Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0019056-71.2016.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/03/2022
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. AMPARO SOCIAL AO
DEFICIENTE. RETORNO VOLUNTÁRIO AO TRABALHO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO
INSS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. POSSIBILIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO
SEM CAUSA. PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA PREVIDÊNCIA.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO.
GRATUIDADE DA JUSTIÇA. RECURSO DO RÉU PREJUDICADO.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 – In casu, o réu usufruiu do amparo social ao deficiente no período de 06/10/2003 a 01/07/2012
(NB 131.517.698-8). Todavia, em auditoria interna, o INSS constatou irregularidades na
manutenção do benefício, uma vez que o demandado exerceu atividade laboral voluntariamente,
nas seguintes empresas: FAME - FÁBRICA DE APARELHOS E MATERIAL ELÉTRICO LTDA.,
de 02/02/2004 a 01/03/2004; ADP BRASIL LTDA., de 23/04/2008 a 01/07/2010, e ASSOCIAÇÃO
AMIGOS DO PROJETO GURI, desde 01/04/2011 (ID 50309590 - p. 26).
7 - Por conseguinte, foi enviada notificação ao segurado em 13/02/2012, para que ele
apresentasse defesa e, posteriormente, para que ele quitasse o débito previdenciário de R$
35.069,06 (trinta e cinco mil, sessenta e nove reais e seis centavos), relativo às prestações do
LOAS recebidas no período de 01/02/2007 a 30/06/2012 (ID 50309590 - p. 30 e 41).
8 - Inicialmente, cumpre ressaltar que é dever do titular do benefício assistencial comunicar ao
INSS o retorno voluntário ao trabalho, nos termos do artigo 49 do Decreto n. 6.214/2007, com a
redação vigente na época dos fatos.
9 - Ademais, até o leigo tem plena consciência de que o benefício assistencial concedido ao
deficiente visa ampará-lo enquanto perdurarem sua incapacidade e condição de miserabilidade.
Assim, não constitui erro escusável o recebimento de prestação assistencial sabidamente
indevida, ao mesmo tempo, em que é remunerado pelo trabalho habitual, razão pela qual não
pode ser acolhida a alegação de boa-fé. Precedentes.
10 - Por derradeiro, não se pode cogitar de mero erro administrativo no caso vertente, uma vez
que o beneficiário concorreu decisivamente para o cometimento do ilícito que ensejou o débito
previdenciário, já que ocultou dolosamente o restabelecimento de sua capacidade laboral.
11 - De fato, embora a avaliação da hipossuficiência requeira um exame mais aprofundado do
contexto socioeconômico do beneficiário do LOAS, mediante a realização de pesquisa social por
profissional especializado, não se limitando, portanto, apenas à verificação do atendimento ao
critério previsto no artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, o mesmo não ocorre com relação ao
restabelecimento da capacidade laboral, que pode ser constatado prima facie pelo próprio titular
do amparo social, sobretudo em situações como a dos autos, em que o réu reingressou no
mercado de trabalho e assim permaneceu por vários anos sucessivos, sem mencionar tal fato à
Administração Pública.
12 - A ausência de revisão bienal da prestação pelo INSS, por óbvio, não tornaria escusável o
fato de o beneficiário receber remuneração advinda do trabalho e, ao mesmo tempo, usar os
recursos do LOAS como mera complementação de renda, quando este último sabia que tal
prestação estava vinculada a sua impossibilidade de trabalhar.
13 - Exigir a existência de uma perícia médica prévia, que concluí-se pelo restabelecimento da
capacidade laboral, como condição sine qua non para a repetibilidade dos valores recebidos
indevidamente, quando tal circunstância poderia ser constatada por qualquer pessoa leiga - já
que o autor estava trabalhando -, seria se apegar a um formalismo excessivo, subvertendo a
finalidade dos próprios ritos burocráticos na Administração Pública - que foram criados para
garantir a racionalidade e a impessoalidade na tomada das decisões administrativas e não para
servirem de subterfúgio para obstar a reparação de atos ilícitos.
14 - Desse modo, em casos de flagrante ilegalidade como é o dos autos, em que sequer se pode
cogitar de boa-fé do segurado - já que a irregularidade era evidente até para ele,
independentemente da realização, ou não, de perícia médica -, não há falar em erro
administrativo por falta de revisão bienal do benefício.
15 - Cumpre ainda salientar que as decisões do Poder Judiciário possuem independência em
relação àquelas tomadas pela Administração Pública, de modo que a mera qualificação de "erro
administrativo" em tela do CNIS/DATAPREV, atribuído por servidor do órgão, por óbvio, não pode
vincular o magistrado no exercício da jurisdição, sobretudo quando a qualificação jurídica de tal
fato é o próprio cerne da controvérsia discutida nesses autos. Assim, repise-se, constatada a
concorrência do beneficiário para a prática do ilícito, não há como equiparar o pagamento
indevido do benefício a mero erro administrativo.
16 - Em decorrência, a condenação do réu na restituição dos valores por ele recebidos
indevidamente, a título de amparo social ao deficiente, no período de 01/02/2007 a 30/06/2012, é
medida que se impõe.
17 - A correção monetária dos valores a serem restituídos deverá ser calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação
da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF,
sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de
variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
18 - Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
19 - A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de
atualização monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo
pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia
(SELIC), acumulado mensalmente.
20 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenado o réu no ressarcimento das despesas
processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do
disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do
CPC.
21 - Apelação do INSS parcialmente provida. Recurso do réu prejudicado. Sentença reformada.
Ação julgada parcialmente procedente. Inversão dos ônus sucumbenciais, com suspensão de
efeitos.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0019056-71.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCOS GONCALVES
APELADO: MARCOS GONCALVES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0019056-71.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCOS GONCALVES
APELADO: MARCOS GONCALVES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e
por MARCOS GONÇALVES, em ação ajuizada por este último, objetivando o ressarcimento ao
erário de valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial.
A r. sentença, prolatada em 27/04/2018, julgou improcedente o pedido deduzido na inicial.
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, sustentando, em síntese,
ser possível a cobrança dos valores pagos indevidamente aos segurados, nos termos do artigo
115, II, da Lei n. 8.213/91. No mais, afirma que a boa-fé objetiva do segurado ou o caráter
alimentar dos benefícios previdenciários não tornam, por si só, tais verbas irrepetíveis.
O réu, por sua vez, em seu recurso, postula a condenação da Autarquia Previdenciária no
pagamento de honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública da União.
Devidamente processados os recursos, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este
Tribunal Regional Federal.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal, em seu parecer, sugere o desprovimento da
apelação do INSS e o prosseguimento do feito em relação ao recurso do réu.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0019056-71.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCOS GONCALVES
APELADO: MARCOS GONCALVES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente, a título de benefício assistencial,
na seara administrativa.
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
871, de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e
o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de
benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o
equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os
demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
In casu, o réu usufruiu do amparo social ao deficiente no período de 06/10/2003 a 01/07/2012
(NB 131.517.698-8). Todavia, em auditoria interna, o INSS constatou irregularidades na
manutenção do benefício, uma vez que o demandado exerceu atividade laboral
voluntariamente, nas seguintes empresas: FAME - FÁBRICA DE APARELHOS E MATERIAL
ELÉTRICO LTDA., de 02/02/2004 a 01/03/2004; ADP BRASIL LTDA., de 23/04/2008 a
01/07/2010, e ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO PROJETO GURI, desde 01/04/2011 (ID 50309590 -
p. 26).
Por conseguinte, foi enviada notificação ao segurado em 13/02/2012, para que ele
apresentasse defesa e, posteriormente, para que ele quitasse o débito previdenciário de R$
35.069,06 (trinta e cinco mil, sessenta e nove reais e seis centavos), relativo às prestações do
LOAS recebidas no período de 01/02/2007 a 30/06/2012 (ID 50309590 - p. 30 e 41).
Historiados os fatos, deve ser acolhido o pleito autárquico de restituição dos valores recebidos
pelo réu.
Inicialmente, cumpre ressaltar que é dever do titular do benefício assistencial comunicar ao
INSS o retorno voluntário ao trabalho, nos termos do artigo 49 do Decreto n. 6.214/2007, com a
redação vigente na época dos fatos, in verbis:
"Art.49.A falta de comunicação de fato que implique a cessação do Benefício de Prestação
Continuada e a prática, pelo beneficiário ou terceiros, de ato com dolo, fraude ou má-fé,
obrigará a tomada das medidas jurídicas necessárias pelo INSS visando à restituição das
importâncias recebidas indevidamente, independentemente de outras penalidades legais" (g.
n.).
Ademais, até o leigo tem plena consciência de que o benefício assistencial concedido ao
deficiente visa ampará-lo enquanto perdurarem sua incapacidade e condição de miserabilidade.
Assim, não constitui erro escusável o recebimento de prestação assistencial sabidamente
indevida, ao mesmo tempo, em que é remunerado pelo trabalho habitual, razão pela qual não
pode ser acolhida a alegação de boa-fé.
Aliás, esse é o entendimento consolidado no C. Superior Tribunal de Justiça, conforme se infere
dos seguintes precedentes que trago à colação firmados em casos análogos:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SEGURADO QUE VOLTA A
TRABALHAR. CUMULAÇÃO INDEVIDA. DEVOLUÇÃO. SUSTENTABILIDADE DO REGIME
DE PREVIDÊNCIA. DEVER DE TODOS. CLÁUSULA GERAL DE BOA-FÉ. REPETIBILIDADE.
1. Trata-se de Recurso Especial em que a autarquia previdenciária pretende a devolução dos
valores pagos a título de aposentadoria por invalidez a segurado que voltou a trabalhar.
2. A aposentadoria por invalidez consiste em benefício pago aos segurados do Regime Geral
de Previdência social para a cobertura de incapacidade total e temporalmente definitiva para o
trabalho, tendo, portanto, caráter substitutivo da renda. O objetivo da proteção previdenciária é,
pois, garantir o sustento do segurado que não pode trabalhar.
3. O art. 42 da Lei 8.213/1991 estabelece que a aposentadoria por invalidez será paga ao
segurado total e definitivamente incapacitado "enquanto permanecer nesta condição". Já o art.
46 da Lei 8.213/1991 preceitua que "o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à
atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno".
4. A sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social brasileiro é frequentemente
colocada em debate, devendo, desse contexto sensível, não somente exsurgir as soluções
costumeiras de redução de direitos e aumento da base contributiva. Também deve aflorar a
maior conscientização social tanto do gestor, no comprometimento de não desvio dos recursos
previdenciários, e do responsável tributário, pelo recolhimento correto das contribuições, quanto
dos segurados do regime no respeito à cláusula geral de boa-fé nas relações jurídicas,
consubstanciada na responsabilidade social de respeito aos comandos mais básicos oriundos
da legislação, como o aqui debatido: quem é incapaz para o trabalho, como o aposentado por
invalidez, não pode acumular o benefício por incapacidade com a remuneração do trabalho.
5. Admitir exceções a uma obrigacão decorrente de comando legal expresso que define o limite
de uma cobertura previdenciária, passível de compreensão pelo mais leigo dos cidadãos,
significa transmitir a mensagem de que se pode sugar tudo do Erário, por mais ilegal que seja,
já que para o Estado não é preciso devolver aquilo que foi recebido ilegalmente. Em uma era de
debates sobre apropriação ilegal de recursos públicos e seus níveis, essa reflexão é
imensamente simbólica para que se passe a correta mensagem a toda a sociedade.
6. Sobre a alegação da irrepetibilidade da verba alimentar, está sedimentado no STJ o
entendimento de que a aplicação dessa compreensão pressupõe a boa-fé objetiva, concernente
na constatação de que o receptor da verba alimentar compreendeu como legal e definitivo o
pagamento. A propósito: MS 19.260/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe
11/12/2014.
7. Conforme fixado no precedente precitado, "descabe ao receptor da verba alegar que
presumiu o caráter legal do pagamento em hipótese de patente cunho indevido, como, por
exemplo, no recebimento de auxílio-natalidade (art. 196 da Lei 8.112/1990) por servidor público
que não tenha filhos".
8. Tal entendimento aplica-se perfeitamente ao presente caso, pois não há como presumir, nem
pelo mais leigo dos segurados, a legalidade do recebimento de aposentadoria por invalidez com
a volta ao trabalho, não só pela expressa disposição legal, mas também pelo raciocínio básico
de que o benefício por incapacidade é indevido se o segurado se torna novamente capaz para o
trabalho.
9. No mesmo sentido do que aqui decidido: "1. Em exame, os efeitos para o segurado, do não
cumprimento do dever de comunicação ao Instituto Nacional do Seguro Social de seu retorno
ao trabalho, quando em gozo de aposentadoria por invalidez. 2. Em procedimento de revisão do
benefício, a Autarquia previdenciária apurou que o segurado trabalhou junto à Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no período de 04/04/2001 a 30/09/2007 (fls. 379 e fls.
463), concomitante ao recebimento da aposentadoria por invalidez no período de 26/5/2000 a
27/3/2007, o que denota clara irregularidade 3. A Lei 8.213/1991 autoriza expressamente em
seu artigo 115, II, que valores recebidos indevidamente pelo segurado do INSS sejam
descontados da folha de pagamento do benefício em manutenção. 4.
Pretensão de ressarcimento da Autarquia plenamente amparada em lei." REsp 1454163/RJ,
Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015.
10. Recurso Especial provido."
(REsp 1554318/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
02/06/2016, DJe 02/09/2016)
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
PROCEDIMENTO REVISIONAL DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. CONSTATAÇÃO DE
RETORNO DO SEGURADO À ATIVIDADE LABORATIVA. DEVOLUÇÃO DE VALORES AO
ERÁRIO. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Em exame, os efeitos para o segurado, do não cumprimento do dever de comunicação ao
Instituto Nacional do Seguro Social de seu retorno ao trabalho, quando em gozo de
aposentadoria por invalidez.
2. Em procedimento de revisão do benefício, a Autarquia previdenciária apurou que o segurado
trabalhou junto à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no período de
04/04/2001 a 30/09/2007 (fls. 379 e fls. 463), concomitante ao recebimento da aposentadoria
por invalidez no período de 26/5/2000 a 27/3/2007, o que denota clara irregularidade
3. A Lei 8.213/1991 autoriza expressamente em seu artigo 115, II, que valores recebidos
indevidamente pelo segurado do INSS sejam descontados da folha de pagamento do benefício
em manutenção.
4. Pretensão de ressarcimento da Autarquia plenamente amparada em lei.
5. Recurso conhecido e não provido."
(REsp 1454163/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado
em 15/12/2015, DJe 18/12/2015)
No mesmo sentido, cito julgado deste Egrégio Tribunal:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO.
RETORNO VOLUNTÁRIO AO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE.
POSSIBILIDADE DE DESCONTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Compulsando os autos, verifico que foi concedida aposentadoria por invalidez ao autor, em
19/12/2003, por ser portador de "outros transtornos mentais devidos a lesão e disfunção
cerebral e a doença física", CID 10 F06.
- Após revisão administrativa, no ano de 2007, o INSS constatou a cessação da incapacidade
em 06/08/2004. Ademais, conforme documentos juntados aos autos, verifica-se o retorno
voluntário do autor ao trabalho, atuando como advogado em inúmeros processos, no período de
2004 a 2007.
- No caso dos autos, o ora recorrente, enquanto recebia benefício por incapacidade, passou a
exercer atividade remunerada na qualidade de advogado, atuando em diversos processos,
conforme comprovam as consultas realizadas nos sítios eletrônicos do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo e do Diário Oficial do Estado de São Paulo.
- Assim, não se justifica a manutenção do benefício, cuja finalidade é a proteção social do
segurado acometido de incapacidade total e permanente para o trabalho.
- Diante disso, devem ser devolvidos os valores indevidamente recebidos, sob pena de ofensa
ao princípio da moralidade e a fim de evitar o enriquecimento sem causa e o locupletamento
indevido do autor em prejuízo dos cofres públicos.
- Assim, tendo em vista que o autor atualmente é beneficiário de aposentadoria por tempo de
contribuição, nada obsta o desconto dos pagamentos efetuados indevidamente pela Autarquia,
nos termos do art. 115 da LBPS. Contudo, esse desconto deve ser efetuado em percentual que
não reduza o benefício a valor inferior ao mínimo legal e tampouco supere a 30% do valor do
benefício em manutenção, nos termos do artigo 154 do Decreto nº 3.048/99.
- A verba honorária deve ser fixada em 10% sobre o valor da causa.
- Apelação provida. Tutela antecipada cassada."
(TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1679868 - 0008542-
22.2008.4.03.6106, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, julgado em
03/04/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2017)
Por derradeiro, não se pode cogitar de mero erro administrativo no caso vertente, uma vez que
o beneficiário concorreu decisivamente para o cometimento do ilícito que ensejou o débito
previdenciário, já que ocultou dolosamente o restabelecimento de sua capacidade laboral.
De fato, embora a avaliação da hipossuficiência requeira um exame mais aprofundado do
contexto socioeconômico do beneficiário do LOAS, mediante a realização de pesquisa social
por profissional especializado, não se limitando, portanto, apenas à verificação do atendimento
ao critério previsto no artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, o mesmo não ocorre com relação ao
restabelecimento da capacidade laboral, que pode ser constatado prima facie pelo próprio titular
do amparo social, sobretudo em situações como a dos autos, em que o réu reingressou no
mercado de trabalho e assim permaneceu por vários anos sucessivos, sem mencionar tal fato à
Administração Pública.
A ausência de revisão bienal da prestação pelo INSS, por óbvio, não tornaria escusável o fato
de o beneficiário receber remuneração advinda do trabalho e, ao mesmo tempo, usar os
recursos do LOAS como mera complementação de renda, quando este último sabia que tal
prestação estava vinculada a sua impossibilidade de trabalhar.
Exigir a existência de uma perícia médica prévia, que concluí-se pelo restabelecimento da
capacidade laboral, como condição sine qua non para a repetibilidade dos valores recebidos
indevidamente, quando tal circunstância poderia ser constatada por qualquer pessoa leiga - já
que o autor estava trabalhando -, seria se apegar a um formalismo excessivo, subvertendo a
finalidade dos próprios ritos burocráticos na Administração Pública - que foram criados para
garantir a racionalidade e a impessoalidade na tomada das decisões administrativas e não para
servirem de subterfúgio para obstar a reparação de atos ilícitos.
Desse modo, em casos de flagrante ilegalidade como é o dos autos, em que sequer se pode
cogitar de boa-fé do segurado - já que a irregularidade era evidente até para ele,
independentemente da realização, ou não, de perícia médica -, não há falar em erro
administrativo por falta de revisão bienal do benefício.
Cumpre ainda salientar que as decisões do Poder Judiciário possuem independência em
relação àquelas tomadas pela Administração Pública, de modo que a mera qualificação de "erro
administrativo" em tela do CNIS/DATAPREV, atribuído por servidor do órgão, por óbvio, não
pode vincular o magistrado no exercício da jurisdição, sobretudo quando a qualificação jurídica
de tal fato é o próprio cerne da controvérsia discutida nesses autos. Assim, repise-se,
constatada a concorrência do beneficiário para a prática do ilícito, não há como equiparar o
pagamento indevido do benefício a mero erro administrativo.
Em decorrência, a condenação do réu na restituição dos valores por ele recebidos
indevidamente, a título de amparo social ao deficiente, no período de 01/02/2007 a 30/06/2012,
é medida que se impõe.
A correção monetária dos valores a serem restituídos deverá ser calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento
proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº
870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do
mencionado pronunciamento.
Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência
dominante.
A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de atualização
monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo
pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia
(SELIC), acumulado mensalmente.
Os honorários advocatícios devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado
da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação
de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência
judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50,
reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Ante o exposto, julgo prejudicado o recurso do réu e dou parcial provimento à apelação do
INSS, para reformar a sentença e julgar procedente a ação, para determinar a restituição dos
valores recebidos pelo demandado indevidamente, a título de amparo social ao deficiente, no
período de 01/02/2007 a 30/06/2012, acrescidos de correção monetária calculada de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e de juros de mora fixados de acordo com o mesmo Manual, sendo que a partir da
promulgação da EC nº 113/2021 haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento,
do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC),
acumulado mensalmente, bem como de honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade desta última verba suspensa por
5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a
concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º,
e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. AMPARO SOCIAL AO
DEFICIENTE. RETORNO VOLUNTÁRIO AO TRABALHO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO
INSS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. POSSIBILIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO
SEM CAUSA. PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA
PREVIDÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS
PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO
SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. RECURSO DO RÉU PREJUDICADO.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 – In casu, o réu usufruiu do amparo social ao deficiente no período de 06/10/2003 a
01/07/2012 (NB 131.517.698-8). Todavia, em auditoria interna, o INSS constatou
irregularidades na manutenção do benefício, uma vez que o demandado exerceu atividade
laboral voluntariamente, nas seguintes empresas: FAME - FÁBRICA DE APARELHOS E
MATERIAL ELÉTRICO LTDA., de 02/02/2004 a 01/03/2004; ADP BRASIL LTDA., de
23/04/2008 a 01/07/2010, e ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO PROJETO GURI, desde 01/04/2011
(ID 50309590 - p. 26).
7 - Por conseguinte, foi enviada notificação ao segurado em 13/02/2012, para que ele
apresentasse defesa e, posteriormente, para que ele quitasse o débito previdenciário de R$
35.069,06 (trinta e cinco mil, sessenta e nove reais e seis centavos), relativo às prestações do
LOAS recebidas no período de 01/02/2007 a 30/06/2012 (ID 50309590 - p. 30 e 41).
8 - Inicialmente, cumpre ressaltar que é dever do titular do benefício assistencial comunicar ao
INSS o retorno voluntário ao trabalho, nos termos do artigo 49 do Decreto n. 6.214/2007, com a
redação vigente na época dos fatos.
9 - Ademais, até o leigo tem plena consciência de que o benefício assistencial concedido ao
deficiente visa ampará-lo enquanto perdurarem sua incapacidade e condição de miserabilidade.
Assim, não constitui erro escusável o recebimento de prestação assistencial sabidamente
indevida, ao mesmo tempo, em que é remunerado pelo trabalho habitual, razão pela qual não
pode ser acolhida a alegação de boa-fé. Precedentes.
10 - Por derradeiro, não se pode cogitar de mero erro administrativo no caso vertente, uma vez
que o beneficiário concorreu decisivamente para o cometimento do ilícito que ensejou o débito
previdenciário, já que ocultou dolosamente o restabelecimento de sua capacidade laboral.
11 - De fato, embora a avaliação da hipossuficiência requeira um exame mais aprofundado do
contexto socioeconômico do beneficiário do LOAS, mediante a realização de pesquisa social
por profissional especializado, não se limitando, portanto, apenas à verificação do atendimento
ao critério previsto no artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, o mesmo não ocorre com relação ao
restabelecimento da capacidade laboral, que pode ser constatado prima facie pelo próprio titular
do amparo social, sobretudo em situações como a dos autos, em que o réu reingressou no
mercado de trabalho e assim permaneceu por vários anos sucessivos, sem mencionar tal fato à
Administração Pública.
12 - A ausência de revisão bienal da prestação pelo INSS, por óbvio, não tornaria escusável o
fato de o beneficiário receber remuneração advinda do trabalho e, ao mesmo tempo, usar os
recursos do LOAS como mera complementação de renda, quando este último sabia que tal
prestação estava vinculada a sua impossibilidade de trabalhar.
13 - Exigir a existência de uma perícia médica prévia, que concluí-se pelo restabelecimento da
capacidade laboral, como condição sine qua non para a repetibilidade dos valores recebidos
indevidamente, quando tal circunstância poderia ser constatada por qualquer pessoa leiga - já
que o autor estava trabalhando -, seria se apegar a um formalismo excessivo, subvertendo a
finalidade dos próprios ritos burocráticos na Administração Pública - que foram criados para
garantir a racionalidade e a impessoalidade na tomada das decisões administrativas e não para
servirem de subterfúgio para obstar a reparação de atos ilícitos.
14 - Desse modo, em casos de flagrante ilegalidade como é o dos autos, em que sequer se
pode cogitar de boa-fé do segurado - já que a irregularidade era evidente até para ele,
independentemente da realização, ou não, de perícia médica -, não há falar em erro
administrativo por falta de revisão bienal do benefício.
15 - Cumpre ainda salientar que as decisões do Poder Judiciário possuem independência em
relação àquelas tomadas pela Administração Pública, de modo que a mera qualificação de "erro
administrativo" em tela do CNIS/DATAPREV, atribuído por servidor do órgão, por óbvio, não
pode vincular o magistrado no exercício da jurisdição, sobretudo quando a qualificação jurídica
de tal fato é o próprio cerne da controvérsia discutida nesses autos. Assim, repise-se,
constatada a concorrência do beneficiário para a prática do ilícito, não há como equiparar o
pagamento indevido do benefício a mero erro administrativo.
16 - Em decorrência, a condenação do réu na restituição dos valores por ele recebidos
indevidamente, a título de amparo social ao deficiente, no período de 01/02/2007 a 30/06/2012,
é medida que se impõe.
17 - A correção monetária dos valores a serem restituídos deverá ser calculada de acordo com
o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento
proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº
870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do
mencionado pronunciamento.
18 - Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
19 - A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de
atualização monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o
efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de
Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
20 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenado o réu no ressarcimento das despesas
processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando
a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98
do CPC.
21 - Apelação do INSS parcialmente provida. Recurso do réu prejudicado. Sentença reformada.
Ação julgada parcialmente procedente. Inversão dos ônus sucumbenciais, com suspensão de
efeitos. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu julgar prejudicado o recurso do réu e dar parcial provimento à apelação do
INSS, para reformar a sentença e julgar procedente a ação, para determinar a restituição dos
valores recebidos pelo demandado indevidamente, a título de amparo social ao deficiente, no
período de 01/02/2007 a 30/06/2012, acrescidos de correção monetária calculada de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e de juros de mora fixados de acordo com o mesmo Manual, sendo que a partir da
promulgação da EC nº 113/2021 haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento,
do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC),
acumulado mensalmente, bem como de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por
cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade desta última verba suspensa por 5
(cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a
concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º,
e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
