
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007598-05.2021.4.03.6000
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: MARCOS ANTONIO CATARINO
Advogados do(a) APELANTE: IGOR VILELA PEREIRA - MS9421-A, MARCELO FERREIRA LOPES - SP415217-A, TAMARA MARCONDES PEREIRA - MS19582-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007598-05.2021.4.03.6000
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: MARCOS ANTONIO CATARINO
Advogados do(a) APELANTE: IGOR VILELA PEREIRA - MS9421-A, MARCELO FERREIRA LOPES - MS11122-A, TAMARA MARCONDES PEREIRA - MS19582-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação proposta em 27/09/2021, que tem por objeto a concessão de auxílio-acidente ou o restabelecimento de auxílio-doença, desde a sua cessação em 28/02/2015.
O feito foi sentenciado em 18/05/2023.
Foi reconhecida a prescrição da pretensão dinamizada e julgado extinto o feito, com resolução de mérito, com apoio no artigo 487, II, do CPC.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação.
Nas razões desfiadas, aduz que não foi oportunizada manifestação das partes acerca da prescrição e que não há que se cogitar de prescrição do direito ou do fundo do direito, “mas tão somente das parcelas vencidas há mais de cinco anos, consoante já fixado pela Súmula 85/STJ” (ID 283505545). Pleiteia a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual. Subsidiariamente, requer o julgamento conforme a “teoria da causa madura”, considerando os laudos médicos acostados aos autos.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007598-05.2021.4.03.6000
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: MARCOS ANTONIO CATARINO
Advogados do(a) APELANTE: IGOR VILELA PEREIRA - MS9421-A, MARCELO FERREIRA LOPES - SP415217-A, TAMARA MARCONDES PEREIRA - MS19582-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
Pretende o autor auxílio-acidente ou auxílio-doença, a partir da cessação do auxílio-doença NB 608.246.084-0 de que desfrutou (28/02/2015).
Afiança o autor não reunir condições para o trabalho ou, quando menos, ter havido redução em sua capacidade de exercê-lo, em razão de sequelas ortopédicas decorrentes de acidente de trânsito sofrido em 05/10/2014.
Em razão disso, esteve em gozo de auxílio-doença no período compreendido entre 20/10/2014 e 28/02/2015 (ID’s 283505472, 283505473 e 283505474).
A sentença decretou a prescrição da pretensão manejada, com esteio na Lei nº 20.910/1932, e julgou extinto o feito, com resolução do mérito.
O artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932 versa sobre a prescrição quinquenal das dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios.
No entanto, o direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo (RE 626.489/SE, Rel. o Ministro Roberto Barroso, decisão de 16/10/2013).
A inferência disso é que inexiste prazo decadencial para a concessão inicial de benefício previdenciário e, no que aqui importa, o fundo do direito da mesma natureza também não prescreve. A prescrição atinge apenas as prestações que recuam além do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme disposto no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991 e Súmula nº 85 do STJ.
Perfilhando esse entendimento, colaciono precedentes do C. STJ:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRESCRIÇÃO. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO. NEGATIVA EXPRESSA DO INSS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 103 DA LEI 8.213/1991.
1. Não há prescrição do fundo de direito da parte à concessão do benefício, pois este é imprescritível, permanecendo incólume o seu direito à obtenção do auxílio-doença ou qualquer outro benefício, se comprovar que atende os requisitos legais.
2. Na hipótese dos autos, conforme se extrai do acórdão recorrido, houve negativa do benefício em 22.8.2012 e a ação foi proposta em 5.4.2018, não havendo falar em decadência, tampouco prescrição, do direito de rever o ato que indeferiu a pensão por morte.
3. Recurso Especial provido” (REsp 1803097/PE, Segunda Turma, Rel. o Min. Hermann Benjamin, j. 12/12/2023 e DJe 24/01/2024, RSTP vol. 418 p. 128).
"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SÚMULA N. 85/STJ. APLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO FIRMADO NA ADI 6.096/DF. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - O direito fundamental a benefícios previdenciários não é atingido pela prescrição de fundo de direito, sendo objeto de relação de trato sucessivo e de natureza alimentar, incidindo a prescrição somente sobre as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação. Precedentes.
III - Diante da decisão do STF na ADI 6.096/DF, não é possível inviabilizar o próprio pedido de concessão do benefício (ou de restabelecimento) em razão do transcurso de quaisquer lapsos temporais - seja decadencial ou prescricional -, de modo que a prescrição se limita apenas às parcelas pretéritas vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação, nos termos da Súmula 85/STJ. (AgInt no REsp n. 1.805.428/PB, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do Trf5), Primeira Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 25/5/2022.)
IV- Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
V- Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VI- Agravo Interno improvido” (AgInt no REsp 1957379 / CE, Rel. a Min. Regina Helena Costa, j. 05/09/2022, DJe 09/09/2022).
No mesmo sentido, referenciam-se julgados desta Nona Turma: AC nº 5007868-29.2021.4.03.6000, Rel. Des. Fed. Cristina Melo, j. 13/02/2024, DJEN 19/02/2024; AC 5001835-90.2021.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, j. 31/08/2023, DJEN 06/09/2023; AC nº 5005535-40.2021.4.03.6183, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, j. 28/06/2023, DJEN 04/07/2023).
Dessa forma, é de afastar a prescrição decretada.
A sentença, por sua vez, menciona a ausência de pedido de prorrogação do auxílio-doença na esfera administrativa.
A respeito da exigência do prévio requerimento administrativo, como condição para o regular exercício do direito de ação, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 631.240, sob o regime de repercussão geral, pacificou entendimento no sentido de que “a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise”.
No caso, o autor não demonstra haver postulado a prorrogação do auxílio-doença que está a pretender. No entanto, o instituto previdenciário articula, na contestação (ID 283505479), acirrada defesa de mérito, o que leva a concluir que da exigência da incursão administrativa, na hipótese, nenhum resultado prático adviria.
Na situação do auxílio-acidente, o aperfeiçoamento do interesse de agir não exige prévio requerimento administrativo (art. 86, §2º, da Lei nº 8.213/1991 e Tema nº 862 do STJ), uma vez que o INSS tem o poder-dever de analisar o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do auxílio-acidente no momento da cessação do auxílio-doença. Não custa ponderar que, vindo o autor de auxílio-doença cessado, o instituto previdenciário tem todas as condições de verificar, em seus guardados (perícias médicas realizadas), a situação de fato que envolve incapacidade/redução da capacidade. Sobre o assunto, já deitou entendimento esta Nona Turma: AC nº 5001809-97.2023.4.03.6115, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, j. 20/03/2024, DJEN 1º/04/2024.
Resolvidas as questões sustentadas na sentença, prossigo no julgamento.
No que tange ao auxílio-doença (art. 59 da Lei nº 8.213/91), eis os requisitos que no caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade parcial ou temporária para o exercício de atividade profissional e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou da lesão (§1º do dispositivo copiado).
Por sua vez, o auxílio-acidente, benefício de natureza indenizatória, defere-se quando provadas sequelas decorrentes de lesões consolidadas cuja origem é acidente de qualquer natureza. Aludidas lesões devem implicar redução permanente, ainda que mínima, da capacidade para o trabalho habitual do segurado (art. 86 da Lei nº 8.213/91).
Muito bem.
O compulsar dos autos revela que não houve a realização de perícia médico-judicial, com vistas a aferir a alegada incapacidade laboral ou a redução da capacidade laborativa do autor em razão do acidente.
Seja sublinhado que o autor juntou aos autos prontuários e exames médicos (ID 283505471) e laudo DPVAT (ID 283505470), datados de 2014, 2015 e 2017, a estampar que a lesão ortopédica decorrente do acidente afirmado consiste em dano anatômico e/ou funcional parcial e permanente no quadril direito, comprometendo o segmento em 50% da média (ID 283505470).
Com essa configuração, para homenagear o devido processo legal, prova pericial é indispensável à demonstração do direito sustentado.
Se é certo que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar o seu convencimento com base em outros elementos dos autos (art. 479 do CPC), menos certo não é que a existência de prova útil e pertinente é direito da parte e pressuposto para a formação do convencimento do julgador.
A ausência da aludida prova malfere, decerto, o disposto nos artigos 369 e 370, ambos do estatuto processual civil.
Nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL.PROVA TÉCNICA INDISPENSÁVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA.
- São requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) ou a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Para a concessão de benefício por incapacidade laboral faz-se necessária a comprovação, por meio de perícia médica judicial, da inaptidão do segurado para o trabalho, seja de forma temporária ou permanente, uma vez que os documentos acostados à petição inicial não se prestam a este fim.
- O julgamento de mérito sem a elaboração de prova indispensável para a apreciação do pretendido direito não satisfaz legalmente às exigências do devido processo legal.
- Inequívoco o prejuízo aos fins de justiça do processo, por cerceamento do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa.
- Sentença anulada para a realização de prova pericial e novo julgamento.
- Apelação prejudicada” (AC nº 5001855-74.2023.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, j. 18/05/2023, DJEN 24/05/2023).
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA. NECESSIDADE.
- Consoante reiteradamente decidido no âmbito desta E. Corte, tratando-se de pleito referente a benefício por incapacidade, imprescindível, para o deslinde do feito, a realização de exame médico visando aferir tal circunstância. Precedentes.
- No caso dos autos, conquanto o relatório médico apresentado pelo INSS tenha apontado a existência de incapacidade a partir de 04/02/2020, afere-se que, em períodos anteriores, sobre os quais recai a controvérsia, foi constatada, contrariamente, a inexistência de incapacidade.
- Desta feita, ante a imprescindibilidade de laudo técnico a fim de aferir o período de eventual incapacidade, de rigor a anulação da r. sentença, na forma deduzida pelo INSS, ora apelante, determinando-se que os autos retornem à instância de origem para realização de perícia médica.
- Apelação provida” (AC nº 5378852-30.2020.4.03.9999, Rel. Juíza Fed. Conv. Leila Paiva, j. 15/03/2021, DJEN 18/03/2021).
Corolário disso é a necessidade de anular-se a sentença proferida, com o retorno dos autos à vara de origem para regular instrução do feito.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do autor em ordem a afastar a prescrição proclamada e anular a r. sentença, para reabrir a instrução e viabilizar a realização de perícia médica, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DO DIREITO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-ACIDENTE OU AUXÍLIO-DOENÇA. PROVA PERICIAL NÃO REALIZADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA.
- Tratando-se de obrigação de trato sucessivo em matéria previdenciária, o fundo do direito não prescreve. A prescrição atinge apenas as prestações que recuam além do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme disposto no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991 e Súmula nº 85 do STJ. Precedentes do STJ e desta Nona Turma.
- Prescrição do fundo do direito afastada.
- Perícia médica judicial não realizada, embora necessária para aferir a alegada incapacidade laboral ou redução da capacidade para o labor habitual em decorrência de acidente de qualquer natureza.
- Perícia necessária.
- Cerceamento de defesa que se reconhece.
- Consequência disso é a necessidade de anulação da sentença proferida, com o retorno dos autos à vara de origem para regular instrução e novo julgamento.
- Apelação do autor provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
