Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000126-19.2020.4.03.6341
Relator(a)
Juiz Federal CIRO BRANDANI FONSECA
Órgão Julgador
6ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
25/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 08/03/2022
Ementa
EMENTA
PROCEDIMENTO COMUM DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS – SENTENÇA
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OBSERVADAS AS PECULIARIDADES DO CASO
CONCRETO - SENTENÇA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
6ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000126-19.2020.4.03.6341
RELATOR:16º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: CACILDA DOS SANTOS MACHADO
Advogado do(a) RECORRENTE: MARIA FERNANDA ALBIERO FERREIRA RIGATTO -
SP225794-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) RECORRIDO: FABIO EDUARDO NEGRINI FERRO - SP163717-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000126-19.2020.4.03.6341
RELATOR:16º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: CACILDA DOS SANTOS MACHADO
Advogado do(a) RECORRENTE: MARIA FERNANDA ALBIERO FERREIRA RIGATTO -
SP225794-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) RECORRIDO: FABIO EDUARDO NEGRINI FERRO - SP163717-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face de sentença que decidiu a lide nos
seguintes termos:
“Trata-se de ação de conhecimento em trâmite pelo rito dos Juizados Especiais Federais,
proposta por Cacilda dos Santos Machado em face do Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS, objetivando a concessão do benefício de prestação continuada da Assistência Social ao
deficiente. Narra na inicial, em síntese, que é pessoa com deficiência e não possui meios para
prover sua subsistência nem de tê-la provida por sua família.
Juntou procuração e documentos (evento 2).
Citado, o INSS apresentou contestação, arguindo, preliminarmente, a prescrição quinquenal; no
mérito, pugnou pela improcedência do pedido (evento 29); juntou documentos (evento 30).
O MPF, intimado dos atos processuais, manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção
na demanda (eventos 23/24). É o relatório.
Fundamento e decido.
I - Preliminares
I.I - Prescrição
A prescrição, no caso vertente, em que se cuida de relação de trato continuado, não alcança o
próprio fundo de direito, mas apenas as prestações vencidas há mais de cinco anos, contados
da propositura do feito.
É aplicável, portanto, o entendimento cristalizado no enunciado de nº 85 da súmula de
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Nas relações jurídicas de trato
sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o
próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do
quinquênio anterior a propositura da ação.
In casu, não há que se falar em prescrição, como suscitado pelo réu, uma vez que não decorreu
mais de 05 anos entre o indeferimento administrativo do benefício e o ajuizamento da presente
ação (art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91).
II - Mérito
II.I - Do Benefício Assistencial
O benefício buscado pela parte autora é de índole constitucional. O benefício de prestação
continuada foi criado com o intuito de dar vazão ao princípio da dignidade da pessoa humana,
também albergado pela Carta Política. O art. 203, inciso V, da Carta Magna, estabelece que a
Assistência Social deverá ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à Seguridade Social, consistindo na garantia de um salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A Lei nº 8.742,
de 07 de abril de 1993, com as alterações promovidas pela Lei nº 12.435, de 06 de julho de
2011, em seu art. 2º, inciso I, alínea “e”, e no art. 20, garante um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
II.II - Do Núcleo Familiar
Estabeleceu-se no parágrafo 1º do indigitado dispositivo legal, o conceito de família, para o fim
nele previsto. Assim, para o caso em debate, a família é composta pelo requerente, o cônjuge
ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto. Dentro dessa perspectiva, irmãos, filhos e enteados, solteiros, mas que tenham filhos,
ainda que morem na mesma casa, não compõem a mesma família. Vale dizer, a lei previu a
possiblidade de coabitação de mais de uma família dentro da mesma casa.
II.III - Da Deficiência
O § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, com redação dada pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de
2011, conceituou pessoa com deficiência como sendo aquela que tem impedimentos de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, com interação com diversas
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade com as
demais pessoas. Com as modificações introduzidas pela Lei nº 13.146, de 2015, o § 2º do art.
20, da Lei nº 8.742/93, passou a prever como sendo pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Considera-se impedimento de
longo prazo, para os fins do § 2º do art. 20, da Lei nº 8.742/93, aquele que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 02 anos (art. 20, § 10). Sobre o tema, vale transcrever a Súmula nº 48 da C.
Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU, em sua nova
redação (alterada na sessão de julgamento de 25/04/2019, em sede de embargos de
declaração opostos nos autos do Pedilef nº 0073261-97.2014.4.03.6301; publicada no DJE nº
40, de 29/04/2019): Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada,
o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de
incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração
mínima de 2 ( dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a
data prevista para a sua cessação. Ao conceituar pessoa com deficiência, o § 2º do art. 20, da
Lei nº 8.742/93, determinou as causas da deficiência como sendo os impedimentos de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, cujos efeitos provoquem, na interação
com diversas barreiras (ou na “interação com uma ou mais barreiras”, a partir da redação dada
pela Lei nº 13.146, de 2015, ao referido artigo), a obstrução da pessoa com deficiência na
participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
E ao definir pessoa com deficiência, empregando no conceito os efeitos que a deficiência
provoca na vida da pessoa que a detém, o legislador acabou por criar antinomia entre o § 2º do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, e o caput do mesmo artigo. Criou, outrossim, descompasso entre o §
2º do art. 20 da Lei nº 8.742/ 93 com o art. 203, V, da Constituição Federal. É que tanto o art.
20, da Lei nº 8.742/93, quanto o art. 203, V, da Constituição da República, embora não
conceituem as causas da deficiência, estabelece o efeito capaz de gerar direito ao benefício de
um salário mínimo mensal, qual seja o de não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família. Ora, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida pela família é muito mais intenso do que, na interação com diversas
barreiras, ser obstruído na participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas. Noutro dizer. Não poder prover o próprio sustento e não tê-
lo provido pela família está em um nível extremo de desigualdade de condições com as demais
pessoas e atenta contra a própria sobrevivência do indivíduo. É, por assim dizer, a
consequência mais deletéria dos efeitos previstos no parágrafo 2º. Caso se siga a orientação do
§ 2º do art. 20, da Lei nº 8.742/ 93, nitidamente mais amplo do que seu caput, será devido
benefício de prestação continuada toda vez que não se observar participação plena e efetiva do
indivíduo na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, ainda que ele seja
capaz de prover o próprio sustento. Parece óbvio, entretanto, que um parágrafo não possa
ampliar as hipóteses previstas no caput do artigo de lei do qual ele é mero acessório. Vão ao
encontro desse raciocínio as determinações contidas na Lei Complementar nº 95, de 26 de
fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das
leis, em conformidade com o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal. Segundo o art.
11, inciso III, alínea “c”, desta Lei Complementar, as disposições normativas serão redigidas
com clareza, precisão e ordem lógica. E para obtenção de ordem lógica, a lei deverá expressar
por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e
as exceções à regra por este estabelecida. É por isso que a leitura do § 2º do art. 20 da Lei nº
8.742/93 deve obedecer à premissa estabelecida no art. 20 da Lei nº 8.742/93 e, sobretudo, no
art. 203, V, da Constituição da República, de que somente a privação do sustento causada pela
deficiência dá direito ao benefício. Não é por outro espírito, aliás, a disposição da Súmula nº 29
da TNU, que bem ilustra esse raciocínio (sublinhado): Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº
8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as
atividades mais elementares da pessoa, mas também a que impossibilita de prover ao próprio
sustento.
II.IV - Da Hipossuficiência Econômica
No parágrafo 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, o legislador estabeleceu presunção legal de
miserabilidade, ao afirmar que pessoa incapaz de prover o próprio sustento ou da família é
aquela, deficiente ou idosa, cuja família possua renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Adiante, o § 11 do art. 20, do mesmo Diploma Legal, com redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015, estabeleceu que para concessão do benefício assistencial, poderão ser utilizados outros
elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento. Em que pese o disposto no § 3º do art. 20, certo é que
este limite legal da renda per capita foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 567.985/MT e 580.963/PR,
basicamente por ignorar outras circunstâncias sociais que permitem o enquadramento de uma
pessoa na situação de miserabilidade requisitada pela Lei Orgânica da Assistência Social.
Segundo a Suprema Corte, a condição socioeconômica da parte autora deve ser aferida no
caso concreto. Por conseguinte, é a análise dos autos que determina se o postulante, de fato,
não possui meios de prover a própria subsistência nem de tê-la provida por sua família; para
tanto, todos os meios de prova devem ser admitidos, especialmente a elaboração de laudo
socioeconômico. Registre-se, ainda, que no julgamento da Reclamação Constitucional nº
4.374/PE, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou, de forma
incidental, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência
Social (Lei nº 8.742/93), que prevê como critério para a concessão do benefício a idosos ou
deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Entendeu-
se, naquela oportunidade, que o limite legal de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo é
apenas um critério objetivo de julgamento, que não impede o deferimento do benefício quando
se demonstrar a situação de hipossuficiência (STF – Rcl 4.374/PE, Relator Ministro Gilmar
Mendes, julgamento na data de 18/04/2013, Tribunal Pleno, acórdão eletrônico no DJe-173
divulgado em 03/ 09/2013 e publicado em 04/09/2013). Confira-se: Benefício assistencial de
prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de
Organização da Assistência Social ( LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da
República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse
concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo” . O requisito financeiro estabelecido pela lei
teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de
patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial
previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o
Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3.
Reclamação como instrumento de (re) interpretação da decisão proferida em controle de
constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do
prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de
votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a
compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar
a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do
ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF
para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos
normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle
abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito
das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre
objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para
evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a
determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de
sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-
parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão
não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias
aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios
definidos pela Lei 8.742/ 1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs
termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram
editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a
municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever
anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada
improcedente. Assim, entende-se que, verificado que a renda per capita da família não
ultrapassa o teto legal, é de se presumir, de forma absoluta, a miserabilidade. Entretanto, nada
impede que, embora ultrapassado indigitado limite, prove a parte, por outros meios, que vive em
estado de penúria. Dito de outro modo, tem-se, nos termos da jurisprudência consolidada do
Colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.112.557/MG, submetido a julgamento pelo rito
do art. 543-C do CPC/1973), que a [...] limitação do valor da renda per capita familiar não deve
ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento
objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade
quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. É nesse sentido o
entendimento adotado pela Súmula nº 11 da Turma Nacional de Uniformização de
Jurisprudência. Vale mencionar: A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 20, § 3º,
da Lei 8.742/93, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.
Idêntica é a orientação de outrora do E. STJ: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.
PREVIDENCIÁRIO. RENDA MENSAL VITALÍCIA – ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. RENDA
PER CAPITA IGUAL OU INFERIOR A UM QUARTO DO SALÁRIO MÍNIMO. MATÉRIA DE
PROVA INSUSCETÍVEL DE SER REEXAMINADA EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA Nº
7/STJ. 1. É de cunho eminentemente fático, cujo exame é de atribuição exclusiva das instâncias
ordinárias, inviável de ser apreciada em recurso especial, a teor do enunciado de nº 7 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça, a alegação do INSS de não ter aquele que pretende
receber o benefício da renda mensal mínima comprovado que os ganhos de sua família são
inferiores a um quarto do salário mínimo. 2. Esta Corte assentou o entendimento de que o
critério previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/ 93, não é único, podendo o juiz da causa
verificar o preenchimento das condições de beneficiário por outros meios de prova. 3. Agravo
regimental desprovido. (AgRg no REsp 587.758/SP, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA
TURMA, julgado em 19.12.2003, DJ 02.08.2004 p. 604) (grifos meus) Também a jurisprudência
dos Tribunais Regionais Federais da 4ª e desta 3ª Região, a saber (com grifos): AGRAVO
LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
RENDA PER CAPITA SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. UTILIZAÇÃO DE OUTROS
MEIOS PARA COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE. 1. A Lei n. 8.742/93 estabelece em seu
artigo 20 os requisitos para a concessão do benefício assistencial, quais sejam, ser pessoa
incapaz para a vida independente e para o trabalho ou pessoa idosa, bem como ter renda
familiar inferior a ¼ do salário mínimo, nos termos do parágrafo 3º, do referido artigo. 2. [...] no
entanto, a aferição da miserabilidade pode ser feita por outros meios que não a renda per capita
familiar. Desta forma, uma vez ultrapassado o limite estabelecido pela norma, é perfeitamente
possível utilizar-se de outros meios probatórios para demonstrar a carência de recursos para a
subsistência. 3. Agravo improvido. (TRF-3 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AI 16487/SP
0016487 -06.2012.4.03.0000, publicado em 22/04/2013) BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
MANDADO DE SEGURANÇA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. PESSOA
IDOSA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. RENDA FAMILIAR. ART. 20, §
3º, DA LEI 8.742/93. RELATIVIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO OBJETIVO. STJ E STF.
PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO LIVRE CONVENCIMENTO DO
JUIZ. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. IDOSO. EXCLUSÃO. 1. Embora seja inusitada a
utilização do mandado de segurança em relação a benefícios previdenciários, aqui,
excepcionalmente, é admissível tal instrumento em face de que desnecessária a dilação
probatória. Precedentes. 2. O direito ao benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição Federal e no art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois
requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) condição socioeconômica que
indique miserabilidade; ou seja, a falta de meios para prover a própria subsistência ou de tê-la
provida por sua família. 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557
representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/93, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros
meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa
humana e do livre convencimento do juiz. 4. Reconhecida pelo STF, em regime de repercussão
geral, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/ 93 (LOAS), que estabelece critério
econômico objetivo, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para
verificação da hipossuficiência familiar em sede de recursos repetitivos, tenho que cabe ao
julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de
sua família, autorizador ou não da concessão do benefício assistencial. 5. Deve ser excluído do
cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário
mínimo) percebido por idoso integrante da família. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo
único, da Lei 10.741/2003. (TRF-4 – Proc. 5002469-19.2014.404.7202, Quinta Turma, Relator
p/ Acórdão LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, juntado aos autos em 11/03/2015) Ainda
nesse ponto, de se ressaltar parte do voto do Ministro Gilmar Mendes, relator no julgamento da
já citada Reclamação 4.374/PE ajuizada perante o STF (com destaques): Com a criação do
Bolsa Família, outros programas e ações de transferência de renda do Governo Federal foram
unificados: Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação – Bolsa Escola (Lei
10.219/2001); Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA (Lei 10.689 de 2003);
Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde – Bolsa Alimentação (MP 2.206-
1/2001); Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002); Cadastramento Único do Governo
Federal (Decreto 3.811/2001). Portanto, os programas de assistência social no Brasil utilizam,
atualmente, o valor de ½ salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos
respectivos benefícios. Tal fato representa, em primeiro lugar, um indicador bastante razoável
de que o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e
mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com
o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial. Em segundo lugar,
constitui um fato revelador de que o próprio legislador vem reinterpretando o art. 203 da
Constituição da República segundo parâmetros econômico-sociais distintos daqueles que
serviram de base para a edição da LOAS no início da década de 1990. Esses são fatores que
razoavelmente indicam que, ao longo dos vários anos desde a sua promulgação, o § 3º do art.
20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização. Essa melhor interpretação foi
corroborada pela Lei nº 13.981, de 23 de março de 2020, que inovou a Lei Orgânica da
Assistência Social ao elevar o limite de rendimentos nela originalmente previsto – abaixo de ¼
–, de modo que o parâmetro de referência econômica outrora adotado pelos tribunais
superiores, para fins de benefício assistencial de prestação continuada, acabou sendo
positivado. Com efeito, a partir desse grande avanço normativo, a Lei nº 8.742/90 passou a
considerar “[...] incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo” (cf. art. 20, § 3º, na
redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.981/20 – negritado). Sobreveio, todavia, em 03/04/2020,
decisão proferida na ADPF nº 662 MC/DF, de relatoria do eminente Ministro Gilmar Mendes, do
STF, para “suspender a eficácia do art. 20, § 3º, da Lei 8.742, na redação dada pela Lei 13.981,
de 24 de março de 2020, enquanto não sobrevier a implementação de todas as condições
previstas no art. 195, § 5°, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e
ainda do art. 114 da LDO”. Mas, em 02/04/2020, foi publicada a Lei nº 13.982/20, que tornou a
fixar ¼ do salário mínimo, igual ou inferior, como limite de renda per capita para fins de
benefício assistencial, até 31/12/2020, sem, contudo, revogar expressamente a Lei nº
13.981/20; em que pese a nova alteração promovida, a Lei nº 13.982/20 não previu qual seria o
limite de rendimentos para concessão do benefício após dezembro de 2020. Tal diploma legal
também acrescentou à Lei nº 8.742/93 o art. 20-A, que flexibiliza o limite de renda para
obtenção do benefício de prestação continuada, nos seguintes termos (cf. caput): Art. 20 -A. Em
razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de
março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus ( Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no
inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 ( meio) salário-mínimo. (Incluído
pela Lei nº 13.982, de 2020) [...] No entanto, desde a edição da Medida Provisória nº 1.023, de
31 de dezembro de 2020, que entrou em vigor em 01/01/2021, o patamar “inferior a um quarto
do salário mínimo” , embora inadequado, conforme diretrizes traçadas pela jurisprudência
prevalente, eis que completamente dissociado da atual realidade socioeconômica das famílias,
voltou a ser utilizado pela LOAS, em seu art. 20, § 3º, I, como teto para aferição da
miserabilidade daquelas e daqueles que pretendam obter o amparo da Assistência Social, por
meio da garantia preconizada pelo art. 203, V, da Constituição Federal de 1988. Em razão
disso, a fim de fixar um critério destinado a conferir segurança na análise do caso concreto, à
vista do exposto, e em atenção ao posicionamento dominante dos tribunais que este juízo já
vinha admitindo, é de se entender que a renda familiar per capita a ser exigida como requisito
para concessão do benefício em tela deve ser aquela igual ou inferior a ½ salário mínimo
vigente. Com o advento do Estatuto do Idoso, vigente a partir de 31 de dezembro de 2003
(noventa dias contados da publicação, nos termos do art. 118 da Lei nº 10.741/03), o benefício
assistencial concedido a qualquer membro de família economicamente hipossuficiente não mais
é “computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS” ,
conforme disposto no parágrafo único, do art. 34, da Lei nº 10.741/03. A jurisprudência tem
estendido a aplicação da norma citada ( art. 34, § único, do Estatuto do Idoso) para as
situações em que componentes do grupo familiar percebem benefícios previdenciários no valor
mínimo, notadamente aposentadoria. Nesse sentido, calha transcrever os precedentes abaixo:
A Lei 10.741/2003, além de reduzir o requisito idade para a concessão do benefício assistencial
, dispôs no parágrafo único do art. 34 que “O benefício já concedido a qualquer membro da
família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per
capita a que se refere a Loas” . A lei outra coisa não fez senão deixar claro, em outras palavras,
que o benefício mensal de um salário mínimo, recebido por qualquer outro membro da família,
como única fonte de recursos, não afasta a condição de miserabilidade do núcleo familiar, em
cuja situação se justifica a concessão de amparo social a outro membro da família que cumpra
o requisito idade. Seria de indiscutível contra-senso se entender que o benefício mensal de um
salário mínimo, na forma da LOAS, recebido por um membro da família, não impede a
concessão de igual benefício a outro membro, ao passo que a concessão de aposentadoria por
idade, no valor de um salário mínimo, nas mesmas condições, seria obstáculo à concessão de
benefício assistencial. Se é de miserabilidade a situação da família com renda de um salário
mínimo, consistente em benefício disciplinado pela LOAS, também o é pelo Regime Geral da
Previdência Social quando o benefício recebido por um membro da família se restringir ao
mínimo legal, pois a aferição da hipossuficiência é eminentemente de cunho econômico. (TRF
da 3ª Região na Apelação Cível 836063/SP, Rel. Des. Galvão Miranda, DJ de 13/12/2004) O
legislador, ao estabelecer no parágrafo único do art. 34 da Lei n. 10.741/2003, que o benefício
de prestação continuada já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não
será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS,
teve como objetivo preservar a renda mínima auferida pelo idoso, ou seja, assegurar que o
minguado benefício (de um salário mínimo), não seja considerado para efeito do cálculo da
renda familiar per capita. Desse modo, é possível estender, por analogia, tal raciocínio aos
demais benefícios de renda mínima (aposentadoria por idade rural, por exemplo), ainda que
não seja aquele previsto na LOAS, na medida em que ambos se destinam à manutenção e à
sobrevivência da pessoa idosa, porquanto seria ilógico fazer distinção apenas porque
concedidos com base em suportes fáticos distintos. (TRF da 4ª Região na Apelação Cível
2001.71.050030197/RS, Rel. Des. Celso Kipper, DJ de 19/08/2004) É importante registrar, a
propósito do tema, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da mencionada Reclamação
Constitucional nº 4.374, firmou posicionamento pela inconstitucionalidade por omissão do
parágrafo único do art. 34, do Estatuto do Idoso, tendo em vista que o critério de restrição por
ele imposto, excluindo do cálculo da renda per capita apenas outro benefício LOAS recebido
por idoso, mostra-se anti-isonômico e sem coerência dentro do sistema, não encontrando
qualquer justificativa fática ou jurídica. Mais recentemente, o C. Superior Tribunal de Justiça, ao
julgar recurso especial representativo de controvérsia, submetido ao rito do art. 543-C do
Código de Processo Civil de 1973, decidiu no mesmo sentido. Segue ementa ( destacado):
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual
se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo,
deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal
continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial
submetido a julgamento pelo rito do artigo 543 -C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício
assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por
idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita
prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/ 93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido
à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da
Resolução STJ n. 08/2008. (REsp 1.355.052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015) Assim, no cálculo da renda per
capita, é possível a exclusão de um salário mínimo para cada membro da família do
hipossuficiente que receba benefício assistencial ou previdenciário, por idade ou invalidez.
Postos, pois, os balizamentos constitucionais e legais acerca do tema que envolve o pleito da
parte autora, cumpre verificar se há subsunção dos fatos narrados na inicial a eles.
II.V - Do Caso dos Autos
II.V.I - Da Deficiência
No laudo médico de 14/08/2020, concluiu-se que a parte autora é portadora de: “diabetes
mellitus não-insulino dependente sem complicações, dor articular, cervicalgia, dor lombar
baixa”; porém, não apresenta impedimento de longo prazo (evento 19).
A parte autora impugnou o laudo pericial, entretanto, seus argumentos não apontam nenhuma
inconsistência relevante, a ponto de conduzir a conclusão diversa do que nele consta (evento
26).
III – Dispositivo
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado, extinguindo o processo com
resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Sem custas nem
verba honorária (art. 55 da Lei nº 9.099/95 c.c. o art. 1º da Lei nº 10.259/01).
IV - Deliberações
Havendo interposição de recurso inominado, intime-se a parte recorrida para, querendo,
apresentar contrarrazões, no prazo de 10 dias. A seguir, encaminhem-se os presentes autos
para a Turma Recursal, sendo desnecessário o juízo de admissibilidade nesta instância, nos
termos do Enunciado nº 34 do FONAJEF. Sem recurso, certifique-se o trânsito em julgado.
Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se. Oficiem-se. Cumpra-se.”
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000126-19.2020.4.03.6341
RELATOR:16º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: CACILDA DOS SANTOS MACHADO
Advogado do(a) RECORRENTE: MARIA FERNANDA ALBIERO FERREIRA RIGATTO -
SP225794-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) RECORRIDO: FABIO EDUARDO NEGRINI FERRO - SP163717-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
No caso, observo que a matéria ventilada em sede recursal foi devidamente analisada pelo
juízo de primeiro grau, cujas conclusões estão em consonância com os elementos constantes
dos autos.
O art. 20, § 2º, da Lei nº. 8.742/1993, com a redação dada pela Lei nº. Lei nº. 13.146/2015,
dispõe: “Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa
com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Para semelhante fim, o rol do art. 4º do Decreto n. 3.298/1999, que regulamenta a Lei nº.
7.853/1989, relativa à Política Nacional de Portadora de Deficiência, não é exaustivo, pois cada
caso há de ser aferido em concreto, mediante a produção da prova adequada. Imprescindível,
apenas, a submissão da pessoa à perícia médica oficial (art. 20, § 6º, da Lei n. 8.742/1993).
O § 10 do art. 20 da Lei nº. 8.742/1993, incluído pela Lei nº. 12.470/2011, considera
impedimento de longo prazo aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Cabe destacar que, nos autos do PEDILEF nº. 0073261-97.2014.4.03.6301, a Turma Nacional
de Uniformização, ao julgar o Tema 173, em sede de Embargos de Declaração, em 25/04/2019,
firmou a seguinte tese:
“Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de
pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade
laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2
(dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista
para a sua cessação (tese alterada em sede de embargos de declaração).”
Outrossim, cumpre consignar que, a Súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização
estabelece que para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993, incapacidade para a vida
independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilita de prover ao próprio sustento.
Assim, para fazer jus ao benefício, não basta a miserabilidade, a pessoa deve ser portadora de
anomalias ou lesões impeditivas de sua inserção social e do exercício de suas atividades
laborativa e diária, pelo prazo mínimo de dois anos.
No caso dos autos, o laudo médico do perito judicial afirma que a autora não possui
incapacidade e/ou impedimento de longo prazo, não se enquadrando na condição de pessoa
deficiente nos termos do art. 20, § 2º, da Lei nº. 8.742/1993, conforme discussão e conclusão
que se transcreve:
“5-DISCUSSÃO
Esta discussão médico legal foi embasada única e exclusivamente nos documentos
apresentados e nos elementos obtidos durante a realização desta perícia médica.
A pericianda refere ser portadora de Diabetes mellitus não-insulinodependente sem
complicações, dor articular, Cervicalgia, Dor lombar baixa, e de acordo com declaração médica
que consta nos autos, está em tratamento regular, não sendo relatadas complicações ou
agravamentos que produzam qualquer limitação para o exercício de suas atividades habituais.
Considerações teóricas
Diabetes Mellitus (DM) é uma doença causada pela produção insuficiente ou má absorção de
insulina, hormônio que regula a glicose no sangue e garante energia para o organismo. A
insulina é um hormônio que tem a função de quebrar as moléculas de glicose(açúcar)
transformando-a em energia para manutenção das células do nosso organismo. O DM tipo 2
ocorre quando o corpo não aproveita adequadamente a insulina produzida. A causa do diabetes
tipo 2 está diretamente relacionado ao sobrepeso, sedentarismo, triglicerídeos elevados,
hipertensão. É hábitos alimentares inadequados. O tratamento do Diabetes tipo 2 consiste em
identificar o grau de necessidade de cada pessoa e indicar, conforme cada caso, os seguintes
medicamentos/técnicas disponíveis. Para tratar o diabetes, o Sistema Único de Saúde (SUS)
oferece medicamentos de graça. São seis medicamentos financiados pelo Ministério da Saúde
e liberados nas farmácias credenciadas. Além disso, os pacientes portadores da doença são
acompanhados pela Atenção Básica e a obtenção do medicamento para o tratamento tem sido
fundamental para reduzir os desfechos mais graves da doença O diabetes, quando não tratado
corretamente, pode evoluir para formas mais graves e apresentar diversas complicações tais
como: Neuropatia Diabética, Doença renal, pé diabético, alterações oculares (retinopatia,
catarata e glaucoma), alterações vasculares e amputações.
Lombalgia: lombalgia é a dor que ocorre na região lombar inferior. A lombalgia e classificado
com crônica quando a duração é maior do que 12 semanas. A diferença entre a lombalgia
aguda e crônica é o tempo de evolução e isso pode influenciar inclusive no diagnóstico da
causa dessa dor. São sinais de alerta: Dores noturnas; Irradiação da dor lombar para membro
inferior, seguindo a topografia da raiz acometida, típico das radiculopatias compressivas; Dores
contínuas e associadas à mudança postural estão mais relacionadas a distúrbios
musculoesqueléticos; Rigidez matinal pode sugerir espondiloartropatia; Dor que piora ao longo
do dia pode sugerir compressão radicular, e a presença de um ou mais Sintomas associados:
Febre, distúrbios motores e alteração de sensibilidade em membros inferiores, incontinência
fecal e/ou retenção urinária; perda ponderal. Dor lombar inespecífica: corresponde a grande
maioria dos casos de dores lombares. Compreende o grupo de pacientes cuja sintomatologia
não sugere compressão radicular e não sugere doenças mais graves (infecção, neoplasia e
outros), ou seja, na ausência de sinais de alarme. Atribui-se os sintomas a dor
musculoesquelética, que tende a desaparecer em poucas semanas (em geral em menos de 4
semanas).Queixas de artralgias exclusivamente na região coluna baseadas presença de
osteófitos, diminuição corpos vertebrais e alterações decorrentes idade em exames
complementares, sem limitações mobilidade ou força, ou comprometimentos pelo desgaste
crônico, não configura incapacidade laborativa. A descrição de forte intensidade de dor, a
presença de relatos de irradiação para membros inferiores não são indicativos absolutos de
diminuição da capacidade ou incapacidade laborativa ou funcional, e sim a presença de sinais
inflamatórios e restritivos, e sinais clínicos de radiculopatias com comprometimentos de força e
amplitude de movimento.
Cervicalgia: A dor cervical é muito comum e geralmente auto-limitada, os sintomas costumam
melhorar em poucos dias ou semanas. São considerados sinais de alerta: traumatismo
(acidentes), dor aguda não relacionada a trauma, dor intensa, dor noturna, fraqueza nos braços
ou nas pernas, formigamento ou diminuição da sensibilidade nos braços ou nas pernas,
associação com outros sintomas: febre, perda de peso, cansaço.
Na maioria dos casos a dor cessa espontaneamente, ou seja, o episódio agudo de dor passa
com o tempo, porém alguns casos podem se tornar crônicos, durando até mais de três meses.
Esta afecção é bastante comum atualmente, devido aos vários fatores presentes no estilo de
vida contemporâneo, por isso atinge mais às pessoas na idade adulta, de ambos os sexos,
embora os dados epidemiológicos apontem que acomete mais às mulheres do que aos
homens.
Não há elementos na documentação médica apresentada que nos permitam apontar a data de
início da doença e se houve progressão das doenças alegadas. Durante a avaliação pericial,
não foi evidenciado sinais indicativos de gravidade ou comprometimento neurológico
relacionados a lombalgia ou cervicalgia. Não há elementos na documentação médica
apresentada que comprovem a presença de complicações relacionadas ao Diabetes Mellitus
tipo 2. A pericianda em questão não apresenta ao exame físico repercussões funcionais
incapacitantes que a impeçam de realizar suas atividades laborais habituais. No caso em
questão não há sinais objetivos de incapacidade ou limitação que pudessem ser constatados
nesta perícia e impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho habitual.
6- CONCLUSÃO
Com base os elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se que: Durante esta avaliação
pericial não foi constatada a presença de incapacidade ou limitação para desempenho das
atividades da vida diária e do trabalho habitual.”
Cabe destacar que a prova pericial foi produzida por profissional de confiança do juízo, que, ao
contrário dos médicos particulares que prestam serviços para as partes, é dotado de
imparcialidade, sendo equidistante dos litigantes.
Ademais, não há motivo para afastar as conclusões do perito. Não há nada a infirmá-las, de
igual modo como não se verificam obscuridades no laudo. De sua parte, também não há
contradição entre as informações constantes do laudo de modo a ensejar dúvidas quanto a
este.
Somente sendo possível inferir a aludida incapacidade mediante prova técnica, não deve o juiz
afastar-se da conclusão do laudo, salvo se existirem elementos que o contrariem ou, ainda,
aconselhem sua consideração dentro de contexto mais amplo, o que não é o caso.
Saliente-se que os documentos e alegações da parte autora não foram capazes de alterar o
resultado da conclusão pericial.
Ausente a deficiência, fica prejudicada a análise da miserabilidade.
Assim, não merece nenhum reparo a sentença recorrida, que resta confirmada pelos próprios
fundamentos.
A esse respeito, ressalte-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou
entendimento no sentido de que a adoção dos fundamentos contidos na sentença pela Turma
Recursal não contraria o art. 93, IX, da Constituição Federal, in verbis:
“EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS
FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil.
2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão
aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX ,da
Constituição do Brasil.
Agravo Regimental a que se nega provimento.” (AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª
Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008).
No mesmo sentido, não há que se falar em ofensa ao art. 489, § 1º, do Código de Processo
Civil (Lei nº 13.105/2015), uma vez que sua aplicação é subsidiária no âmbito dos Juizados
Especiais.
Anote-se, a propósito, dispor o § 5º do art. 82 da Lei nº 9.099/95, que “se a sentença for
confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”.
Ante o exposto, com fulcro no art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº
10.259/2001, nego provimento ao recurso e mantenho a sentença recorrida por seus próprios
fundamentos.
Tendo em vista a existência de disposição específica na Lei nº 9.099/95, não se aplicam
subsidiariamente as disposições contidas no art. 85 da Lei nº 13.105/2015, razão pela qual
condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por
cento) do valor atribuído à causa atualizado, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95, com a
ressalva de que nas hipóteses em que foi concedido benefício de assistência judiciária gratuita,
ou em que tal pedido ainda não foi apreciado e deve ser deferido pela simples alegação da
parte de que não tem condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado,
sem prejuízo próprio ou de sua família, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso
nos termos do § 3º do art. 98 do Código de Processo Civil.
É como voto.
EMENTA
PROCEDIMENTO COMUM DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS – SENTENÇA
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OBSERVADAS AS PECULIARIDADES DO CASO
CONCRETO - SENTENÇA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma
Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade,
negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
