
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6019130-58.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANDERSON CRISTIANO VILLAS BOAS CUSTODIO
CURADOR: LUCIA HELENA VILLAS BOAS
Advogado do(a) APELADO: DAVID VITORIO MINOSSI ZAINA - SP196581-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6019130-58.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: DECISÃO ID. 144524211 – pág. 01/10
INTERESSADO: ANDERSON CRISTIANO VILLAS BOAS CUSTODIO
CURADOR: LUCIA HELENA VILLAS BOAS
Advogado do(a) APELADO: DAVID VITORIO MINOSSI ZAINA - SP196581-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator):
Trata-se de agravo interno previsto no art. 1.021 do CPC interposto pelo INSS, em face de decisão monocrática id. 144524211 – pág. 01/10, que negou provimento à sua apelação e à remessa oficial tida por interposta, mantendo sentença que julgou procedente pedido para condenar Autarquia a implantar em favor do autor o benefício de pensão por morte, em razão do falecimento de seu avô, o Sr. Benedicto Antônio Villas Boas, ocorrido em 14.05.2017, desde a data de entrada do requerimento administrativo (28.09.2017).Alega o agravante, preliminarmente, ser de rigor o sobrestamento do presente feito até o trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF no RE 1.164.452, ADI 4.878 e ADI 5.083. No mérito, sustenta não restar comprovada a condição de dependente, ante a inexistência de amparo legal, na hipótese de deferimento do benefício de pensão por morte a menor sob guarda, em razão do óbito de seu avô, na vigência da MP nº 1.523/1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97; que o STJ no RESP repetitivo n° 1.411.258 entendeu que, mesmo após essa alteração legislativa, o direito do menor encontraria amparo no art. 33, § 3º, do ECA, fazendo assim uma declaração de inconstitucionalidade implícita, vedada pela CF; que o ECA é inaplicável ao caso porque a alteração promovida pela Lei n. 9.528/97, que excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes do segurado, é legislação posterior e especial.; que mesmo que fosse aplicado o parágrafo 2º, do artigo 16, da Lei 8213/91, por analogia, ainda, assim, não houve comprovação da dependência econômica, nos termos do artigo 16, parágrafos 3º e 4º, combinado com o artigo 22, alínea “c” e parágrafo 3º, todos do Decreto 3048/99, que exige a certidão judicial de tutela e, no mínimo, três documentos para comprovar a dependência econômica, o que não foi apresentado no presente processo; que a r. decisão monocrática, ao garantir o direito à pensão por morte ao menor sob guarda, afastou a aplicação da norma prevista no parágrafo 2º do art. 16, da Lei nº 8.213/91, sem declarar sua inconstitucionalidade na forma prevista no artigo 97 da CF e nos artigos 948 e 949 do Código de Processo Civil, os quais determinam a observância do princípio da reserva de plenário. Requer, pois, o conhecimento e o acolhimento do presente agravo interno, para que, em juízo de retratação, o Eminente Relator modifique sua r. decisão monocrática, ou, em caso negativo, requer-se que seja levado o presente para julgamento pelo órgão colegiado, apreciando-se as questões expostas no presente recurso, inclusive com o prequestionamento dos dispositivos indicados, possibilitando-se a interposição de recurso especial e/ou extraordinário.
Intimada na forma do artigo 1.021, § 2º, do CPC, não houve manifestação da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6019130-58.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: DECISÃO ID. 144524211 – pág. 01/10
INTERESSADO: ANDERSON CRISTIANO VILLAS BOAS CUSTODIO
CURADOR: LUCIA HELENA VILLAS BOAS
Advogado do(a) APELADO: DAVID VITORIO MINOSSI ZAINA - SP196581-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Da preliminar.
No que tange ao pedido de sobrestamento do presente feito até o trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF no RE 1.164.452, ADI 4.878 e ADI 5.083, assinalo que não se aplica à atual fase processual, devendo a referida questão ser apreciada quando do juízo de admissibilidade de eventual recurso extraordinário.
Ressalto que não se exige o trânsito em julgado do acórdão paradigma para aplicação da tese firmada pelo E. STJ aos processos em curso, mormente em se tratando de tema julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Do mérito.
Argumenta o réu, ora agravante, que a legislação previdenciária não contemplou, como dependente, o neto do segurado falecido e que o menor sob guarda foi excluído do rol de dependentes, com a revogação do § 3º do art. 33 da Lei 8.069/90.
Relembre-se que a parte autora pleiteou o benefício de pensão por morte, em decorrência do falecimento de seu avô, ocorrido em 14.05.2017.
No que tange à condição de dependente do autor, na condição de neto inválido sob guarda, restou observado o regime jurídico vigente à época do falecimento de seu avô, aplicando-se, portanto, o regramento traçado pelo art. 16 da Lei nº 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.528/97.
Verificou-se, assim, dos autos que o autor é portador de retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, tendo sido interditado no ano de 2004 (id. 93656587 – pág. 01), o que demonstra a sua condição de inválido. Outrossim, foi carreada aos autos cópia do “Termo de entrega sob guarda e responsabilidade” (id. 93656585 – pág. 01), datado de 28.02.1989, em que o autor, menor na época, foi confiado ao seu avô e sua avó, para que estes zelassem pela sua saúde, educação e moralidade.
Ademais, na declaração de imposto de renda do segurado instituidor, referente aos exercícios 2015, 2016 e 2017, o autor figura como seu dependente. Cabe ressaltar, ainda, a existência de fotografias retratando a convivência entre eles desde a infância. Por seu turno, os depoimentos testemunhais transcritos na sentença foram unânimes no sentido de que o Sr. Benedicto era o responsável pelo autor e que eles estavam sempre juntos.
De outra parte, conforme já assinalado, no ano de 2004, o autor, já com mais de 18 anos de idade, foi interditado, tendo o Sr. Benedicto Antônio Villas Boas sido nomeado curador.
Importante salientar que em consulta ao CNIS verificou-se que a mãe do autor, a Sra. Lucia Helena Villas Boas, apresenta vínculos empregatícios até fevereiro de 2014, de forma que ela se encontrava desempregada nos últimos três anos que antecederam o óbito do Sr. Benedicto, o que fortalece a posição deste como principal provedor do neto.
No tocante à exclusão do menor sob guarda, para fins de dependência, observou-se, ainda, que as alterações previdenciárias trazidas pela lei não tiveram o condão de derrogar o art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei nº 8.069, de 13.07.1990), o qual confere à criança e ao adolescente sob guarda a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. Caso contrário, haveria ofensa à ampla garantia de proteção ao menor disposta no art. 227 do texto constitucional, que faz distinção entre o tutelado e o menor sob guarda. Este, portanto, tem assegurada sua condição de dependente, por presumida.
Destaco, ainda, que no julgamento do REsp 1.411.258/RS, de Relatoria do Exmo. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, afetado à sistemática dos recursos repetitivos (TEMA 732), publicado no Diário da Justiça Eletrônico do dia 21.02.2018, restou firmada a seguinte tese: " O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97".
Anote-se, por oportuno, o seguinte precedente desta 10ª Turma:
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA DA AVÓ. DEPENDÊNCIA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE.
1. A Lei 8.213/91, em seu artigo 16, § 2º, equiparava o menor sob guarda ao filho do segurado, porém esse dispositivo foi modificado pela Lei 9.528/97 (conversão da Medida Provisória nº 1.523/1996), que permitiu a equiparação apenas para o menor tutelado, além do enteado.
2. Ao juiz é vedado substituir-se ao legislador positivo, criando lei para aplicar ao caso concreto. Todavia, no caso em análise, não se trata de criação de norma jurídica, mas da simples interpretação da norma previdenciária a partir do sistema constitucional de regência, o qual, a respeito do tema, no artigo 227, § 3º, II, garante à criança, ao adolescente e ao jovem direitos previdenciários, artigo 33, § 3º, da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e artigo 26 da Convenção Internacional dos Direitos Humanos da Criança, ratificada pelo Brasil, de observância obrigatória, conforme artigo 5º, "caput", e § 2º, da CF.
3. Da análise do termo de guarda e responsabilidade, lavrado pela 2ª Vara da Infância e da Juventude de Presidente Prudente (fls. 29), extrai-se que os autores, nascidos, respectivamente, em 17/01/1993 e 31/10/1996, foram entregues à avó, em 20/09/1999, por prazo indeterminado, com a obrigação de zelar pela guarda, saúde, educação e moralidade do menor. Outrossim, a prova testemunhal ampliou a eficácia probatória do documento juntado aos autos, quanto à dependência econômica dos autores em relação à avó (fls. 159). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e da Décima Turma desta Corte Regional.
4. A pensão por morte ora deferida é de ter por vista, exclusivamente, o benefício de aposentadoria desfrutado pela avó, dado que a pensão por morte que recebia era decorrente de relação jurídica estranha à parte autora desta ação.
5. Reexame necessário e apelação do INSS parcialmente providos.
(AC 2009.61.12.010518-8/SP, Rel. Desembargadora Federal LUCIA URSAIA, D.E. 04.12.2014)
Nesse contexto, a despeito de o autor, no caso vertente, ter alcançado a maioridade por ocasião do óbito de seu avô, a orientação acima explanada pode ser aplicada por analogia, dada a situação de vulnerabilidade decorrente da condição de inválido.
Por derradeiro, ressalto que a jurisprudência da Suprema Corte é firme no sentido de que não se exige a reserva de plenário para a mera interpretação e aplicação da Lei, caso dos autos.
Diante do exposto,
rejeito a preliminar arguida e, no mérito, nego provimento ao agravo (CPC, art. 1.021) interposto pelo INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. PENSÃO POR MORTE. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESNECESSIDADE. NETO INVÁLIDO SOB GUARDA DO AVÔ. ÓBITO DO DETENTOR DA GUARDA APÓS A ALTERAÇÃO DO ART. 16, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91.INCONSTITUCIONALIDADE.
I - No que tange ao pedido de sobrestamento do presente feito até o trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF no RE 1.164.452, ADI 4.878 e ADI 5.083, assinalo que não se aplica à atual fase processual, devendo a referida questão ser apreciada quando do juízo de admissibilidade de eventual recurso extraordinário. Ressalta-se que não se exige o trânsito em julgado do acórdão paradigma para aplicação da tese firmada pelo E. STJ aos processos em curso, mormente em se tratando de tema julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos.
II - Em relação à condição de dependente do autor, na condição de neto inválido sob guarda, restou observado o regime jurídico vigente à época do falecimento de seu avô, aplicando-se, portanto, o regramento traçado pelo art. 16 da Lei nº 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.528/97.
III - O autor é portador de retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, tendo sido interditado no ano de 2004, o que demonstra a sua condição de inválido
IV - No caso vertente, foi carreada aos autos cópia do “Termo de entrega sob guarda e responsabilidade”, datado de 28.02.1989, em que o autor, menor na época, foi confiado ao seu avô e sua avó, para que estes zelassem pela sua saúde, educação e moralidade. Ademais, na declaração de imposto de renda do segurado instituidor, referente aos exercícios 2015, 2016 e 2017, o autor figura como seu dependente. Cabe ressaltar, ainda, a existência de fotografias retratando a convivência entre eles desde a infância. Por seu turno, os depoimentos testemunhais transcritos na sentença foram unânimes no sentido de que o Sr. Benedicto era o responsável pelo autor e que eles estavam sempre juntos.
V - Importante salientar que em consulta ao CNIS verificou-se que a mãe do autor, a Sra. Lucia Helena Villas Boas, apresenta vínculos empregatícios até fevereiro de 2014, de forma que ela se encontrava desempregada nos últimos três anos que antecederam o óbito do Sr. Benedicto, o que fortalece a posição deste como principal provedor do neto.
VI - No tocante à exclusão do menor sob guarda, para fins de dependência, observou-se, ainda, que as alterações previdenciárias trazidas pela lei não tiveram o condão de derrogar o art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei nº 8.069, de 13.07.1990), o qual confere à criança e ao adolescente sob guarda a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. Caso contrário, haveria ofensa à ampla garantia de proteção ao menor disposta no art. 227 do texto constitucional, que faz distinção entre o tutelado e o menor sob guarda. Este, portanto, tem assegurada sua condição de dependente, por presumida.
VII - No julgamento do REsp 1.411.258/RS, de Relatoria do Exmo. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, afetado à sistemática dos recursos repetitivos (TEMA 732), publicado no Diário da Justiça Eletrônico do dia 21.02.2018, restou firmada a seguinte tese: "O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97".
VIII - A despeito de o autor, no caso vertente, ter alcançado a maioridade por ocasião do óbito de seu avô, a orientação acima explanada pode ser aplicada por analogia, dada a situação de vulnerabilidade decorrente da condição de inválido.
IX - A jurisprudência da Suprema Corte é firme no sentido de que não se exige a reserva de plenário para a mera interpretação e aplicação da Lei, caso dos autos.
X - Preliminar rejeitada. Agravo (CPC, art. 1.021) interposto pelo INSS desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida e, no mérito, negar provimento ao agravo (CPC, art. 1.021) interposto pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
