Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5024780-98.2017.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
18/10/2018
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/10/2018
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. CESSAÇÃO INDEVIDA. RESTABELECIMENTO. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. IDOSO. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE VALORES COBRADOS
ADMINISTRATIVAMENTE.
I - Para que alguém faça jus ao benefício pleiteado, deve ser portador de deficiência incapacitante
para o trabalho ou ter mais de 65 anos e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la
provida por sua família.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - A r. decisão rescindenda enfocou especialmente o fato de os filhos auxiliarem o pai, ora autor,
contudo estes não vivem sob o mesmo teto, de modo que as rendas por eles auferidas não
poderiam integrar o cálculo da renda per capita familiar. Assim o fazendo, a r. decisão
rescindenda contrariou o disposto no art. 20, §1º , da Lei n. 8.742/1993 com a redação dada pela
Lei n. 12.435/2011.
VI - Conforme destacado pela própria r. decisão rescindenda, o e. STF havia se pronunciado
sobre o tema (RE 580963/PR; DJe 14.11.2013), dispondo que "...O Estatuto do Idoso dispõe, no
art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família
não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não
exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de
até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para
discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos
beneficiários da assistencial social em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da
assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até
um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional...". Portanto, é possível vislumbrar ofensa
perpetrada pela r. decisão rescindenda relativamente ao não emprego de analogia do comando
inserto no art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, na medida em que abona conduta do
INSS que, ao arrepio dos ditames do acórdão paradigmático acima referido, suspendeu o
benefício assistencial de titularidade do autor a partir de 14.07.2014, em razão do recebimento de
pensão por morte por sua cônjuge, com idade superior a 65 anos, no valor de um salário mínimo.
VII - O estudo social realizado em 21.10.2014 constatou que o autor reside em companhia de sua
esposa, em imóvel sobre o qual detém usufruto vitalício, composto por dois dormitórios, uma sala,
uma copa e uma cozinha. Assinala, outrossim, que a renda familiar advém do valor relativo à
pensão por morte percebida por sua esposa, no valor de 01 salário mínimo, sendo que seus filhos
colaboram com o fornecimento de alimentos e vestuário. Aponta que os gastos mensais superam
os ganhos habituais, notadamente em alimentação (R$ 700,00), medicamentos (R$ 300,00),
energia elétrica (R$ 19,92), água (R$ 60,32), IPTU (R$ 20,00), funerária (R$ 50,00) e telefone (R$
51,61), totalizando R$ 1.201,86. Concluiu a assistente social, portanto, que a situação do autor
não atende às suas necessidades básicas.
VIII - O conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preencheu o
requisito etário e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus ao restabelecimento do
benefício desde a data da cessação indevida (14.07.2014), de tal sorte que a declaração da
inexigibilidade dos valores cobrados pelo réu é medida que se impõe.
IX - Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na lei de regência.
X - Os honorários advocatícios devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas vencidas até a data do presente julgado, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.
XI - As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96),
devendo reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo
4º, parágrafo único).
XII - Pedido em ação rescisória que se julga procedente. Pedido em ação subjacente que se julga
procedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5024780-98.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: SILVESTRE JORDAO
Advogados do(a) AUTOR: BARBARA STEFANI OLIVEIRA LEITE - SP394234, MARINEIA
CRISTINA DE ATAIDE - SP389715
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5024780-98.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: SILVESTRE JORDAO
Advogados do(a) AUTOR: BARBARA STEFANI OLIVEIRA LEITE - SP394234, MARINEIA
CRISTINA DE ATAIDE - SP389715
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Cuida-se de ação
rescisória, com pedido de concessão de tutela antecipada, proposta por Silvestre Jordão em face
do Instituto Nacional do Seguro Social, com fundamento no artigo 966, inciso V, do CPC (violação
manifesta à norma jurídica), a qual pretende seja rescindida decisão monocrática da lavra do Juiz
Federal Convocado Rodrigo Zacharias, que deu provimento à remessa oficial para julgar
improcedente o pedido de restabelecimento do benefício de amparo social, bem como determinou
a devolução de valores recebidos indevidamente. Condenou a parte autora a pagar custas
processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa,
com exigibilidade suspensa, em razão da concessão do benefício da Justiça gratuita.
Alega o autor, em síntese, que faz jus ao restabelecimento do benefício de prestação continuada,
vez que possui 88 anos de idade, bem como se encontra em situação de acentuada miséria.
Aduz que em decisão rescindenda foi condenado à devolução dos valores do benefício de
prestação continuada, sem comprovação de enriquecimento ilícito ou má-fé. Sustenta que, não
obstante tenha contraído matrimônio em 2002 com uma senhora de 78 anos de idade, titular do
benefício de pensão por morte, permaneceu nas mesmas condições financeiras precárias,
necessitando do benefício, vez que ambos são idosos e gastam todo o dinheiro para a
subsistência. Aponta que, em razão da referida decisão judicial, o INSS já iniciou a cobrança do
valor devido de R$ 50.281,72. Argumenta que tal determinação é indevida, vez que não houve a
percepção de benefícios acumuláveis pelo mesmo beneficiário. Salienta que não agiu de má-fé,
tendo utilizado a renda apenas para suas necessidades básicas, tal como aquisição de
mantimentos, fraldas, alimentos etc. Requer, por fim, a procedência da presente ação, a fim que
seja rescindida a decisão monocrática da lavra do Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias,
com a prolação de novo julgamento declarando-se a inexigibilidade da devolução do benefício
recebido e determinando-se a reativação do benefício, desde a data em que foi revogado.
Com a inicial, apresentou documentos (págs. 14/249).
Por meio da decisão de fls. 251/256 (ID 1542206), foi deferida a antecipação da tutela para
determinar a reimplantação do benefício de prestação continuada, bem como para suspender a
cobrança do crédito pretendido pelo INSS relativo à restituição dos valores que teriam sido pagos
indevidamente ao requerente a título de BPC e referente ao período de 28.07.2009 a 25.06.2014.
Devidamente citado, o INSS apresentou contestação, sustentando que, ainda que o autor
estivesse de boa-fé, houve omissão quanto à informação sobre a composição de sua família, de
tal sorte que o ressarcimento perseguido pela Autarquia seria devido. Aduz que a aferição de
miserabilidade feita à época não poderia se utilizar dos critérios norteadores e estabelecidos por
decisão do STF posterior, tendo se pautado pela literalidade da lei orgânica de assistência social,
que estabelecia o critério objetivo de um quarto do salário mínimo.é possível a cobrança de
valores recebidos de boa-fé. Defende que é possível a cobrança de valores recebidos
indevidamente, mesmo que de boa-fé, por meio de descontos das parcelas periódicas não
superiores a 30% (trinta por cento) de eventual benefício que se mantenha, sob pena de
enriquecimento ilícito. Salienta que o art. 115, da Lei 8.213/1991, não é inconstitucional, pois
decorre da conjugação dos princípios da indisponibilidade do patrimônio público, da legalidade
administrativa, da contributividade e do equilíbrio financeiro da Previdência Social e do
mandamento constitucional de reposição ao erário. Requer, portanto, a improcedência da
presente ação rescisória.
Instadas pelo despacho de fls. 275 (ID 1798566), as partes se manifestaram no sentido de que
não possuíam interesse em produzir outras provas.
Razões finais apresentadas pela parte autora (ID 1935507) e pelo réu (ID 1958838).
O Ministério Público Federal opinou pela procedência do pedido formulado na presente ação
rescisória.
Conforme documento juntado aos autos (ID 3182334), o réu informou que o benefício foi
restabelecido desde a data de sua cessação.
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5024780-98.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: SILVESTRE JORDAO
Advogados do(a) AUTOR: BARBARA STEFANI OLIVEIRA LEITE - SP394234, MARINEIA
CRISTINA DE ATAIDE - SP389715
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
De início, ante o pedido formulado na inicial, concedo à parte autora os benefícios da justiça
gratuita.
Não havendo dúvidas quanto à tempestividade do ajuizamento da presente ação rescisória,
passo ao juízo rescindens.
I - DO JUÍZO RESCINDENS.
Dispõe o art. 966, inciso V, do CPC/2015:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V - violar manifestamente norma jurídica;
Verifica-se, pois, que para que ocorra a rescisão respaldada no inciso destacado deve ser
demonstrada a violação à lei perpetrada pela decisão de mérito, consistente na inadequação dos
fatos deduzidos na inicial à figura jurídica construída pela decisão rescindenda, decorrente de
interpretação absolutamente errônea da norma regente.
De outra parte, a possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que
uma das vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita,
desautoriza a propositura da ação rescisória. Tal situação se configura quando há interpretação
controvertida nos tribunais acerca da norma tida como violada. Nesse diapasão, o E. STF editou
a Súmula n. 343, in verbis:
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
A r. decisão rescindenda, por força da remessa oficial, reformou a sentença para julgar
improcedente o pedido formulado na ação subjacente, sob o fundamento de que não havia sido
comprovada a miserabilidade para fins assistenciais. Consequentemente, entendendo que havia
se configurado enriquecimento ilícito, determinou a devolução dos valores recebidos
indevidamente, conforme trechos transcritos abaixo:
O estudo social (f. 40 e seguintes) demonstra que o autor vive em casa cedida (usufruta) em
excelentes condições de conservação, como se pode facilmente perceber pelas fotos (f. 45/50),
muito longe da miserabilidade alegada.
O autor conta com a pensão por morte da esposa, como quem se casou em 2002, e com o auxílio
de alguns filhos. O autor tem 3 (três) filhos, uma delas com benefício superior a três mil reais e
outros dois com renda pouco superior ao salário mínimo. Consta que o autor recebe efetivamente
auxílio dos filhos.
A pensão por morte pode ser desconsiderada, mas somente a partir do julgamento STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, em 14/11/2013.
Ainda assim, não há dúvida de que se trata de família humilde, mas jamais poderia ser
considerada miserável para fins assistenciais. Ora, todos os três filhos possuem o dever de
prestar alimentos.
(...)
O INSS apurou que a esposa do autor, Maria Luiza de Jesus Gomes, recebe pensão por morte
desde 12/5/1997 (vide extrato DATAPREV à f. 147).
Há informações nos autos de que o autor com ela se casou em 2002, mas não se deu o luxo de
comunicar ao INSS tal fato, que poderia acarretar na cessação de seu benefício assistencial.
Trata-se de conduta omissiva que atenta, manifestamente, contra o dever de boa-fé objetiva,
determinado no próprio Código Civil Brasileiro.
Ou seja, o autor jamais notificou o INSS a respeito de tal circunstância. Assim, a conduta da parte
autora não pode ser considerada de boa-fé.
Enfim, a devolução é imperativa, mesmo porque se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo
422 do Código Civil).
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O benefício DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO benefício DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE
OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.234-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 01.06.01).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009 ).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de "inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
(...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefício s assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades.
Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que
somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao
benefício assistencial.
No caso vertente, a r. decisão rescindenda enfocou especialmente o fato de os filhos auxiliarem o
pai, ora autor, contudo estes não vivem sob o mesmo teto, de modo que as rendas por eles
auferidas não poderiam integrar o cálculo da renda per capita familiar. Assim o fazendo, a r.
decisão rescindenda contrariou o disposto no art. 20, §1º , da Lei n. 8.742/1993 com a redação
dada pela Lei n. 12.435/2011.
De outra parte, conforme destacado pela própria r. decisão rescindenda, o e. STF havia se
pronunciado sobre o tema (RE 580963/PR; DJe 14.11.2013), dispondo que "...O Estatuto do
Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer
membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se
refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de
previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistencial social em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional..."
Portanto, é possível vislumbrar ofensa perpetrada pela r. decisão rescindenda relativamente ao
não emprego de analogia do comando inserto no art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003,
na medida em que abona conduta do INSS que, ao arrepio dos ditames do acórdão
paradigmático acima referido, suspendeu o benefício assistencial de titularidade do autor a partir
de 14.07.2014, em razão do recebimento de pensão por morte por sua cônjuge, com idade
superior a 65 anos, no valor de um salário mínimo, como se vê do documento id 1535614.
Insta acrescentar que o e. STJ, em sede de Recurso Especial Representativo de Controvérsia,
corroborou tal entendimento, conforme se verifica da ementa abaixo:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso , no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(STJ; REsp 1355052 / SP - 2012/0247239-5; 1ª Seção; Rel. Ministro Benedito Gonçalves; j.
25.02.2015; DJe 05.11.2015)
Em síntese, considerando que o autor não conta com qualquer remuneração e afastadas as
rendas auferidas pelos filhos e por sua esposa, é de se reconhecer a existência de renda familiar
per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, nos termos do art. 20, §3º, da Lei n.
8.742/1993, restando configurada a hipótese prevista no inciso V do art. 966 do CPC, a ensejar a
abertura da via rescisória.
II - DO JUÍZO RESCISSORIUM
Na ação subjacente, busca o autor, nascido em 09.01.1930, o restabelecimento do benefício de
amparo assistencial ao idoso (NB 88/113.588.212-3 - DIB: 18.05.1999), tendo em vista a decisão
administrativa que culminou na cessação do benefício desde 14.07.2014, sob o fundamento de
que a sua esposa começara a receber pensão por morte. Pretende, ainda, a declaração de
inexigibilidade dos valores cobrados pela Autarquia.
Á época da propositura da ação subjacente, o autor contava com 84 anos de idade, de modo que
faria jus ao benefício assistencial caso preenchesse o requisito socioeconômico, haja vista o
cumprimento do requisito etário.
In casu, o estudo social realizado em 21.10.2014 (Id ́s 1535614; pg. 41/52) constatou que o autor
reside em companhia de sua esposa, em imóvel sobre o qual detém usufruto vitalício (registro
geral de Id ́s 1535614; pg. 80/83), composto por dois dormitórios, uma sala, uma copa e uma
cozinha. Assinala, outrossim, que a renda familiar advém do valor relativo à pensão por morte
percebida por sua esposa, no valor de 01 salário mínimo, sendo que seus filhos colaboram com o
fornecimento de alimentos e vestuário. Aponta que os gastos mensais superam os ganhos
habituais, notadamente em alimentação (R$ 700,00), medicamentos (R$ 300,00), energia elétrica
(R$ 19,92), água (R$ 60,32), IPTU (R$ 20,00), funerária (R$ 50,00) e telefone (R$ 51,61),
totalizando R$ 1.201,86. Concluiu a assistente social, portanto, que a situação do autor não
atende às suas necessidades básicas.
Assim sendo, tendo em vista que o autor reside apenas com a sua esposa, possuindo gastos que
ultrapassam a renda familiar, composta apenas pelo valor de um salário mínimo decorrente de
benefício previdenciário titularizado por sua mulher, é de se concluir pela ocorrência da situação
de miserabilidade.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preencheu o
requisito etário e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus ao restabelecimento do
benefício desde a data da cessação indevida (14.07.2014), de tal sorte que a declaração da
inexigibilidade dos valores cobrados pelo réu é medida que se impõe.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na lei de regência.
Os honorários advocatícios devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas vencidas até a data do presente julgado, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.
As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96), devendo
reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo 4º,
parágrafo único).
III - DA PARTE DISPOSITIVA
Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado na presente ação rescisória, para
desconstituir parcialmente a r. decisão proferida nos autos da AC. n. 0007844-37.2014.4.03.6322,
com base no art. 966, inciso V, do CPC/2015 e, no juízo rescissorium, julgo procedente o pedido
formulado na ação subjacente, para condenar o INSS a restabelecer o benefício de amparo
assistencial ao idoso titularizado pelo autor (NB 88/113.588.212-3), desde a data da cessação
(14.07.2014), e declarar a inexigibilidade do crédito pretendido pelo réu como restituição de
valores que teriam sido pagos indevidamente. Verbas acessórias na forma acima explicitada.
Independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e.mail ao INSS, instruído com os devidos
documentos da parte autora SILVESTRE JORDÃO, a fim de serem adotadas as providências
cabíveis para que seja o benefício de AMPARO SOCIAL AO IDOSO restabelecido de imediato,
com data de início em 14.07.2014, e renda mensal inicial a ser calculada pelo INSS, tendo em
vista o caput do artigo 497 do CPC.
É como voto.
Excelentíssimo Senhor Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias.O ilustre Relator,
Desembargador Federal Sérgio Nascimento, em seu brilhante voto, julgou procedente o pedido
formulado na presente ação rescisória,para desconstituir parcialmente a r. decisão proferida nos
autos da AC. n. 0007844-37.2014.4.03.6322, com base no art. 966, inciso V, do CPC/2015 e, no
juízorescissorium,julgou procedente o pedido formulado na ação subjacente,para condenar o
INSS a restabelecer o benefício de amparo assistencial ao idoso titularizado pelo autor (NB
88/113.588.212-3), desde a data da cessação (14.07.2014), e declarar a inexigibilidade do crédito
pretendido pelo réu como restituição de valores que teriam sido pagos indevidamente. Verbas
acessórias na forma explicitada no decisum.
Ouso, porém, apresentar divergência pelas razões que passo a expor.
A ação rescisória é o remédio processual do qual a parte dispõe para invalidar decisão de mérito
transitada em julgado, dotada de autoridade imutável e indiscutível. Nessas condições, o que
ficou decidido vincula os litigantes, autorizando as partes ao apontamento de imperfeições no
julgado; seu objetivo é anular ato estatal com força de lei entre as partes.
Assinalo não ter sido superado o biênio imposto à propositura da ação, nos termos do voto do
Relator.
Segundo a parte autora, o julgado rescindendo incorreu em violação à literal dispositivo de lei,
pois recebeu o benefício assistencial de boa-fé, desde 1999, a despeito de não avisar o INSS que
a esposa passou a receber pensão por morte do ex-marido, em 2002. Frisa que deve prevalecer
a irrepetibilidade das prestações alimentares. Requer a reativação do benefício e a cessação da
cobrança das prestações recebidas entre 28/7/2009 e 25/6/2014.
À luz do disposto no artigo 485, inciso V do CPC/73, então vigente quando do julgamento da ação
originária, a doutrina sustenta ser questão relevante saber se a decisão rescindenda qualifica os
fatos por ela julgados de forma inadequada, a violar, implícita ou explicitamente, literal disposição
de lei.
Ensina Flávio Luiz Yarshell: "Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca da
interpretação que se deve dar ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a 'literal'
disposição de lei, em primeiro lugar, há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter
excepcional da ação rescisória, que não se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão,
tampouco se revelando simples abertura de uma nova instância recursal, ainda que de direito.
Contudo, exigir-se que a rescisória caiba dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a
interpretação que se deva dar ao dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos limites
desse excepcional remédio, significaria um empobrecimento do próprio sistema, entendido
apenas pelo sentido literal de suas palavras. Daí por que é correto concluir que a lei, nessa
hipótese, exige que tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da norma".
(g.n.,in: Ação rescisória . São Paulo: Malheiros, 2005, p. 323)
A jurisprudência também caminha no mesmo sentido: "Para que a ação rescisória fundada no art.
485, V, do CPC prospere, é necessário que a interpretação dada pelo 'decisum' rescindendo seja
de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão
rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação
rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição
de dois anos". (grifei, RSTJ 93/416)
Tal hipótese de rescisão consta do inciso V do artigo 966 do CPC, que tem o teor:
“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V – Violar manifestamente norma jurídica;
(...)”
Entendo, contudo, não haver ocorrido manifesta violação de norma jurídica.
Explico.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício
assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado,
atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve
o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como
a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
2.CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
2.SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá
caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a
par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só
deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente
dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas
também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sitema.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
4.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
5. CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito (subjetivo) da idade avançada qualificada.
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a parte autora possui idade superior a 65
(sessenta e cinco) anos.
Porém, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
O estudo social (f. 40 e seguintes) demonstra que o autor vive em casa cedida (usufruto) em
excelentes condições de conservação, como se pode facilmente perceber pelas fotos (f. 45/50),
muito longe da miserabilidade alegada.
O autor conta com a pensão por morte da esposa, como quem se casou em 2002, e com o auxílio
de alguns filhos.
O autor tem 3 (três) filhos, uma delas com benefício superior a três mil reais e outros dois com
renda pouco superior ao salário mínimo. Consta, no próprio estudo social, que o autor recebe
efetivamente auxílio dos filhos.
Ainda possui um veículo próprio, um VW Fusca antigo.
A pensão por morte pode ser desconsiderada, mas somente a partir do julgamento STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, em 14/11/2013.
Ou seja, ainda que se apelo para o julgado do Supremo Tribunal em sede de recurso repetitivo, o
benefício foi recebido ilegalmente entre 28/7/2009 e ao menos entre 14/11/2013.
Ainda assim, não há dúvida de que se trata de família humilde, mas jamais poderia ser
considerada miserável para fins assistenciais. Ora, todos os três filhos possuem o dever de
prestar alimentos.
No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto
no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade."
Ora, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o
próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o
sustento não puder ser provido pela família.
A despeito da ausência de “taxatividade” da regra da hipossuficiência (RE n. 580963), e a
despeito da regra do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, no caso em espécie a autora tem
acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de penúria, mesmo porque,
segundo o próprio leading case evocado, a miserabilidade não pode ser reduzida ao critério
matemático, como decidiu o próprio Supremo Tribunal Federal.
Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
Esse o distinguishing(distinção) em relação ao RE n. 580963.
Indevido o benefício em tais circunstâncias.
Há inúmeros precedentes desta Nona Turma:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. FAMÍLIA. DEVER DE PRESTAR
ALIMENTOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUBSIDIARIDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
APELAÇÃO IMPROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Deficiência comprovada. Porém, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais,
pois recebe assistência da família.
- No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao
disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade."
- Descabe conceder benefício assistencial a quem possui não se encontra em situação de
vulnerabilidade social, e no caso o autor tem acesso aos mínimos sociais.
- Não é função do Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo
porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do
indivíduo.
- O benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público
maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que
sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem
renda ou de ser essa insignificante.
- Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), já majorados em razão da fase
recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça
gratuita.
- Apelação conhecida e desprovida (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2246015 / SP, 0017746-
36.2017.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data
do Julgamento, 27/11/2017, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2017).
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA FAMILIAR. AUXÍLIO DA
FAMÍLIA. 10 (DEZ) FILHOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 20, §§ 1º E
3º, DA LEI 8742/93. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE SOCIAL. SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
- A parte autora é idosa para fins assistenciais, porquanto nascida em 1939 (f. 22).
- Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. O estudo social apontou
que a autora vive com marido que percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo, e com
um filho maior e capaz para o trabalho, em casa alugada, há catorze anos. Casa composta por
dois quartos, cozinha, sala e banheiro, construção de alvenaria, com energia elétrica e água
encanada. Boa acomodação e higienização; localização com acesso à rede básica de saúde e
transporte público. Família atendida pela rede municipal de saúde.
- Nos termos do estabelecido no RE n. 580963, em repercussão geral (vide item acima "DA
HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE"), a aposentadoria do marido deve ser
desconsiderada. Porém, não pode ser ignorado que a autora recebe ajuda financeira - devida
constitucionalmente, aliás - do filho e de outra filha.
- Em realidade, a autora possui 10 (dez) filhos, todos com obrigação de auxílio financeiro aos
pais, atribuição que não pode simplesmente ser transferida ao Estado. No caso, a técnica de
proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da
Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade."
- Quanto à hipossuficiência, mesmo se aplicando ao caso a orientação da RE n. 580963
(repercussão geral - vide supra), o fato é que a família da autora não experimenta situação de
vulnerabilidade ou risco social.
- Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas em conta na apuração da
miserabilidade, não podendo as regras conformadas nos §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS ser
interpretadas de forma isolada, cega e matemática, como se não houvesse normas
constitucionais regulando a questão.
- Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade".
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
- Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de
contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, é preciso realmente discriminar quais
são os casos que configuram "necessidades sociais". Pois a assunção desmedida, pelo Estado,
de atribuições cabíveis à própria sociedade, vai de encontro ao objetivo de garantir o
desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição Federal), à medida que ocorre o
extravasamento dos limites das possibilidades financeiras do sistema de seguridade social,
gerando variada gama de distorções sociais e econômicas.
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
- Agravo interno conhecido e improvido (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA -
2175403 / SP, 0024665-75.2016.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS,
NONA TURMA, Data do Julgamento 04/09/2017, Data da Publicação/Fonte, e-DJF3 Judicial 1
DATA:20/09/2017).
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PARTE AUTORA
PORTADORA DE DOENÇAS. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGUARDA. MISERABILIDADE NÃO
APURADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. FAMÍLIA. DEVER DE SUSTENTO.
ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 8 (OITO) FILHOS TRABALHANDO.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO IMPROVIDA. REANÁLISE DA QUESTÃO
DECORRENTE DE RECURSO ESPECIAL PROVIDO. DISPOSITIVO DO ACÓRDÃO MANTIDO.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Mesmo com a aplicação do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, não está patenteada a
miserabilidade para fins assistenciais.
- Quanto a essa questão, verifica-se, mediante o exame do estudo social (fls. 89/90), que a parte
autora reside com seu marido, também idoso. A renda familiar é constituída pela aposentadoria
por idade recebida pelo cônjuge, no valor de R$ 681,37 (seiscentos e oitenta e um reais e trinta e
sete centavos), referente a abril de 2011, conforme consulta às informações do
CNIS/DATAPREV.
- Além disso, o casal recebe ajuda dos filhos para custear suas despesas, conforme afirmado
pela parte autora (f. 90). A autora possui 8 (oito) filhos, todos eles com obrigação primária de
auxílio dos pais. São 3 (três) mulheres e 5 (cinco) homens, todos trabalhando, conquanto
possuam suas respectivas famílias.
- Ocorre que o fato de possuírem famílias não lhes afasta o dever constitucionais de amparar os
pais. No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao
disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade."
A propósito, recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais
(TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social
(INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se
ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade".
- De fato, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o artigo 20, § 3º, da LOAS, que cuida
do critério da miserabilidade, não ser interpretado taxativamente (STF, RE n. 580963, Tribunal
Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013). Logo, também o artigo 20, § 1º, da
mesma lei, que discrimina o conceito de família (e com isso influi na apuração da presença ou
não da miserabilidade), igualmente não pode ser interpretado literalmente, sob pena de prática de
grave distorção e inversão de valores, geradora de concessões ou denegações indevidas
conforme o caso.
- E mais, depreende-se do estudo socioeconômico que o montante das despesas não ultrapassa
os rendimentos do núcleo familiar, o que afasta a conclusão de que o casal vivencia a condição
de miserabilidade que enseja a percepção do benefício.
- Percebe-se, assim, que a autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se
encontrando em situação de total "desamparo". Cumpre salientar que o benefício de prestação
continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os
desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam
possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser
essa insignificante.
- Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo
porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do
indivíduo. Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica "SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL".
- Adotado como razão de decidir o entendimento determinado pelo E. STJ, sem, contudo, alterar
o resultado do julgamento que negou provimento ao agravo, restando mantida a improcedência
do pedido (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1600390 / SP, 0005585-04.2011.4.03.9999, Relator JUIZ
CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data do Julgamento 04/09/2017, Data
da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2017).
Com efeito, não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais,
mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não
do indivíduo.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica “SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL”.
Outrossim, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está, em regra, fora da
abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: “A
assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem
gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar
seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social
estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se,
não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou
de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
Percebe-se, assim, que o autor, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais (renda fixa da
esposa, casa cedida, veículo próprio e auxílio da família). não se encontrando em situação de
vulnerabilidade social.
Registro, no estertor deste voto, que o ato de omitir ao INSS o recebimento da pensão por morte
excluiu a alegada “boa-fé”, por constituir omissão dolosa, geradora de prestação indevida, sem
que a autarquia previdenciária pudesse aferir a legalidade da continuidade do pagamento do
benefício assistencial.
Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de
contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, onde o esforço individual é minimizado
e a ajuda do Estado é desejada ao extremo, é preciso realmente discriminar quais são os casos
que configuram "necessidades sociais".
Pois a assunção desmedida, pelo Estado, de atribuições cabíveis à própria sociedade, vai de
encontro ao objetivo de garantir o desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição
Federal), à medida que ocorre o extravasamento dos limites das possibilidades financeiras do
sistema de seguridade social, gerando toda sorte de distorções.
Daí que não identifico, no julgamento da ação matriz, manifesta violação a norma jurídica.
Clássica é a lição de Humberto Theodoro Júnior, segundo quem “A rescisória não é remédio
próprio para verificação do acerto ou da injustiça da decisão judicial, nem tampouco meio de
reconstituição de fatos ou provas deficientemente expostos e apreciados em processo findo". Tal
se dá em respeito à garantia constitucional da coisa julgada, pilar do princípio da segurança
jurídica, hospedada no artigo 5º, XXXVI, do Texto Magno.
Autorizado concluir, dessarte, que incide à espécie a súmula nº 343 do Supremo Tribunal
Federal, in verbis: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a
decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”
Diante do exposto, julgo improcedente o pedido formulado na ação rescisória.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas do processo e dos honorários de advogado, os
quais arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma do artigo 85, § 8º, do CPC.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. CESSAÇÃO INDEVIDA. RESTABELECIMENTO. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. IDOSO. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE VALORES COBRADOS
ADMINISTRATIVAMENTE.
I - Para que alguém faça jus ao benefício pleiteado, deve ser portador de deficiência incapacitante
para o trabalho ou ter mais de 65 anos e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la
provida por sua família.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - A r. decisão rescindenda enfocou especialmente o fato de os filhos auxiliarem o pai, ora autor,
contudo estes não vivem sob o mesmo teto, de modo que as rendas por eles auferidas não
poderiam integrar o cálculo da renda per capita familiar. Assim o fazendo, a r. decisão
rescindenda contrariou o disposto no art. 20, §1º , da Lei n. 8.742/1993 com a redação dada pela
Lei n. 12.435/2011.
VI - Conforme destacado pela própria r. decisão rescindenda, o e. STF havia se pronunciado
sobre o tema (RE 580963/PR; DJe 14.11.2013), dispondo que "...O Estatuto do Idoso dispõe, no
art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família
não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não
exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de
até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para
discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos
beneficiários da assistencial social em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da
assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até
um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional...". Portanto, é possível vislumbrar ofensa
perpetrada pela r. decisão rescindenda relativamente ao não emprego de analogia do comando
inserto no art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, na medida em que abona conduta do
INSS que, ao arrepio dos ditames do acórdão paradigmático acima referido, suspendeu o
benefício assistencial de titularidade do autor a partir de 14.07.2014, em razão do recebimento de
pensão por morte por sua cônjuge, com idade superior a 65 anos, no valor de um salário mínimo.
VII - O estudo social realizado em 21.10.2014 constatou que o autor reside em companhia de sua
esposa, em imóvel sobre o qual detém usufruto vitalício, composto por dois dormitórios, uma sala,
uma copa e uma cozinha. Assinala, outrossim, que a renda familiar advém do valor relativo à
pensão por morte percebida por sua esposa, no valor de 01 salário mínimo, sendo que seus filhos
colaboram com o fornecimento de alimentos e vestuário. Aponta que os gastos mensais superam
os ganhos habituais, notadamente em alimentação (R$ 700,00), medicamentos (R$ 300,00),
energia elétrica (R$ 19,92), água (R$ 60,32), IPTU (R$ 20,00), funerária (R$ 50,00) e telefone (R$
51,61), totalizando R$ 1.201,86. Concluiu a assistente social, portanto, que a situação do autor
não atende às suas necessidades básicas.
VIII - O conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preencheu o
requisito etário e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus ao restabelecimento do
benefício desde a data da cessação indevida (14.07.2014), de tal sorte que a declaração da
inexigibilidade dos valores cobrados pelo réu é medida que se impõe.
IX - Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na lei de regência.
X - Os honorários advocatícios devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas vencidas até a data do presente julgado, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.
XI - As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96),
devendo reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo
4º, parágrafo único).
XII - Pedido em ação rescisória que se julga procedente. Pedido em ação subjacente que se julga
procedente. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
maioria, decidiu julgar procedente o pedido formulado na ação rescisória, para desconstituir
parcialmente a r. decisão e, no juízo rescissorium, julgar procedente o pedido formulado na ação
subjacente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
