Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003185-07.2018.4.03.6144
Relator(a)
Desembargador Federal RAECLER BALDRESCA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
08/05/2024
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 11/05/2024
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIA. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTITUIÇÃO AO
ERÁRIO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO
ATIVO DURANTE RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ CARACTERIZADA NOS AUTOS.
DEVER DE REVISÃO PERIÓDICA DOS BENEFÍCIOS. CARÁTER ALIMENTAR DAS
PRESTAÇÕES. INEXIGILIDADE DE RESTITUIÇÃO.
1. A disciplina acerca da obrigação de restituir valores ilicitamente recebidos está inserta nos
artigos 876, 884 e 927 do Código Civil, a saber: "Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não
era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional
antes de cumprida a condição. (...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa
de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo".
2. Ao que se depreende dos autos, a parte autora em 01/10/1998 teve deferido o benefício
assistencial àpessoa com deficiência sob n.110.630.838-4cessado pela autarquia previdenciária
em01/12/2014 após processo revisionalindicar irregularidade consubstanciada na assunção de
vínculos empregatícios durante o período do recebimento do benefícioconforme demonstra
extrato do CNIS anexado aos autos.
3. Processo revisional não logrou comprovara má-fé da parte autora no recebimento do benefício
assistencial, eis que o INSS fundamentou a necessidade de restituição dos valores tão somente
na existência de vínculo trabalhista ativoincompatível com a manutenção do benesse, o que, por
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
si só, não é suficiente para configurar a má-fé no caso presente.
4. Declaração emitida porempresa na qual consta que o beneficiárioocupavafunções destinadas a
portadores de deficiência corrobora a boa-fé da parte autora. Além do que, caso houvesse
deliberado intuito de fraudar a previdência, a parte autora teria recorrido a trabalhos informais a
fim de ocultar o exercício de atividade remunerada.
5. Ausência de revisão periódica dos benefícios,caráter alimentar das verbas alimentares e a boa-
fé do beneficiário constatada nos autosimpedem a restituição dos valores auferidos.
6. Recurso não provido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003185-07.2018.4.03.6144
RELATOR:Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO EDUARDO RODRIGUES PECZE
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO ALAMINO SILVA - SP246987-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003185-07.2018.4.03.6144
RELATOR:Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO EDUARDO RODRIGUES PECZE
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO ALAMINO SILVA - SP246987-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interpostopelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
(INSS) em face de sentença que julgouimprocedenteopedido de concessão de benefícios
previdenciários ao passo que decidiu pelaprocedênciado pedido de declaração de
inexigibilidade de débito cobrado pelo INSS referente a parcelas indevidas recebidas pelaparte
autora a título de benefício assistencial.
A r. sentença, acolhendo o laudo pericial que atestou a ausência de incapacidade laborativado
periciado eo não enquadramento das patologias que acometem a parte autora no conceito de
deficiência, julgou improcedentes os pedidos de concessão de auxílio-doença e de benefício
assistencial ao portador de deficiência ao passo que reconheceu a inexigibilidade da cobrança
de valores anteriormente recebidos a título de benefício assistencial eis que constatadaade boa-
fé no caso em apreço (ID 270582261).
Em suas razões recursais, sustenta a autarquia previdenciária que, a teor do disposto no Tema
979/STJ, em se tratando de erro material ou operacional, cabe ao beneficiário comprovar a boa-
fé no recebimento do benefício, o que não ocorreu no presente caso.
Aduz que "odever de restituição decorre não somente do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991, mas,
também, da conjugação dos princípios da indisponibilidade do patrimônio público, da legalidade
administrativa, da contributividade e do equilíbrio financeiro da Previdência Social e do
mandamento constitucional de reposição ao erário".
Pugna pela devolução dos valores recebidos indevidamente, em obediência à vedação ao
enriquecimento sem causa previsto nosarts.884 e 885Código Civil (ID 270582262).
Requer o recebimento do recurso em ambos os efeitos (devolutivo e suspensivo).
Com contrarrazões de recurso vieram os autos (ID 270582277).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003185-07.2018.4.03.6144
RELATOR:Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO EDUARDO RODRIGUES PECZE
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO ALAMINO SILVA - SP246987-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interpostopelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
(INSS) em face de sentença que julgouimprocedentes os pedidos de concessão de benefícios
previdenciários ao passo que decidiu pelaprocedênciado pedido de declaração de
inexigibilidade de débito cobrado pelo INSS referente a parcelas indevidas recebidas pelaparte
autora a título de benefício assistencial.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
Do efeito suspensivo
O pedido de efeito suspensivo à apelação, pugnado pelo INSS em seu recurso, tem fulcro no
artigo 1.012 do CPC e se confunde com o mérito, razão pela qual com ele será apreciado.
Da obrigação de restituir valores indevidamente recebidos
A disciplina acerca da obrigação de restituir valores ilicitamente recebidos está inserta nos
artigos 876, 884 e 927 do Código Civil, a saber:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
(...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
(...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.
Em relação aos benefícios previdenciários ou assistenciais, os valores indevidamente auferidos
são passíveis de cobrança pelo INSS, consoante o estatuído no artigo 115, inciso II, da Lei n.
8.213/91, confira-se:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido,
ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do
regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Especificamente em relação à necessidade de restituir valores relativos aos benefícios
previdenciários recebidos em razão de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no
sentido da possibilidade de desconto do valor devido em até 30% da parcela mensal do
benefício, exceto se comprovada a boa-fé, conforme tese firmada no julgamento do Recurso
Especial Representativo da Controvérsia n. REsp. 1.381.734/RN (Tema 979/STJ):
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até
30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
A tese jurídica, segundo modulação efetuada pela C. Corte Superior, é de ser aplicada aos
processos distribuídos na primeira instância a partir da publicação do acórdão em 23.4.21, de
modo que, antes dessa data não há que falar de restituição ao erário dos valores indevidamente
recebidos por se tratar de verba alimentar.
Do caso em análise
Ao que se depreende dos autos, a parte autora em 01/10/1998 teve deferido o benefício
assistencial àpessoa com deficiência sob n.110.630.838-4, cessado pela autarquia
previdenciária em01/12/2014 após processo revisionalindicar irregularidade consubstanciada na
assunção de vínculos empregatícios durante o período do recebimento do benefício, conforme
demonstra extrato do CNIS anexado aos autos (ID 270582212 - fl. 39).
Conforme apurou a autarquia previdenciária, os vínculos que gerarama irregularidade
compreendem os períodos de09/02/2009 a 01/12/2009 e 3/01/2011a 10/2014 e
somammontante devidono importe R$ 37.875,45 (ID 270582212 - fl. 46).
Apela o INSS contra a sentença que declarou a inexigibilidade do débito ante a boa-fé
verificada nos autos.
De início, registre-se que, em que pese a higidez do processo revisional, tem-se queeste não
logrou comprovara má-fé da parte autora no recebimento do benefício assistencial,o que seria
essencial para devolução dos valores recebidos.
Isso porque o INSS fundamentou a necessidade de restituição dos valores tão somente na
existência de vínculo trabalhista ativoincompatível com a manutenção do benefício, o que, por si
só, não é suficiente para caracterizar a má-fé no caso presente (ID 270582212 - fl. 45).
Frise-se que se houvesse deliberado intuito de fraudar a previdência, a parte autora teria
recorrido a trabalhos informais a fim de ocultar o exercício de atividade remunerada.
A corroborar a ausência de má-fé,merecedestaque adeclaração emitida porempresa na qual
consta que o beneficiárioocupavafunções destinadas a portadores de deficiência, nos termos do
artigo 93, da Lei nº 8.213/91(ID 270582212 - fls. 36/37) o que,conforme defesa apresentada no
processo revisional (ID 270582212 - fl. 33), o levou a concluir pela compatibilidade do exercício
da função com o recebimento do benefício.
Ademais, não pode a Autarquia previdenciária se esquivar da sua obrigação de fiscalizar a
manutenção dos requisitos que ensejaram a concessão do benefício ao segurado.
Nesse ponto, destaco que as informações acerca dos vínculos empregatícios ativos constavam
da base de dados do INSS (CNIS) e uma simples consulta a essas informações seriasuficiente
para se identificar a irregularidade e providenciar a cessação imediata do benefício.
Nesse sentido, o artigo 21 da Lei n. 8.742/1992 impõe à autarquia previdenciária o dever de,
periodicamente, reavaliar o cumprimento das condições que deram origem ao benefício.
Confira-se:
Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. (Vide Lei nº 9.720, de
30.11.1998)
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições
referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.
§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou
utilização.
§ 3o O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização
de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem
motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Incluído pela Lei nº
12.435, de 2011)
§ 4º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não
impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em
regulamento. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 5º O beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada concedido judicial ou
administrativamente poderá ser convocado para avaliação das condições que ensejaram sua
concessão ou manutenção, sendo-lhe exigida a presença dos requisitos previstos nesta Lei e
no regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)
Por fim, impendedestacar que as prestações previdenciárias, em especial as de natureza
assistencial como é o caso dos autos, possuem natureza alimentar e são, portanto, irrepetíveis
vez que essenciais à subsistência do beneficiário.
Assim sendo, de rigor a manutenção da r. sentença nos termos em que prolatada.
Da sucumbência recursal
Considerando o não provimento do recursoeo oferecimento de contrarrazões pela parte
adversa,de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a
título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na
sentença em 2 (dois) pontos percentuais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIA. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTITUIÇÃO AO
ERÁRIO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO
ATIVO DURANTE RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ CARACTERIZADA NOS AUTOS.
DEVER DE REVISÃO PERIÓDICA DOS BENEFÍCIOS. CARÁTER ALIMENTAR DAS
PRESTAÇÕES. INEXIGILIDADE DE RESTITUIÇÃO.
1. A disciplina acerca da obrigação de restituir valores ilicitamente recebidos está inserta nos
artigos 876, 884 e 927 do Código Civil, a saber: "Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe
não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida
condicional antes de cumprida a condição. (...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se
enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a
atualização dos valores monetários. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
2. Ao que se depreende dos autos, a parte autora em 01/10/1998 teve deferido o benefício
assistencial àpessoa com deficiência sob n.110.630.838-4cessado pela autarquia previdenciária
em01/12/2014 após processo revisionalindicar irregularidade consubstanciada na assunção de
vínculos empregatícios durante o período do recebimento do benefícioconforme demonstra
extrato do CNIS anexado aos autos.
3. Processo revisional não logrou comprovara má-fé da parte autora no recebimento do
benefício assistencial, eis que o INSS fundamentou a necessidade de restituição dos valores
tão somente na existência de vínculo trabalhista ativoincompatível com a manutenção do
benesse, o que, por si só, não é suficiente para configurar a má-fé no caso presente.
4. Declaração emitida porempresa na qual consta que o beneficiárioocupavafunções destinadas
a portadores de deficiência corrobora a boa-fé da parte autora. Além do que, caso houvesse
deliberado intuito de fraudar a previdência, a parte autora teria recorrido a trabalhos informais a
fim de ocultar o exercício de atividade remunerada.
5. Ausência de revisão periódica dos benefícios,caráter alimentar das verbas alimentares e a
boa-fé do beneficiário constatada nos autosimpedem a restituição dos valores auferidos.
6. Recurso não provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
