Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001162-95.2020.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
19/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/11/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE
DÉBITO. PAGAMENTO INDEVIDO. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE MANTIDO APÓS
MAIORIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO
REGULAR. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- O benefício de pensão por morte de trabalhador rural n. 01/090.930.852-7, foi concedido à
dependente Ailma Luzia Antunes da Silva, cuja data de nascimento é 15/12/1975, em 1º/5/1976,
tendo aquela adquirido a maioridade em 15/12/1996. Todavia, o benefício foi cessado apenas em
1º/4/2010, haja vista que, conforme afirmado pela própria autora, esta continuou recebendo o
benefício na condição de curadora da dependente.
- Não há prescrição a ser reconhecida, porquanto o INSS iniciou procedimento administrativo de
cobrança imediatamente após o cancelamento do benefício, permanecendo suspenso o prazo
prescricional durante o processo nessa esfera, onde se discutiu a exigibilidade e o montante do
débito administrativo.
- Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá a restituição de
valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo,
sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável.
- Caso em que a parte tinha ciência de que o benefício não lhe era mais devido, uma vez que a
beneficiária da pensão já havia atingido a maioridade. Em tal situação, não há como reconhecer
desconhecimento da regra jurídica de que o benefício somente é devido enquanto menor, uma
vez que se trata de norma comum de todos conhecida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser
beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001162-95.2020.4.03.6119
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDIVIA ROSA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA OLIVEIRA LIMA DUETE DE SOUZA - SP250153-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001162-95.2020.4.03.6119
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDIVIA ROSA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA OLIVEIRA LIMA DUETE DE SOUZA - SP250153-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em face de sentença a inexigibilidade do débito cobrado pelo
INSS, no valor de R$ 107.451,63, decorrente do recebimento indevido do benefício n.
01/090.930.852-7 pela autora, em razão da prescrição.
Inconformada, a autarquia alega inicialmente cerceamento de defesa, em virtude do julgamento
antecipado da lidee, no mérito, a inocorrência de prescrição, bem como a necessidade de
ressarcimento, pela parte autora, dos valores indevidamente recebidos, sob pena de configuração
de enriquecimento ilícito.
Apresentadas contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001162-95.2020.4.03.6119
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDIVIA ROSA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA OLIVEIRA LIMA DUETE DE SOUZA - SP250153-A
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Consigne-se, inicialmente, que o presente caso não se amolda exclusivamente na hipótese de
erro administrativo cadastrada no STJ como “TEMA REPETITIVO N. 979” – (Ofício n. 479/2017-
NUGEP, de 17/8/2017), tendo em vista que a exordial afirma que o benefício previdenciário foi
mantido com base em dolo.
Preliminarmente, deixo de acolher a preliminar de cerceamento de defesa porque o mérito é
favorável ao apelante réu, na forma do artigo 282, § 2º, do CPC.
O benefício de pensão por morte de trabalhador rural n. 01/090.930.852-7, foi concedido à
dependente Ailma Luzia Antunes da Silva, cuja data de nascimento é 15/12/1975, em 1º/5/1976,
tendo aquela adquirido a maioridade em 15/12/1996. Todavia, o benefício foi cessado apenas em
1º/4/2010, haja vista que, conforme afirmado pela própria autora, esta continuou recebendo o
benefício na condição de curadora da dependente.
Verificando a irregularidade nos pagamentos, o INSS cancelou o benefício e passou a cobrar da
autora os valores referentes ao período em que a pensionista já havia atingido a maioridade.
A autora ajuizou a presente ação buscando o reconhecimento de ser indevida a devolução.
Narra que, conforme Ofício n. 135/2019, o benefício de pensão por morte foi concedido em
1º/5/1976 e cessado em 1º/4/2010. Contudo, ele deveria ter sido cessado em 15/12/1996, com a
maioridade da beneficiária. Ocorre que, em abril/2010, foi notificada quanto à cessação do
benefício, bem como quanto às irregularidades. Afirma que apenas em 2/5/2019 foi notificada
(Ofício n. 41/2019) quanto à existência de um débito no valor de R$ 105,723,00 (cento e cinco mil
setecentos e vinte e três reais).
Apresentada defesa, embora tempestiva, foi julgada improcedente, tendo sido notificada
novamente (Ofício n. 135/2019) para proceder ao pagamento da quantia de R$ 107.451,63 (cento
e sete mil quatrocentos e cinquenta e um reais e sessenta e três centavos) no prazo de 60
(sessenta) dias, sob pena de consignação automática no seu atual benefício Assistencial de
Amparo ao Idoso.
Ela é legitimada para figurar como devedora perante o INSS, porquanto foi quem recebeu todas
as parcelas do benefício, na qualidade de tutora da pensionista, tendo continuado a receber em
nome próprio mesmo após a maioridade.
Não há prescrição a ser reconhecida, porquanto o INSS iniciou procedimento administrativo de
cobrança imediatamente após o cancelamento do benefício, permanecendo suspenso o prazo
prescricional durante o processo nessa esfera, onde se discutiu a exigibilidade e o montante do
débito administrativo.
Entende-se pela existência duas espécies de boa-fé no âmbito do direito. Uma objetiva, referente
ao padrão de conduta a ser tomado pelos indivíduos em suas relações sociais, e outra subjetiva,
pertinente a aspectos anímicos do indivíduo em situações concretas. No tocante à análise de
questões referentes à restituição de benefícios previdenciários é de se perquirir a segunda, a boa-
fé subjetiva, que diz respeito ao ânimus do beneficiário.
Se o erro não for desculpável, resta caracterizada a má-fé. E tal ocorreu no caso concreto,
porquanto a autora tinha conhecimento de que o benefício de pensão por morte somente é devido
até a data em que a pensionista completar 21 anos.
A conclusão de que sabia decorre de que tal determinação consta em texto expresso da lei,
sendo perfeitamente exigível tal conhecimento a teor do homo medius.
A autora tinha ciência do erro administrativo no pagamento, sendo inescusável sua conduta de
permanecer recebendo o benefício por cerca de catorze anos, indevidamente.
Com efeito, o exercício da tutela pressupõe que a parte tome ciência de seus compromissos e
responsabilidades, inclusive comprometendo-se a cumprir seus deveres com zelo e boa-fé, na
forma da lei civil.
Ela própria, em depoimento junto ao INSS, declarou que tinha conhecimento “da irregularidade
existente no recebimento dos valores uma vez que tinha consciência não ser a titular do
benefício. Que embora tenha sido alertada por outras pessoas de que o recebimento dos valores
era indevida, nunca teve a preocupação de comparecer ao INSS para regularizar tal situação”.
Tal situação confirma a ocorrência de má-fé no recebimento do benefício, Assim, tendo em vista a
patente irregularidade no pagamento de benefício previdenciário, não há que se falar em
decadência do direito do INSS em reaver os valores pagos de forma indevida.
A alegação de desconhecimento da necessidade de comunicar o INSS que a sua sobrinha havia
atingido a idade limite para manutenção de cota de pensão por morte também não infirma o
conjunto probatório.
Ora, a existência de boa fé não pode estar baseada, simplesmente, na alegação de
desconhecimento da lei, cabendo destacar, no ponto, a norma contida no artigo 3º da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro, de que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando
que não a conhece.
Dessa forma, é de ser acolhido o recurso do INSS, reconhecendo-se o direito de buscar o
ressarcimento dos valores indevidamente recebidos pela parte autora.
Com o trânsito em julgado da presente decisão, poderá o INSS retomar os procedimentos de
cobrança, tendo-se o presente processo de conhecimento como suficiente para análise das
questões referentes ao reconhecimento do débito.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser
beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou provimento à apelação, para julgar improcedente a ação, para determinar
a restituição dos valores recebidos pela parte autora indevidamente, a título de pensão por morte,
no período de 15/12/1996 a 1º/4/2010.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE
DÉBITO. PAGAMENTO INDEVIDO. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE MANTIDO APÓS
MAIORIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO
REGULAR. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- O benefício de pensão por morte de trabalhador rural n. 01/090.930.852-7, foi concedido à
dependente Ailma Luzia Antunes da Silva, cuja data de nascimento é 15/12/1975, em 1º/5/1976,
tendo aquela adquirido a maioridade em 15/12/1996. Todavia, o benefício foi cessado apenas em
1º/4/2010, haja vista que, conforme afirmado pela própria autora, esta continuou recebendo o
benefício na condição de curadora da dependente.
- Não há prescrição a ser reconhecida, porquanto o INSS iniciou procedimento administrativo de
cobrança imediatamente após o cancelamento do benefício, permanecendo suspenso o prazo
prescricional durante o processo nessa esfera, onde se discutiu a exigibilidade e o montante do
débito administrativo.
- Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá a restituição de
valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo,
sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável.
- Caso em que a parte tinha ciência de que o benefício não lhe era mais devido, uma vez que a
beneficiária da pensão já havia atingido a maioridade. Em tal situação, não há como reconhecer
desconhecimento da regra jurídica de que o benefício somente é devido enquanto menor, uma
vez que se trata de norma comum de todos conhecida.
- Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser
beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
