da parte, atentando inclusive contra os princípios do contraditório e da ampla defesa insculpidos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, já que o estado do processo não permitia tal procedimento.
Desta forma, ocorreu cerceamento de defesa, devendo ser reconhecida a nulidade da sentença, determinando-se a remessa dos autos ao Juízo de origem a fim de que seja produzida a prova testemunhal e, por fim, seja prolatada nova sentença.
Neste sentido, precedentes desta Corte:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA ORAL. SENTENÇA ANULADA.
- O julgamento antecipado da lide, quando necessária a produção de provas ao deslinde da causa, implica cerceamento de defesa, ensejando a nulidade da sentença proferida.
- Sentença anulada. Apelação prejudicada.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003669-58.2022.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 01/09/2022, DJEN DATA: 08/09/2022);
“APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. COMPROVAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE CONCESSÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. AUSÊNCIA DE OITIVA DAS TESTEMUNHAS. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. PROVIMENTO.
I. A jurisprudência pátria vem entendendo que a comprovação dos requisitos de concessão da aposentadoria rural por idade (idade, condição de segurado especial e o efetivo exercício de atividade rural pelo período de carência), quando há nos autos início de prova material, pode ser corroborada por depoimentos testemunhais.
II. Constata-se que a parte autora apresentou documentos, os quais, porém, não são suficientes para a análise da procedência do pedido, sendo necessária a complementação por prova testemunhal, o que não ocorreu no caso dos autos.
III. Apesar de requerida oportunamente a produção de prova testemunhal, para a comprovação de tudo quanto alegado na exordial, não foi dada oportunidade à autora para produzi-la em audiência, ante o julgamento antecipado da lide, sem redesignação de data para realização da oitiva de testemunhas.
IV. Assim, clara está, a ocorrência do cerceamento de defesa.
V. Apelação da parte Autora provida. Sentença anulada.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6137754-66.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 03/09/2021, DJEN DATA: 08/09/2021).
Diante do exposto, REJEITO A PRELIMINAR DE COISA JULGADA E, DE OFÍCIO, DETERMINO A ANULAÇÃO DA SENTENÇA, determinando o retorno dos autos à Vara de Origem para prosseguir com a instrução do feito, notadamente com a realização de prova testemunhal e, após, ser proferido novo julgamento, FICANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO QUANTO AO MÉRITO.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE COISA JULGADA REJEITADA. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
- A ação anterior produziu efeitos em relação ao quadro clínico apresentado pela parte autora à época da propositura daquela ação. Ocorre que, em situações que envolvem benefícios por incapacidade, deve-se considerar a possibilidade de agravamento das moléstias, ou mesmo o surgimento de novas, que autorizam a parte autora a requerer novamente o benefício.
- No presente caso, as conclusões do laudo pericial, em conjunto com os novos atestados médicos apresentados, indicam agravamento do quadro clínico, o que configura nova causa de pedir e novo pedido de concessão de benefício por incapacidade, de modo que não restou configurada a existência da tríplice identidade prevista no art. 337, § 2º, do CPC, qual seja a repetição da mesma ação entre as mesmas partes, contendo idêntica causa de pedir e o mesmo pedido da demanda anterior, não havendo falar em coisa julgada e extinção do feito sem resolução do mérito.
- Segundo a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, apresentado início de prova material, corroborado pela prova testemunhal colhida no curso da instrução processual, é possível o reconhecimento de tempo de serviço trabalhado como rurícola.
- Apesar de haver início de prova material da condição de trabalhadora rural da parte autora, não houve a realização da prova oral para ampliar a eficácia probatória dos documentos referentes à alegada atividade rural.
- Não foi designada audiência de instrução e julgamento para ampliar a eficácia probatória. Ao decidir sem a observância de tal aspecto, houve violação ao direito das partes, atentando inclusive contra os princípios do contraditório e da ampla defesa, insculpidos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
- Preliminar de coisa julgada afastada. Extinção do processo de ofício, para determinar o retorno dos autos à Vara de origem para prosseguir com a instrução do feito, notadamente com a realização de prova testemunhal e, após, ser proferido novo julgamento. Apelação prejudicada quanto ao mérito.
