Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5009578-13.2019.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
04/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO
MANIFESTA A NORMA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE PROVA NOVA. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO.
- A rescisória é ação que objetiva derrubar a coisa julgada já formada. Busca impugnar decisão
atingida pela coisa julgada material. Passada em julgado e a salvo de qualquer recurso. Sua
finalidade não é rescindir todo e qualquer julgado. As hipóteses são restritas e taxativas, por se
estar diante da autoridade da coisa julgada, de decisão que produziu, a todas as luzes, eficácia
completa.
- Casuística em que, segundo as máximas jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus, o
argumento da parte autora não se limita à obtenção de prova nova, estendendo-se à hipótese
explicitada no inciso V do art. 966 do CPC, havendo que se prosseguir no exame quanto à
possível ocorrência do fundamento em questão. Precedentes.
- O art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil, firma a possibilidade de se julgar procedente a
rescisória na hipótese em que a decisão sob análise "violar manifestamente norma jurídica".
- Caso em que a alegação de que a decisão violou disposições normativas não autoriza a sua
rescisão, porque as provas coligidas aos autos originários foram expressamente analisadas no
julgado cuja desconstituição se pretende, tendo sido valorados os elementos de modo a se
compreender a inviabilidade do reconhecimento de tempo de trabalho rural da parte segurada,
não se cogitando da ocorrência de afronta a dispositivos legais, o que implicaria no revolvimento
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
de provas, inviável na presente via.
- O art. 966, inciso VII, do Código de Processo Civil, em sua primeira parte, disciplina que a
decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando "obtiver o autor,
posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde
fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável".
- Caso em que os documentos tidos como novos são datados de momentos posteriores àquele
em que proferida a decisão rescindenda, não se configurando, portanto, como provas novas no
sentido técnico atribuído ao termo pela lei processual civil, nem sequer revelando-se, ademais,
suficientes para alterar as conclusões do julgado rescindendo. Precedentes.
- Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5009578-13.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
AUTOR: JOSE BOMFIM DE ALMEIDA
Advogados do(a) AUTOR: LEONARDO GOMES DA SILVA - SP113231-N, ANTONIO RENATO
TAVARES DE SOUZA - SP322965-N, JESSICA ALBINO RIBEIRO - SP391300-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5009578-13.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. DIVA MALERBI
AUTOR: JOSE BOMFIM DE ALMEIDA
Advogados do(a) AUTOR: LEONARDO GOMES DA SILVA - SP113231-N, ANTONIO RENATO
TAVARES DE SOUZA - SP322965-N, JESSICA ALBINO RIBEIRO - SP391300-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Ação rescisória proposta em
17/4/2019 pela parte autora do feito subjacente, com fulcro no inciso VII do art. 966 do Código
de Processo Civil, objetivando a desconstituição de acórdão proferido pela 7.ª Turma desta
Corte nos autos de reg. n.º 0012389-12.2016.4.03.9999, transitado em julgado em 24/5/2017,
que negou provimento ao recurso de apelação interposto contra sentença que julgara
improcedente pedido de concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural.
Consoante consta da petição inicial, “o acórdão subscrito contrariou a prova dos autos e julgou
improcedente a Exordial, pois diante dos documentos e dos depoimentos da parte e das
testemunhas, não há como entender que tais depoimentos não atendem ao objetivo de provar a
prestação de serviços rurais pelo período de tempo exigido e que os documentos anexados aos
autos, não faz demonstração do exercício da atividade laborativa na condição de rurícola. Como
se vê, a testemunha José Alves do Nascimento, disse que tem conhecimento que o requerente
labora no meio rural desde tenra idade. Agora, a testemunha João Batista Soares disse que
trabalhou com o Autor há mais de vinte anos atrás na época do algodão, sendo que
posteriormente o depoente passou a desenvolver atividade fixa no Sitio São Luiz em São João
do Marinheiro e desde então vê o Autor passando de camionete diariamente quando se desloca
para o local de trabalho. Já a testemunha Avelino Vicente Nunes, relatou que conhece o Autor
desde que ele veio da Bahia e sabe que trabalha na Fazenda de Carlos Trindade há seis anos
sendo que antes trabalhava por dia; declinando a atividade desempenhada pelo Autor, o nome
do empregador e a propriedade onde trabalhava”.
Refere-se que “os documentos acostados na exordial demonstram que o Requerente é
trabalhador rural, condição esta demonstrada pelos documentos de fls.15/16, o que é início de
prova material, sendo que esta é complementada pelo depoimento das testemunhas, que são
uníssonas em afirmarem que ela sempre trabalhou como lavrador até recentemente, ou seja,
até antes de ingressar com a ação, portanto, atende a alegada carência”.
Alega-se que, “em suma, a decisão supramencionada afronta o disposto no inciso I, alínea “a” e
os incisos VI e VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/91”. Que “também contraria o disposto no inciso I
do Artigo 39, que é claro ao garantir a aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais que
comprove o exercício da atividade rural no período imediatamente antes do requerimento”. Que,
“por consequência, o inciso III do artigo 26 que tem que ser analisado em conjunto com o artigo
143, todos da Lei nº 8.213/91, são taxativos em afirmarem que os trabalhadores rurais, que
aposentarem com 01 (um) salário mínimo, estão isentos de carência e contribuição”.
Especificamente quanto à existência de prova nova, sustenta-se que, “conforme se depreende
nos autos nº 0002389- 40.2015.8.26.0128, a Certidão de Casamento acostada as fls.15, que
deu origem a presente ação com cópia inclusa, desde 25/05/1985, o que demonstra a sua
condição de lavrador desde tenra idade, anexando também novos documentos, sendo eles
Cópia de Guia da Contribuição Sindical (1985), Certidão de Nascimento da filha Viviane (1986),
Declaração de Compra e Venda de Casa Residencial (1988), Certidão de Nascimento do Filho
Luciano (1989), Carteira de Trabalho (2011), o que reafirma a sua profissão como lavrador
(trabalhador rural) e a sua mantença nos trabalhos rurais”.
Requer-se, ao final, seja a rescisória “JULGADA PROCEDENTE DESDE A DATA DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO QUE SE DEU EM 28 DE ABRIL DE 2015, reformando
integralmente a decisão guerreada, por contrariar o disposto no inciso I alínea “a” e incisos VI e
VII do artigo 11; inciso III do artigo 26; inciso I do artigo 39; e, artigo 143 todos da Lei 8.213/91 e
demais legislação aplicável a espécie, uma vez que a prova material de fls. 15/16 é
complementada pela prova oral fls., mais Cópia de Guia da Contribuição Sindical (1985),
Certidão de Nascimento da filha Viviane (1986), Declaração de Compra e Venda de Casa
Residencial (1988), Certidão de Nascimento do Filho Luciano (1989), Carteira de Trabalho
(2011), visto a não necessidade da prova material contemporânea ao período de carência e
desnecessidade de contribuição conforme decisão já citada, condenando o Instituto Requerido
a conceder uma aposentadoria à Requerente, de um salário mínimo mensal acrescida do 13º
salário, invertendo o ônus da sucumbência, condenando-a ainda em honorários advocatícios,
que requer sejam arbitrados em vinte (20%) por cento do valor das verbas vencidas ATÉ
LIQUIDAÇÃO e EXECUÇÃO DO JULGADO, ou seja, PROVEITO ECONÔMICO DA PARTE”.
Deferidos os benefícios da gratuidade da justiça, nos termos do art. 98 do Código de Processo
Civil, dispensando-se o requerente do depósito a que alude o inciso II do art. 968 do CPC.
Contestação em que se invoca o “caráter recursal da presente ação rescisória” e, no mérito
propriamente dito, a “inocorrência de prova nova”, requerendo o INSS “o acolhimento da
preliminar arguida, caso ultrapassada, no mérito, seja a presente ação julgada improcedente
quanto ao juízo rescindente, em face da inexistência de prova nova, e improcedente quanto ao
juízo rescisório, desacolhendo o pedido formulado na lide primitiva”.
Instado a se pronunciar sobre a resposta, insistiu o autor na “procedência do pedido, nos
termos da inicial, por ser medida de inteira justiça”.
Razões finais do autor, sustentando que “juntou nesses autos novas provas sendo elas
qualificando o mesmo como lavrador, sendo: Cópia de Guia de Contribuição Sindical (1985),
Certidão de Nascimento da Filha Viviane (1986), Declaração de Compra e Venda de Casa
Residencial (1988), Certidão de Nascimento do Filho Luciano (1989), Carteira de Trabalho
(2011), reafirmando assim sua profissão de lavrador, e sua mantença nos trabalhos rurais”; “por
outro lado, é de se perceber que as testemunhas foram unânimes em dizer que o requerente
dedicou toda a sua vida no trabalho rural, confirmando assim, a profissão do Autor mencionada
na inicial”.
Registrado no sistema o decurso do correspondente prazo para o INSS.
Parecer da Procuradoria Regional da República da 3.ª Região: “da análise dos autos, não se
vislumbra hipótese de intervenção obrigatória do Ministério Público. Isso porque, conforme
parágrafo único, do artigo 967, c/c o artigo 178, ambos do Código de Processo Civil, nas ações
rescisórias, o órgão ministerial somente será ouvido se o feito originário envolver interesse
público ou social; interesse de incapaz; ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana,
hipóteses que não se verificam nestes autos. Assim, o Ministério Público Federal os devolve
para processamento sem a sua intervenção”.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5009578-13.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. DIVA MALERBI
AUTOR: JOSE BOMFIM DE ALMEIDA
Advogados do(a) AUTOR: LEONARDO GOMES DA SILVA - SP113231-N, ANTONIO RENATO
TAVARES DE SOUZA - SP322965-N, JESSICA ALBINO RIBEIRO - SP391300-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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VOTO
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). O aventado caráter recursal
desta ação rescisória, arguido pelo INSS em sua resposta, exige, de fato, o exame minucioso
dos argumentos expendidos na exordial, dizendo respeito, na verdade, ao mérito do pedido,
confundindo-se com o iudicium rescindens propriamente dito, razão pela qual será com ele
verificada.
Presentes as condições da ação e devidamente compreendida a causa de pedir no rol de
hipóteses taxativamente previstas na lei (CPC, artigo 966), passa-se a analisar se o caso é de
desconstituição do julgado.
A rescisória é ação que objetiva derrubar a coisa julgada já formada. Busca impugnar decisão
atingida pela coisa julgada material. Passada em julgado e a salvo de qualquer recurso. Sua
finalidade não é rescindir todo e qualquer julgado. As hipóteses são restritas e taxativas, por se
estar diante da autoridade da coisa julgada, de decisão que produziu, a todas as luzes, eficácia
completa, no dizer de Pontes de Miranda,"como se não fosse rescindível"(In:Comentários ao
código de processo civil, t. VI. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 177).
Medida excepcional e cabível apenas dentro das hipóteses restritas trazidas pela lei processual
(Ada Pellegrini Grinover, Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria
constitucional, Revista de Processo 87/37), porquanto esgotados os recursos, chega-se à
imutabilidade da decisão de mérito, sem que se possa declará-la justa ou injusta, daí
exsurgindo, no dizer de Sálvio de Figueiredo Teixeira, "um imperativo da própria sociedade para
evitar o fenômeno da perpetuidade dos litígios, causa de intranqüilidade social que afastaria o
fim primário do Direito, que é a paz social"(In:Ação rescisória, Apontamentos,RT 646/7).
O artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil, em sua primeira parte, disciplina que a
decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando "obtiver o autor,
posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde
fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável".
Conforme averbam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (Código de Processo Civil
Comentado, 18.ª ed., São Paulo: RT, 2019, p. 2.029), “o atual CPC é mais abrangente do que o
CPC/1973, pois admite não só a apresentação de documento novo, mas também de tudo que
possa formar prova nova em relação ao que constou da instrução no processo original. Mas, da
mesma forma que ocorria em relação ao documento novo, por prova nova deve entender-se
aquela que já existia quando da prolação da sentença, mas cuja existência era ignorada pelo
autor da rescisória, ou que dele não pode fazer uso”.
Tomando-se em consideração a situação peculiar do trabalhador rural, seu parco grau de
instrução e a impossibilidade de compreensão, quando do ingresso em juízo, da relevância da
documentação a alcançar a desejosa aposentadoria, presumindo-se, outrossim, ausentes
desídia ou negligência, na vigência do Código de Processo Civil de 1973 a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, afastando-se do rigor conceitual da lei de regência, evoluiu no
sentido de permitir ao rurícola o manuseio de documentos que, em teoria, eram de seu
conhecimento anteriormente à propositura da demanda originária, entendimento esse
consolidado também no âmbito desta 3ª Seção, diante das condições desiguais vivenciadas no
campo e adotando a soluçãopro misero.
Nada obstante, segundo o disposto na parte final do dispositivo em questão, a superveniência
da prova produzida, na maneira mencionada, igualmente no CPC em vigor, não foge à
obrigação de se mostrar "capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável", ou seja,
a documentação apresentada, então desconhecida nos autos, deve ser hábil a alterar a posição
do órgão julgador.
Conforme o ensinamento, desde sempre, de José Carlos Barbosa, "o documento deve ser tal
que a respectiva produção, por si só, fosse capaz de assegurar à parte pronunciamento
favorável. Em outras palavras: há de tratar-se de prova documental suficiente, a admitir-se a
hipótese de que tivesse sido produzida a tempo, para levar o órgão julgador a convicção diversa
daquela a que chegou. Vale dizer que tem de existir nexo de causalidade entre o fato de não se
haver produzido o documento e o de se ter julgado como se julgou", assim prosseguindo: "Por
'pronunciamento favorável' entende-se decisão mais vantajosa para a parte do que a proferida:
não apenas, necessariamente decisão que lhe desse vitória total. Tanto pode pedir a rescisão,
com base no inciso VII, o litigante que obteve parte do que pretendia e teria obtido tudo se
houvesse usado o documento, quanto o que nada obteve e teria obtido ao menos parte usando
o documento" (Comentários ao código de processo civil. 10ª ed., vol. V. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, pp. 148-149).
A parte autora pretende se valer, na condição de novos, para desconstituição da coisa julgada
formada no feito subjacente, dos documentos discriminados na inicial como sendo “Cópia de
Guia da Contribuição Sindical (1985), Certidão de Nascimento da filha Viviane (1986),
Declaração de Compra e Venda de Casa Residencial (1988), Certidão de Nascimento do Filho
Luciano (1989), Carteira de Trabalho (2011)”.
Nesse sentido, os documentos aqui apresentados como provas novas acabam não sendo aptos
a ensejar a procedência do pleito de rescisão.
Nos termos da anotação na obra de Theotonio Negrão (Código de processo civil e legislação
processual em vigor. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 642), ainda sob a égide do CPC
anterior, "por documento novo, entende-se aquele 'cuja existência o autor da rescisória ignorava
ou do qual não pôde fazer uso, no curso do processo de que resultou o aresto rescindendo'
(RTJ 158/774). Ou seja, 'é aquele que já existia ao tempo da prolação do julgado rescindendo,
mas que não foi apresentado em juízo por não ter o autor da rescisória conhecimento da
existência do documento ao tempo do processo primitivo ou por não lhe ter sido possível juntá-
lo aos autos em virtude de motivo estranho a sua vontade' (STJ-3ª Seção, AR 3.450, Min.
Hamilton Carvalhido, j. 12.12.07, DJU 25.3.08). No mesmo sentido: STJ-3ª T., REsp 743.011,
Min. Gomes de Barros, j. 14.2.08, DJU 5.3.08; STJ-RT 652/159, RT 675/151".
Nesse sentido, "o adjetivo 'novo' expressa o fato de só agora ser ele utilizado, não a ocasião em
que veio a formar-se. Ao contrário: em princípio, para admitir-se a rescisória, é preciso que o
documento já existisse ao tempo do processo em que se proferiu a sentença" (STJ, 1ª Turma,
REsp 240.949-PR, rel. Ministro José Delgado, j. 15.2.2000, v.u., DJU de 13.3.2000).
Em suma, documento novo é, em realidade, "velho": além de referir-se a fatos passados, sua
produção também é pretérita. A "a 'novidade' exigida pela lei diz respeito à ausência de tal
documento no processo em que se formou a sentença que se quer rescindir. Portanto, a
'novidade' está ligada à apresentação do documento - e não à sua formação. Na concepção
tradicional, documento novo para os efeitos do art. 485, VII, não é propriamente aquele que se
formou depois do processo anterior. Nesse sentido, o documento 'novo' ensejador da ação
rescisória é 'antigo' no que tange ao momento de sua formação. Essa constatação é
diretamente extraível da lei. O inciso VII do art. 485 alude à existência e à anterior
impossibilidade de uso do documento no passado (...) - deixando clara a preexistência do
'documento novo'" (Eduardo Talamini, Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2005, p.
179).
A esse propósito, a via da certidão de nascimento do filho do autor – cabendo referir que, junto
à inicial, consta apenas este documento, em nome de Luciano Aparecido Cruz de Almeida –,
ocorrido em 12/10/1989, em princípio, porque posterior à decisão cuja desconstituição se
pretende, já que datada de 29/3/2019, não poderia, ao menos em tese, ser aproveita na
condição de documento novo.
Com efeito, pelo simples fato de não satisfazer o requisito legal da preexistência, não se
enquadraria ao permissivo processual, pois, ainda que se considere a antecedência de tal
elemento, intransponível a ausência da peculiaridade exigida pela lei, consistente na
impossibilidade de sua utilização ou no desconhecimento de sua existência.
Tratando-se de fato inscrito em cadastro público, acessível a qualquer do povo, de
conhecimento geral, e específico do autor, inimaginável qualquer dificuldade no seu
aproveitamento ou ignorância de sua existência.
Nada obstante, com o tratamento dado aos rurícolas, a partir do já mencionado entendimento
pro misero, também a utilização de certidões que poderiam ser obtidas à época dos fatos e
juntadas durante a instrução do processo em que proferido o acórdão rescindendo,
considerando as condições desiguais vivenciadas no campo, encaixa-se nesse contexto de
excepcionalidade próprio aos trabalhadores rurais a que se vêm reportando os julgados,
apresentando-se possível a aceitação e o eventual aproveitamento de tais documentos,
consoante já decidido no âmbito desta Seção especializada (AR 00579946420004030000, rel.
Desembargador Federal Nelson Bernardes, j. em 10.11.2011, DJF3 de 25.11.2011; AR
2006.03.00.024999-3, rel. Juíza Federal Conv. Márcia Hoffmann, j. em 14.4.2011, DJF3 de
2.5.2011), muito embora, no caso concreto, não traga melhor sorte ao demandante.
O julgado rescindendo, no que se refere à análise da prova, está posto do seguinte modo:
“No caso em questão, o autor apresentou os seguintes documentos: I) Certidão de casamento,
celebrado em 25/05/85, na qual figura como lavrador, II) Certidão de nascimento de filho, na
qual não consta a sua qualificação profissional.
A certidão de nascimento não serve como início de prova, considerando que nesta não consta a
qualificação profissional do autor.
A certidão de casamento apresentada serviria, a princípio, como início de prova material, tendo
em vista que nela o autor foi qualificado como lavrador.
No entanto, não há nos autos nenhum documento que comprove que o autor continuou a
trabalhar na lavoura após 1985.
Entendo que não é razoável que longos períodos de suposto trabalho rural sejam comprovados
apenas com a certidão de casamento do autor.
Além disso, a prova oral foi lacônica e evasiva quanto aos períodos supostamente laborados
pelo autor nas lides rurais.”
Nos termos da fundamentação constante do acórdão, o cerne da deficiência probatória que
ensejou a improcedência do pedido foi, para além da ausência de prova material posterior a
1985, a inconsistência da prova oral produzida, incapaz, portanto, de corroborá-la e mesmo
estender o seu período de abrangência.
Isso porque, mesmo que se considerasse como prova nova a certidão do nascimento de
Luciano Aparecido Cruz de Almeida, em que qualificado o autor como “lavrador”, não seria, por
si só, suficiente a viabilizar melhor resultado na ação originária.
Do mesmo modo quanto aos demais documentos apresentados neste feito, quais sejam, a
cópia de guia de contribuição sindical, a declaração de compra e venda de casa residencial e a
carteira de trabalho.
Para além de não haver nos autos quaisquer argumentos que justifiquem a circunstância de o
autor não ter juntado tais elementos à época em que proposta a demanda originária, sobretudo
por serem, em linha de princípio, documentos que estariam sob sua guarda desde sempre,
mesmo que se considerasse, para fins de rescisória, como novas tais prova, a ausência de
depoimentos sólidos tornaria inviável fazê-lo abranger lapso suficiente a ensejar modificação do
julgado.
Em verdade, o que se deseja é nova análise do caso, incrementado, agora, o cenário
probatório, com a documentação supra, manifestamente insuficiente, porém, para qualificação
do autor como trabalhador rural, ao menos para fins previdenciários, esbarrando nas
conclusões tiradas no acordão rescindendo, acerca da inconsistência da prova testemunhal
colhida em juízo no processo subjacente – enquadrada, remarque-se, como “lacônica e evasiva
quanto aos períodos supostamente laborados pelo autor nas lides rurais” –, não se
apresentando hábeis, portanto, à modificação do aresto hostilizado, de sorte que pudessem
habilitá-lo ao recebimento da benesse perseguida.
Muito pouco, na verdade, a viabilizar o manejo da rescisória com fundamento no inciso VII do
artigo 966 do Código de Processo Civil, em que se exigem novos elementos, ausentes na prova
documental produzida originariamente, e que foram a causa da negativa do pedido inicial.
Observando-se, porém, que a causa de pedir desta rescisória, segundo as máximas jura novit
curia e da mihi factum, dabo tibi jus, não se limita à obtenção de prova nova, estendendo-se, as
alegações de que “a decisão supramencionada afronta o disposto no inciso I, alínea “a” e os
incisos VI e VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/91”, “o disposto no inciso I do Artigo 39” e “o inciso
III do artigo 26 que tem que ser analisado em conjunto com o artigo 143, todos da Lei nº
8.213/91”, ao fundamento explicitado no inciso V do artigo 966 do CPC, há que se prosseguir
no exame quanto à possível ocorrência de violação manifesta a norma jurídica, também
segundo posição consolidada desta Seção especializada (AR n.º 0019806-74.2015.4.03.0000,
Rel. Des. Fed. Lucia Ursaia, julgado em 08/08/2019).
Para a maciça doutrina processual, violar norma jurídica significa desbordar por inteiro do texto
e do contexto legal, importando flagrante desrespeito à lei, em ter a sentença de mérito sido
proferida com extremo disparate, completamente desarrazoada.
José Frederico Marques referia-se a "afronta a sentido unívoco e incontroverso do texto legal"
(Manual de Direito Processual Civil, vol. III, Bookseller, 1ª edição, p. 304). Vicente Greco Filho,
a seu turno, que "a violação de lei para ensejar a rescisória deve ser frontal e induvidosa"
(Direito Processual Civil Brasileiro, 2º vol., Saraiva, 5ª edição, p. 385).
Constata-se também o fato de o dispositivo resguardar não apenas a literalidade da norma, mas
seu sentido, sua finalidade, muitas vezes alcançados mediante métodos de interpretação
(Sérgio Rizzi,Ação Rescisória, São Paulo, RT, 1979, p. 105-107).
José Carlos Barbosa Moreira, criticando a expressão "literal disposição de lei", ponderava, sob
o Código de 1973: "O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da
lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgar na solução da quaestio iuris
quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum"
(Comentários ao código de processo civil. 11.ª ed., vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
130).
Igualmente, Flávio Luiz Yarshell: "Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca
da interpretação que se deve dar ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a 'literal'
disposição de lei, em primeiro lugar, há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter
excepcional da ação rescisória, que não se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão,
tampouco se revelando simples abertura de uma nova instância recursal, ainda que de direito.
Contudo, exigir-se que a rescisória caiba dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a
interpretação que se deva dar ao dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos
limites desse excepcional remédio, significaria um empobrecimento do próprio sistema,
entendido apenas pelo sentido literal de suas palavras. Daí por que é correto concluir que a lei,
nessa hipótese, exige que tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da
norma" (Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 323).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado, obra
citada, p. 2.024), não sem antes consignarem que “a substituição de ‘lei’ por ‘norma jurídica’
não alterou substancialmente o sentido do inciso, em relação a seu correspondente no
CPC/1973”, assim repercutem para o ponto: “a decisão de mérito transitada em julgado que não
aplicou a lei ou a aplicou incorretamente é rescindível com fundamento no CPC 966 V,
exigindo-se agora, de forma expressa, que tal violação seja visível, evidente – ou, como certa
vez se manifestou o STJ a respeito, pressupõe que ‘é a decisão de tal modo teratológica que
consubstancia o desprezo do sistema de normas pelo julgado rescindendo’ (STJ, 3.ª Seção, AR
2625-PR, rel. Min. Sebastião Reis Junior, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, j.
11.9.2013, DJUE 1.º.10.2013)”.
Conclui-se ser inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em
interpretações controvertidas, embora fundadas. A rescisória não se confunde com nova
instância recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que
agrida a literalidade ou o propósito da norma.
Sob outro aspecto, conquanto no âmbito desta Seção especializada tenha sido alargada cada
vez mais, no julgamento de rescisórias, a máxima de que "ao formular suas postulações ou
defesas, a parte tem o ônus absoluto de alegar os fatos em que se fundam, sob pena de, em
princípio, não poderem ser, ou ao menos não serem levados em conta pelo juiz ao decidir. Não
têm porem um ônus da mesma intensidade quanto às normas legais aplicáveis ou sobre a
interpretação correta dos textos constitucionais ou legais, porque o juiz tem o dever de
conhecer bem o direito e aplicá-lo corretamente ainda quando as partes não hajam invocado
normal alguma ou hajam invocado uma norma de modo impróprio. Na teoria dasubstanciação,
acatada pelo sistema processual brasileiro, o juiz está vinculado aos fatos narrados na petição
inicial, não podendo decidir com fundamento em outros, mas é sempre livre para aplicar o
direito conforme seu entendimento - porquejura novit curia", convém não olvidar que "essa
regra é mitigada quando se cuidado recurso extraordinário ou do especial, qualificados
comorecursos de direito, bem comoda ação rescisória por violação a literal disposição de lei
(CPC, art. 485, inc. V), nos quaisa parte tem o ônus de indicar o preceito constitucional ou legal
alegadamente transgredido, para que o tribunal decida sobre a ocorrência ou não de uma
infidelidade a ele" (Cândido Rangel Dinamarco,Vocabulário do processo civil. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 352).
Válidas a esse propósito, outrossim, as anotações na obra de Theotonio Negrão (citada, 45ª
edição, p. 610), no sentido de que "'A indicação que se dispensa é a do art. 485, V; pouco
importa que o autor, na inicial, deixe de menciona-lo, ou que, por engano, mencione texto
diverso.Precisa ele, ao contrário, indicar a norma (ou as normas) que, a seu ver, a sentença
rescindenda violou, como elemento(s) que é (ou são) da sua causa de pedir' (RSTJ 47/181; a
citação é do voto do relator, reproduzindo lições de Barbosa Moreira)"; e "A ação rescisória não
pode ser julgada procedente com base em violação a disposição de lei outra que a indicada na
petição inicial: 'Se a ação rescisória é ajuizada com fundamento em violação de literal
disposição de lei, não cabe ao julgador acolher o pedido e afastar a autoridade da coisa julgada
ao argumento de que violada disposição diversa daquela que alegada pelo autor' (RSTJ
181/231)".
In casu, a alegação é de que o julgado rescindendo violou os dispositivos de lei a que se fez
menção, supra, ao decretar a improcedência do pedido originário, sob o fundamento da
inexistência de comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício, porque “o acórdão subscrito contrariou a prova dos autos e julgou
improcedente a Exordial, pois diante dos documentos e dos depoimentos da parte e das
testemunhas, não há como entender que tais depoimentos não atendem ao objetivo de provar a
prestação de serviços rurais pelo período de tempo exigido e que os documentos anexados aos
autos, não faz demonstração do exercício da atividade laborativa na condição de rurícola”.
Ocorre que, nos termos do excerto acima transcrito, as provas coligidas aos autos originários
foram expressamente analisadas no acórdão que se busca rescindir, valorando-as de modo a
se compreender a inviabilidade do reconhecimento do trabalho rural, quer seja pela insuficiência
do início de prova material quer seja porque “a prova oral foi lacônica e evasiva quanto aos
períodos supostamente laborados pelo autor nas lides rurais”.
Assim, cogitar-se da ocorrência de afronta a dispositivos legais, mesmo aqueles invocados pelo
autor, implicaria no revolvimento de provas, inviável na presente via.
Com efeito, a se envolver discussão acerca da demonstração da atividade rural, precipuamente
ligada à valoração dos elementos probatórios apresentados na demanda originária, seria
possível inquinar o conteúdo decisório, no máximo, de injusto, sem que se possa vislumbrar,
contudo, ofensa direta à redação do texto legal tido por violado.
E a ação rescisória, frise-se, não se presta à rediscussão do julgado quando a questão tenha
sido apreciada no processo originário, não se permitindo seu manejo, com amparo no inciso V
do artigo 966 do CPC, com o intento do mero reexame de provas, não ensejando a
desconstituição sua má apreciação, apesar de injusta (3.ª Seção, AR n.º 0017374-
24.2011.4.03.0000, Rel. Juíza Convocada Leila Paiva, julgado em 01/12/2020).
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de rescisão do julgado.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$
1.000,00, consoante entendimento da 3.ª Seção desta Corte, suspendendo a determinação à
vista da concessão, nos presentes autos, da gratuidade da justiça.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO
MANIFESTA A NORMA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE PROVA NOVA. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO.
- A rescisória é ação que objetiva derrubar a coisa julgada já formada. Busca impugnar decisão
atingida pela coisa julgada material. Passada em julgado e a salvo de qualquer recurso. Sua
finalidade não é rescindir todo e qualquer julgado. As hipóteses são restritas e taxativas, por se
estar diante da autoridade da coisa julgada, de decisão que produziu, a todas as luzes, eficácia
completa.
- Casuística em que, segundo as máximas jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus, o
argumento da parte autora não se limita à obtenção de prova nova, estendendo-se à hipótese
explicitada no inciso V do art. 966 do CPC, havendo que se prosseguir no exame quanto à
possível ocorrência do fundamento em questão. Precedentes.
- O art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil, firma a possibilidade de se julgar procedente
a rescisória na hipótese em que a decisão sob análise "violar manifestamente norma jurídica".
- Caso em que a alegação de que a decisão violou disposições normativas não autoriza a sua
rescisão, porque as provas coligidas aos autos originários foram expressamente analisadas no
julgado cuja desconstituição se pretende, tendo sido valorados os elementos de modo a se
compreender a inviabilidade do reconhecimento de tempo de trabalho rural da parte segurada,
não se cogitando da ocorrência de afronta a dispositivos legais, o que implicaria no
revolvimento de provas, inviável na presente via.
- O art. 966, inciso VII, do Código de Processo Civil, em sua primeira parte, disciplina que a
decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando "obtiver o autor,
posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde
fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável".
- Caso em que os documentos tidos como novos são datados de momentos posteriores àquele
em que proferida a decisão rescindenda, não se configurando, portanto, como provas novas no
sentido técnico atribuído ao termo pela lei processual civil, nem sequer revelando-se, ademais,
suficientes para alterar as conclusões do julgado rescindendo. Precedentes.
- Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar improcedente o pedido de rescisão do julgado, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
