
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002335-59.2022.4.03.6128
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DAVILSON DONIZETI PROTTI
Advogados do(a) APELADO: GISELE CRISTINA MACEU SANGUIN - SP250430-A, HILDEBRANDO PINHEIRO - SP168143-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002335-59.2022.4.03.6128
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DAVILSON DONIZETI PROTTI
Advogados do(a) APELADO: GISELE CRISTINA MACEU SANGUIN - SP250430-A, HILDEBRANDO PINHEIRO - SP168143-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ (RELATORA): Trata-se de agravo interno interposto pelo INSS nos termos do artigo 1.021 do Código de Processo Civil em face da decisão que, em síntese, conheceu parcialmente de sua apelação para negar-lhe provimento, mantendo sentença de parcial procedência que reconheceu períodos de trabalho especial e julgou procedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição.
A agravante alega a impossibilidade de enquadramento da atividade especial por exposição a agente químico quando comprovada a utilização de EPI eficaz após 02/12/1998 e que, por isso, ausente a prévia fonte de custeio, requisito indispensável para a concessão de qualquer benefício. Sustenta, ainda, ser indevido o reconhecimento da especialidade do período de 01/04/2013 a 31/03/2014, uma vez que foi indicada exposição a ruído em “diferentes níveis de efeitos sonoros, baseando-se no critério do ‘pico do ruído’”. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Apresentada resposta pelo agravado, vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002335-59.2022.4.03.6128
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DAVILSON DONIZETI PROTTI
Advogados do(a) APELADO: GISELE CRISTINA MACEU SANGUIN - SP250430-A, HILDEBRANDO PINHEIRO - SP168143-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ (RELATORA): Trata-se de agravo interno, na forma prevista no artigo 1.021 do CPC, cujo propósito é submeter ao órgão colegiado o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida.
Como já fundamentado na decisão atacada, foi reconhecido o caráter especial da atividade exercida com exposição a hidrocarbonetos, consignando-se que o fato de o PPP indicar o uso de EPI não afasta a especialidade do labor.
No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial".
Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
O fornecimento de EPI não é suficiente a afastar o malefício do ambiente de trabalho quando se tratar de agente nocivo qualitativo (caso dos hidrocarbonetos em exame), tendo em vista a própria natureza deste, cuja ofensividade decorre da sua simples presença no ambiente de trabalho, não havendo limites de tolerância ou doses como parâmetro configurador da insalubridade, tampouco como se divisar que o EPI ou EPC possa neutralizá-la. Isso, no mais das vezes, é reconhecido pelo próprio INSS.
Esta Colenda 7ª Turma desta Egrégia Corte Regional já decidiu neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE QUÍMICO. CHUMBO. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. RUÍDO. RECONHECIMENTO. TEMPO SUFICIENTE. BENEFÍCIO ESPECIAL DEFERIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.
(…)
11 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
(…)
15 - No que diz respeito ao ínterim de 04/05/2006 a 25/07/2011, segundo ensinamentos químicos, os hidrocarbonetos aromáticos contêm em sua composição o benzeno, substância listada como cancerígena na NR-15 do Ministério do Trabalho (anexo nº 13-A). E, de acordo com o §4º do art. 68 do Decreto nº 8.123/13, que deu nova redação ao Decreto 3.048/99, a submissão a substâncias químicas com potencial cancerígeno autoriza a contagem especial, sem que interfira, neste ponto, a concentração verificada. Irrelevante, desta forma, se houve uso de equipamentos de proteção. Sob este prisma, possível o enquadramento do período de 04/05/2006 a 25/07/2011 como especial.
(…)
17 - Desta maneira, à vista do conjunto probatório, enquadrados como especiais os períodos de 01/02/1989 a 25/07/2011 e 02/05/2013 a 28/03/2017.
(…)
24 - Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002252-12.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 10/05/2022, Intimação via sistema DATA: 13/05/2022).
Acrescente-se que não há como se sonegar o direito do segurado de averbação do labor em condições especiais sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia.
Nesse sentido, restou consignado no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, que a ausência de prévia fonte de custeio não prejudica o direito dos segurados à aposentadoria especial, em razão de não haver ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o art. 195, § 5º, da Constituição Federal (que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios previdenciários sem a correspondente fonte de custeio), contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria constituição, como é o caso da aposentadoria especial.
Destarte, existindo prova da efetiva exposição do segurado aos agentes químicos hidrocarbonetos, de rigor a caracterização da especialidade do labor.
Quanto ao agente ruído, a agravante alega que o período de 01/04/2013 a 31/03/2014 não pode ser considerado especial pois houve exposição a ruído variável, nos termos abaixo (agravo interno ID 290834314):
“A r. decisão monocrática procedeu ao reconhecimento de tempo especial no período de 01/04/2013 a 31/03/2014, entendendo que houve exposição ao agente nocivo ruído em nível superior aos limites de tolerância, com base no nível máximo do ruído aferido (pico), considerando ruído variável de 82,8 a 86,6dB, e não pela metodologia adequada prevista na NHO-01, que considera a exposição durante a jornada de trabalho, sem que haja perícia técnica judicial comprovando a habitualidade e a permanência da exposição.
Assim, a r. decisão monocrática viola os dispositivos em epígrafe, tendo em vista que não é possível o reconhecimento de tempo especial por exposição ao agente ruído, baseando-se no "pico do ruído", quando, inexistente a informação acerca do Nível de Exposição Normalizado (NEN), não houver sido realizada perícia técnica judicial que comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço, na forma do que decidido pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Tema 1.083, senão vejamos:
O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.
(grifo nosso)
Vê-se, portanto, que a r. decisão monocrática merece reforma, uma vez que, na tese fixada por esse Colendo STJ no Recurso Especial Repetitivo nº 1.886.795/RS (Tema 1.083), restou claro que somente pode ser utilizado o critério do "pico de ruído" quando há perícia técnica judicial que comprove a exposição habitual e permanente ao agente nocivo.”
Ocorre que a especialidade do período foi reconhecida em sentença e mantida na decisão agravada em razão da indicação de que havia exposição a ruído de 86,60 dB(A), conforme PPP ID 282708216, pág. 45, a seguir:
Assim verifica-se que as alegações estão dissociadas das razões de decidir, não merecendo conhecimento.
Note-se, ainda, que a matéria também não fez parte da apelação do INSS que, ao se insurgir contra o enquadramento especial dos períodos laborados na empresa Takata Brasil S/A, deixou de mencionar o interregno, uma vez que o ruído estava, efetivamente, acima do limite legal de tolerância, in verbis (ID 282708360, pág. 4):
Dessa maneira, as alegações não podem ser conhecidas também em razão da inovação recursal.
Relativamente ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais, tendo sido o recurso apreciado em todos os seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.
Assim, as razões recursais não se mostram suficientes para elidir os fundamentos do decisum, que deve ser mantido.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do agravo interno para NEGAR-LHE PROVIMENTO.
É o voto.
/gabiv/ka
E M E N T A
PROCESSO CIVIL – PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES QUÍMICOS HIDROCARBONETOS. EPI. ESPECIALIDADE CONFIGURADA. FONTE DE CUSTEIO. RUÍDO VARIÁVEL – RAZÕES DISSOCIADAS. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.
- Nos termos consignados na decisão recorrida, o fato de o PPP/laudo indicar o uso de EPI não afasta a especialidade do labor. No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial".
- Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
- O fornecimento de EPI não é suficiente a afastar o malefício do ambiente de trabalho quando se tratar de agente nocivo qualitativo (caso dos hidrocarbonetos em exame), tendo em vista a própria natureza deste, cuja ofensividade decorre da sua simples presença no ambiente de trabalho, não havendo limites de tolerância ou doses como parâmetro configurador da insalubridade, tampouco como se divisar que o EPI ou EPC possa neutralizá-la. Isso, no mais das vezes, é reconhecido pelo próprio INSS.
- Não há como sonegar o direito do segurado de averbação do labor em condições especiais sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia.
- A ausência de prévia fonte de custeio não prejudica o direito dos segurados à aposentadoria especial, em razão de não haver ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o art. 195, § 5º, da Constituição Federal (que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios previdenciários sem a correspondente fonte de custeio), contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria constituição, como é o caso da aposentadoria especial (Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, do STF, em sede de Repercussão Geral).
- A especialidade do período de 01/04/2013 a 31/03/2014 foi reconhecida em razão da exposição a ruído de 86,60 dB(A), conforme constou em PPP, de modo que a alegação de impossibilidade de reconhecimento do trabalho especial por exposição a ruído variável apresenta-se dissociada das razões de decidir.
- Não se conhece de matéria não aduzida pelo agravante em suas razões de apelação por constituir inovação recusal.
- Agravo interno parcialmente conhecido e não provido.
