Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2071320 / SP
0021481-48.2015.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
12/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/08/2019
Ementa
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO.
DECADÊNCIA. LEI Nº 9.784/99. RESP 1.114.938/AL. NÃO CONFIGURADA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. SAQUES REALIZADOS APÓS O ÓBITO DO TITULAR. MÁ-FÉ
CONFIGURADA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VEDAÇÃO
AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E
ATUARIAL DA SEGURIDADE SOCIAL. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DOS ÔNUS
SUCUMBENCIAIS, COM SUSPENSÃO DE EFEITOS.
1- Anteriormente à vigência da Lei nº 9.784/99, a Administração podia rever seus atos a
qualquer tempo.
2 - Em sua vigência, importante destacar que a Lei do Processo Administrativo em comento
estabelecia, em seu art. 54, que "o direito da Administração de anular os atos administrativos
que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, decai em cinco anos, contados da data
em que foram praticados, salvo comprovada má-fé". Porém, antes de decorridos os 05 (cinco)
anos previstos na citada Lei, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela
Medida Provisória nº 138 (de 19/11/2003), convertida na Lei nº 10.839/04, que acrescentou o
art. 103-A a Lei nº 8.213/91, fixando em 10 (dez) anos o prazo decadencial para o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus
beneficiários.
3 - Cumpre ressaltar que até o advento da Lei nº 9.784/99 não havia previsão no ordenamento
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
jurídico de prazo de caducidade, de modo que os atos administrativos praticados até
01/02/1999 (data de vigência da Lei) poderiam ser revistos pela Administração a qualquer
tempo. Já com a vigência da indicada legislação, o prazo decadencial para as revisões passou
a ser de 05 (cinco) anos e, com a introdução do art. 103-A, foi estendido para 10 (dez) anos.
Destaque-se que o lapso de 10 (dez) anos extintivo do direito de o ente público previdenciário
rever seus atos somente pode ser aplicado a partir de fevereiro de 1999, conforme restou
assentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, por meio da sistemática dos recursos
repetitivos, quando do julgamento do REsp 1.114.938/AL (Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia
Filho, 3ª Seção, julgado em 14/04/2010, DJe 02/08/2010).
4 - Desta forma, sendo o benefício previdenciário concedido em data anterior à Lei nº 9.784/99,
o ente autárquico tem até 10 (dez) anos, a contar da data da publicação de tal Lei, para
proceder à revisão do ato administrativo (início do prazo decadencial em 1º de fevereiro de
1999, vindo a expirar em 1º de fevereiro de 2009); por sua vez, para os benefícios concedidos
após a vigência da Lei em tela, a contagem do prazo em comento se dará a partir da concessão
da prestação.
5 - No caso vertente, o crédito cobrado pelo INSS se refere às prestações vencidas do benefício
assistencial recebidos pela parte autora, em nome de sua falecida genitora, no período de
01/04/2004 a 30/11/2004. Por outro lado, o ato administrativo mais remoto documentado nos
autos, que revela o ânimo da Autarquia Previdenciária de proceder ao exercício da autotutela, é
o Ofício de cobrança enviado à demandante em 12 de novembro de 2012 (fl. 8).
6 - Não consumado o prazo decadencial previsto no artigo 103-A da Lei 8.213/91, uma vez que
o ato administrativo foi praticado antes de 01/04/2014, deve ser afastada a alegação de
decadência do direito de revisão administrativa do benefício.
7 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
8 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
9 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
10 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio
Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de
verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
11 - Deve-se ponderar que a Seguridade Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
12 - In casu, a Sra. BENICIA CARDOZA DE JESUS recebeu proventos de amparo social ao
portador de deficiência (NB 1097414709 - fl. 28), desde 19/05/1998 até o seu falecimento em
24/04/2004, quando sua filha passou a efetuar saques, em seu nome, dos valores advindos do
benefício assistencial até 30/11/2004 (fls. 08/11).
13 - Em auditoria interna realizada em 12/11/2012, o INSS identificou irregularidades no
recebimento do amparo social ao deficiente e, consequentemente, enviou comunicado à parte
autora, solicitando o ressarcimento ao erário dos valores por ela indevidamente recebidos, no
valor de R$ 3.139,38 (três mil, cento e trinta e nove reais e trinta e oito centavos) (fls. 08/11).
14 - Inconformada, a postulante propôs essa demanda em 19/07/2013, visando afastar a
exigibilidade do crédito supramencionado (fls. 01/05), sob a alegação de que não recebera tais
valores, ainda que fosse representante legal de sua genitora.
15 - A relação de créditos acostada aos autos confirma a disponibilização e o pagamento dos
valores à genitora após o seu óbito (fls. 28/90). Ora, se não tivessem sido sacados, os
proventos teriam sido estornados à conta única do Tesouro Nacional, em virtude do disposto no
artigo 166, §3º, do Decreto n. 3.048/99.
16 - Ademais, a própria parte autora admitiu no processo administrativo que era representante
legal de sua mãe, que tinha a posse do cartão e que somente o bloqueou 07 (sete) meses após
o óbito da beneficiária do amparo social (fl. 12).
17 - Constitui pressuposto para a configuração da boa-fé no recebimento de benefício
previdenciário a presunção de legalidade do pagamento, o que não ocorreu na hipótese.
18 - Até o mais leigo dos cidadãos compreende a irregularidade na percepção de valores
destinados a pessoa já falecida, de modo que não constitui erro escusável o recebimento de
prestação assistencial sabidamente indevida, razão pela qual deve ser afastada a alegação de
boa-fé na conduta da parte autora. Precedentes.
19 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenada a parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da
causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo
§3º do art. 98 do CPC.
20 - Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
do INSS, para reconhecer o direito de cobrança dos valores indevidamente recebidos pela parte
autora, a título de benefício assistencial, no período de 01/04/2004 a 30/11/2004, condenando
esta no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela
autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais devem ser arbitrados em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos,
desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos
benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da
Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
