
| D.E. Publicado em 30/05/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002730-42.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face da r. sentença que julgou procedente o pedido, para reconhecer o tempo de trabalho rural no período compreendido de 6/7/1970 a 31/12/2000 e conceder à autora o benefício de aposentadoria por idade híbrida, desde o requerimento administrativo, discriminados os consectários, dispensado o reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária requer a reforma integral do julgado, alegando a ocorrência de coisa julgada e que a parte autora não reuniu elementos probatórios bastantes para a comprovação da atividade rural. Subsidiariamente requer seja aplicada a penalidade de litigância de má-fé à autora e ao seu patrono. Prequestiona a matéria.
Contrarrazões apresentadas.
Subiram os autos a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: De início, não conheço do agravo retido interposto pelo INSS, por não ter havido pedido de reiteração de sua apreciação nas razões da apelação, conforme determinava o art. 523, § 1º, do CPC/1973.
Todavia, o recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Preliminarmente, rejeito a alegação de violação à coisa julgada. O fato deste e. Tribunal ter julgado improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural da autora, não afasta seu direito de pleitear benefício previdenciário diverso, com o aproveitamento de tempo de atividade rural, sequer reconhecido em ação anterior.
Conclui-se, dessa forma, que o resultado dado à primeira causa não vincula à segunda, por conterem pedidos e fundamentos diversos.
Por oportuno, cito valiosa lição de Theotonio Negrão:
"Diversas as causas de pedir, em uma e outra demanda, inexiste coisa julgada, a obstar seja apreciado o mérito da segunda. Irrelevante que o acórdão, ao julgar a apelação no primeiro processo, haja adiantado considerações, que interessariam ao segundo, mas não se comportavam naquele (STJ-3ª t., Resp 3.171, Min. Eduardo Ribeiro, j. 23.10.1990, DJU 19.11.90)." (in Código de Processo Civil, 44. Ed., São Paulo: Saraiva, 2012, nota art. 469:9a, p. 549)
Desta feita, não há cogitar dos efeitos da coisa julgada.
No mérito, discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício de aposentadoria por idade mista.
A aposentadoria por idade, rural e urbana, é garantida pela Constituição Federal em seu artigo 201, §7º, inciso II, para os segurados do regime geral de previdência social (RGPS), nos termos da lei e desde que obedecidas as seguintes condições:
"II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;" |
Esta aposentadoria é regulada no artigo 48 da Lei n. 8.213/91, cujo teor, após as alterações introduzidas pela Lei n. 11.718/2008, é o seguinte (g. n.):
Art. 48 - A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95) |
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei 9.876, de 26.11.99) |
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benéfico pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) |
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) |
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) |
Consoante se verifica da redação dos §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei n. 8.213/91, a Lei n. 11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao segurado somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à carência exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. É a denominada aposentadoria por idade híbrida.
Sobre o tema, muitas interpretações surgiram nos tribunais.
Entretanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pautada, sobretudo, na busca de equilíbrio entre as necessidades sociais - decorrentes do fenômeno do êxodo rural - e o Direito, assentou entendimento de que a concessão da aposentadoria híbrida independe da predominância das atividades, tampouco se mostra relevante averiguar o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento.
Confira-se:
No que concerne à prova do exercício da atividade rural, certo é que o legislador exigiu o início de prova material (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91), no que foi secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando da edição da Súmula n. 149.
Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por meio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Contudo, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar, na forma da súmula nº 34 da TNU.
Admite-se, ainda, a extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro. Para além, segundo a súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Com relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp 207.425, 5ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Pois bem, para a concessão do benefício previdenciário, via de regra, é necessário verificar se a autora preenche os requisitos legais estabelecidos, a saber:
a) contingência ou evento, consistente na idade mínima;
b) período de carência, segundo os artigos 25, II, e 142 da LBPS;
c) filiação, que no caso de aposentadoria por idade urbana é dispensada no momento do atingimento da idade ou requerimento.
No caso em discussão, o requisito etário restou preenchido em 23/3/2008, quando a parte autora completou 60 (sessenta) anos de idade. Dessa forma, atende ao requisito da idade, previsto no artigo 48, caput, da Lei nº 8.213/91.
Porque houve uma modificação significativa da carência para os benefícios em questão, passando de 60 (sessenta) contribuições do sistema anterior (CLPS) para 180 (cento e oitenta) contribuições no atual texto (art. 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/91), a intenção do legislador foi não frustrar a expectativa dos segurados que já estavam inscritos no Regime Geral de Previdência Social, criando, assim, uma tabela progressiva.
No caso, deve ser observado o artigo 142 da Lei nº 8.213/91, que tem a seguinte dicção:
Para além, tendo a autora completado a idade mínima em 2008, o número necessário à carência do benefício é o relativo a tal ano, ainda que só atingido posteriormente. Com efeito, nos termos da súmula nº 44 da TNU, "Para efeito de aposentadoria urbana por idade, a tabela progressiva de carência prevista no art. 142 da Lei nº 8.213/91 deve ser aplicada em função do ano em que o segurado completa a idade mínima para concessão do benefício, ainda que o período de carência só seja preenchido posteriormente."
A carência é de 180 (cento e oitenta) contribuições, segundo artigo 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
Já, em relação ao requisito da filiação, o artigo 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003 dispensou a qualidade de segurado para a concessão da aposentadoria por idade, nos seguintes termos:
"Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial. |
§ 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício. |
(...)" |
Antes mesmo da vigência dessa norma, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça já havia firmado o entendimento de que o alcance da idade depois da perda da qual idade de segurado não obsta o deferimento do benefício, desde que satisfeita a carência prevista em lei. Dessa forma, não cabe cogitar aplicação retroativa da Lei n. 10.666/03.
Nessa esteira:
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR IDADE - PERDA DA QUAL IDADE DE SEGURADO - IRRELEVÂNCIA. 1. Para concessão de aposentadoria por idade , não é necessário que os requisitos exigidos pela lei sejam preenchidos simultaneamente, sendo irrelevante o fato de que o obreiro, ao atingir a idade mínima, já tenha perdido a condição de segurado." (ED em REsp n. 175.265/SP; Rel. Min. Fernando Gonçalves; j. 23/8/2000; v.u.) |
"PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR URBANO. APOSENTADORIA POR IDADE . PERDA DA QUAL IDADE DE SEGURADO. ART. 102 DA LEI Nº 8.213/91. 1. A perda da qual idade de segurado não impede a concessão de aposentadoria por idade , desde que atendidos os requisitos da idade mínima e do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas. 2. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 328.756/PR, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª Turma, DJ 9/12/2002, p. 398) |
Ou seja, os requisitos exigidos pela legislação previdenciária não precisam ser preenchidos, simultaneamente, no caso de aposentadoria por idade, segundo interpretação do artigo 102, § 1º da Lei 8.213/91, in verbis:
"Art. 102. (...). |
§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos." |
A parte autora requer o reconhecimento do tempo de atividade rural nos períodos de 1970 a 1984 e de 1991 até o ajuizamento da ação, a fim de ser somada às contribuições previdenciárias como contribuinte individual, bem como as realizadas por um período, como empregada doméstica (vide CNIS de f. 68/71 e CTPS de f. 30/31).
O benefício foi indeferido porque o INSS só computou 116 (cento e dezesseis) contribuições (f. 18).
Para tanto, no intuito de reforçar sua tese inicial, a autora coligiu aos autos inúmeros documentos que indicam a condição rural de sua família (vide folhas 16 usque 68 do processo em apenso), tais como:
- certidão de casamento - celebrado em 6/6/1970 -, na qual o cônjuge foi qualificado como avicultor;
- escritura de compra e venda (1970), relativa ao imóvel rural, em nome da autora e seu marido, este qualificado como agricultor;
- cédula rural de hipoteca, em nome do marido e da autora, junto a Cooperativa de Crédito Rural do Vale do Mogi-Guaçu, em que consta a qualificação de agricultor do primeiro;
- nota fiscal de compra de insumos, em nome do cônjuge;
- comunicação da Cooperativa Agrícola para plantio de milho na safra de 2000;
- declaração cadastral de produtor DECAP, em nome do marido da autora;
- convênio com o programa "Café para Todos", firmado com a Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente da Comarca de Descalvado/SP, para fornecimento de mudas.
Cumprido, assim, o requisito do artigo 55, § 2º, da LBPS e súmula nº 149 do STJ.
Por sua vez, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório corroboraram apenas parcialmente o mourejo asseverado, já que não abarcam integralmente o período alegado.
Ei-los:
João Antônio Assoni declarou que conheceu a autora em 1975 quando moravam e trabalham em sítios vizinhos, sendo que ela junto a seu marido sempre desempenhou atividades rurais. Quanto ao comércio desconhece se a autora desempenhava tal atividade, dizendo que só teve conhecimento que esta revendia perfumes. Declarou ainda que o marido da autora começou a trabalhar na prefeitura, mas continuou morando no sitio e exercendo atividades rurais. Por fim disse que em 2000 veio para a cidade e a autora e seu marido teriam vindo há aproximadamente 06 anos.
Marcelina da Silva Lima afirmou que conheceu a autora em 1980 quando moravam em sítios vizinhos, sendo que esta sempre exerceu atividades rurais junto ao marido. Disse não ter conhecimento se a autora possuía um comercio, sendo que esta e seu marido se mudaram para cidade há aproximadamente 15 anos.
Maria do Rosário da Silva Lima Camilo declarou que conhece a autora desde 1980, tendo sido vizinhas por aproximadamente 20 anos onde "plantavam para sobreviver", sendo que a autora sempre trabalhou junto ao marido. Afirmou que não tem conhecimento se a autora possuía um comércio. Quanto ao trabalho urbano do marido da autora, disse desconhecer tal atividade, pois sempre o via no sítio. Por fim declarou que a autora e o marido vieram morar na cidade, porém não sabe precisar quando isso ocorreu.
Contudo, como a autora não possui início de prova material em nome próprio e o marido é trabalhador urbano desde 1º/6/1983, entendo que após tal data, impossível o cômputo de tempo de atividade rural da autora.
Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo que somente pode ser computado, como período de carência para aposentadoria por idade híbrida, do período de trabalho realizado de 1º/1/1975 a 31/5/1983.
Com isso, somando-se o tempo de atividade rural referido no parágrafo anterior ao urbano já reconhecido pelo INSS, a autora cumpre o tempo de carência, nos termos dos artigos 48, § 3º c.c.142 c/c 25, II, da Lei n. 8.213/91.
Outrossim, encontra-se pacificado, no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que o período de atividade rural exercido anteriormente à Lei nº 8.213/91 pode ser computado também como período de carência, para fins de aposentadoria por idade mista, conformada no artigo 48, §§ 3º e 4º, da LBPS, com a redação dada pela Lei nº 11.718/2008.
Nesse sentido:
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos exigidos à concessão da aposentadoria por idade pleiteada.
À derradeira, não é o caso de condenar a requerente às penas por litigância de má-fé, pois a conduta da autora não guarda subsunção perfeita a nenhuma das hipóteses do art. 17 do CPC/1973 (art. 80 do CPC vigente). Não se pode vislumbrar abuso ou má-fé processual da autora, até mesmo porque má-fé não se presume. O ajuizamento desta ação previdenciária de aposentadoria por idade híbrida não a caracteriza. A autora exerceu seu direito de ação, pois o pedido de aposentadoria por idade rural foi julgado improcedente. Relembre-se que a imposição da sanção por litigância de má-fé pressupõe o dolo ou a malícia do litigante, aqui não evidenciados, de modo não é caso condenação.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Diante do exposto, não conheço do agravo retido e dou parcial provimento à apelação, para excluir o tempo de atividade rural de 1º/6/1983 a 31/12/2000.
É o voto.
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| Data e Hora: | 17/05/2017 11:36:02 |
