
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000548-27.2015.4.03.6128
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: FRANCISCO ROBERTO AGUIRRE
Advogado do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO MARTINELLI PANIZZA - SP173909-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000548-27.2015.4.03.6128
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: FRANCISCO ROBERTO AGUIRRE
Advogado do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO MARTINELLI PANIZZA - SP173909-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento (...)".
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-a DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO. 1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator. 2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-a à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários. 3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato. 4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor"
(REsp 1114938/AL, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 02/08/2010).
"CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, RE nº 669.069/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, publicado em 28.04.2016).
"Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem."
" Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano." (g. n.)
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
""(…) O segurado foi vítima de ato ilícito cometido pela funcionária do INSS. É relevante fixar-se a realidade dos fatos desfazer a proposital confusão argumentativa trazida pelo Instituto. O ato ilícito, na realidade, foi provocado pela própria autarquia por meio de agente público que prejudicou inúmeros segurados em situação semelhante ao do requerido. E o argumento de que o segurado teria obtido vantagem com tal fraude é também um falso silogismo, pois pelo perfil de trabalhador assíduo deste segurado, vantagem mesmo seria contribuir por mais uns parcos meses e se aposentar corretamente sem sofrer os danos morais que a autarquia lhe impõe tentando deslocar a culpa da falta de fiscalização de seus funcionários. (…) Se há alguém moralmente atingido nessa situação é o Sr. Francisco, que foi vítima de embuste, dentro da própria autarquia onde o estelionato em conluio com servidor federal prejudicaram a situação previdenciária de vários segurados e, dentre eles, o requerido".
" PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA. PAGAMENTO INDEVIDO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DO DECRETO Nº 20.910/32. INOCORRÊNCIA. AFASTADA A BOA-FÉ. DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO DEVIDO.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação. Ajuizada a ação em 23.11.2015 e findo o processo administrativo em 2011, não há que se falar em prescrição.
- Consta dos autos do processo administrativo que, em auditoria, o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS identificou indício de irregularidade na concessão e manutenção do benefício de auxílio-doença que consistiu na inserção de vínculo falso no CNIS que possibilitou o reconhecimento da qualidade de segurado para a concessão indevida.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- Oportunizada administrativamente a demonstração dos vínculos excedentes, quedou-se a requerida inerte.
- O Relatório Conclusivo Individual contido no processo administrativo de cobrança é claro ao apontar que a concessão do benefício somente foi possível considerando-se os vínculos de trabalho inexistentes, que foram irregularmente inseridos no sistema somente para concessão do benefício.
- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, por meio do cotejo das provas coligidas aos autos, restou amplamente comprovada a má-fé do requerido.
- Presentes os pressupostos à condenação da requerida ao ressarcimento do dano advindo do recebimento indevido de benefício em razão de fraude, porquanto comprovados o dano e o nexo causal, a conduta ilícita e dolosa e elidida a presunção juris tantum de boa-fé.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal, nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, observada a gratuidade da justiça.
- Apelação da ré desprovida.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5009330-02.2018.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 05/09/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/09/2019)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RENDA MENSAL VITALÍCIA. PAGAMENTO INDEVIDO. DECLARAÇÃO FALSA. REVISÃO ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. ARTIGOS 884 DO CÓDIGO CIVIL E 115, II, DA LBPS. CONTROLE ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DESCONTO DE 30% POSSÍVEL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ALTERAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE RECURSAL. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
- No caso, a parte autora percebeu renda mensal vitalícia indevidamente, desde 08/6/1995 (carta de concessão à f. 26). Isso porque já recebia pensão por morte desde 05/8/1982 (NB 21/070.260.812-2) e declarou ao INSS não possuir qualquer renda. Ela declarou que "não possuo bens, não recebo pensão e nenhum tipo de aposentadoria" (f. 40). Trata-se de declaração ideologicamente falsa, que gerou efeitos jurídicos assaz relevantes.
- Em revisão administrativa, o INSS considerou ilegal a percepção do benefício assistencial por ultrapassar, muito, a renda familiar per capita prevista no § 3º, do artigo 20 da LOAS. Assim, o INSS passou a efetuar a cobrança de R$ 113.324,18 (f. 41), a título de pagamento indevido, passando a efetuar descontos de 30% na renda mensal ad pensão por morte.
- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista.
- Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91. Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade.
- O presente caso constitui hipótese de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
- O princípio da moralidade administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da República, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente pagos, na forma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
- A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.401.560/MT, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que é possível a restituição de valores percebidos a título de benefício previdenciário, em virtude de decisão judicial precária posteriormente revogada, independentemente da natureza alimentar da verba e da boa-fé do segurado.
- No caso, a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil).
- Por fim, não há possibilidade de reconhecimento da prescrição no presente caso. Conquanto matéria de ordem pública, não há pedido nesse sentido, o seu reconhecimento implicando violação da regra do artigo 264, § único, do CPC/73. Inviável, assim, a alteração do pedido (limitado à redução dos descontos de 30% para 5%) em sede recursal.
- Quanto à regra do artigo 46, § 1º, da Lei nº 8112/91, não se pode aplicá-la nas relações previdenciárias do Regime Geral, por ausência de lacunas, haja vista trazer a Lei nº 8.213/91 regra própria em seu artigo 115 e §§.
- Agravo legal desprovido."
(TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2142041 - 0007899-57.2014.4.03.6105, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018 )
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto,
rejeito
as preliminares de decadência e prescrição,nego provimento
à apelação do réu, em atenção ao disposto no artigo 85, §11, do CPC,majoro
os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) e,de ofício,
esclareço
que a correção monetária deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora serão fixados de acordo com o mesmo Manual.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL.
ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA. LEI Nº 9.784/99. RESP 1.114.938/AL. NÃO CONFIGURADA.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO INEXISTENTE. BOA-FÉ DO RÉU. NÃO CONFIGURADA. RESISTÊNCIA EM RECONHECER A INEXISTÊNCIA DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO AO ERÁRIO E O ATO ILÍCITO PRATICADO. CONFIGURADO. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA RETIFICADOS DE OFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS EM SEDE RECURSAL.
1 - Anteriormente à vigência da Lei nº 9.784/99, a Administração podia rever seus atos a qualquer tempo.
2 - Em sua vigência, importante destacar que a Lei do Processo Administrativo em comento estabelecia, em seu art. 54, que "o direito da Administração de anular os atos administrativos que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé". Porém, antes de decorridos os 05 (cinco) anos previstos na citada Lei, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela Medida Provisória nº 138 (de 19/11/2003), convertida na Lei nº 10.839/04, que acrescentou o art. 103-A a Lei nº 8.213/91, fixando em 10 (dez) anos o prazo decadencial para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
3 - Cumpre ressaltar que até o advento da Lei nº 9.784/99 não havia previsão no ordenamento jurídico de prazo de caducidade, de modo que os atos administrativos praticados até 01/02/1999 (data de vigência da Lei) poderiam ser revistos pela Administração a qualquer tempo. Já com a vigência da indicada legislação, o prazo decadencial para as revisões passou a ser de 05 (cinco) anos e, com a introdução do art. 103-A, foi estendido para 10 (dez) anos. Destaque-se que o lapso de 10 (dez) anos extintivo do direito de o ente público previdenciário rever seus atos somente pode ser aplicado a partir de fevereiro de 1999, conforme restou assentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, por meio da sistemática dos recursos repetitivos, quando do julgamento do REsp 1.114.938/AL (Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, julgado em 14/04/2010, DJe 02/08/2010).
4 - Desta forma, sendo o benefício previdenciário concedido em data anterior à Lei nº 9.784/99, o ente autárquico tem até 10 (dez) anos, a contar da data da publicação de tal Lei, para proceder à revisão do ato administrativo (início do prazo decadencial em 1º de fevereiro de 1999, vindo a expirar em 1º de fevereiro de 2009); por sua vez, para os benefícios concedidos após a vigência da Lei em tela, a contagem do prazo em comento se dará a partir da concessão da prestação.
5 - No caso vertente, o crédito cobrado pelo INSS decorre de irregularidade verificada no ato concessório de aposentadoria por tempo de contribuição, praticado em 30/05/2000.
6 - Por outro lado, o ato administrativo mais remoto documentado nos autos, que revela o ânimo da Autarquia Previdenciária de proceder ao exercício da autotutela, é o Ofício 21.526/2004, informando a inexistência de vínculo empregatício computado na contagem do tempo de serviço e facultando ao segurado o exercício de defesa, recebido pelo réu em 05 de maio de 2004.
7 - Não consumado o prazo decadencial previsto no artigo 103-A da Lei 8.213/91, uma vez que o ato administrativo foi praticado antes de 30/05/2010, deve ser afastada a alegação de decadência do direito de revisão administrativa do benefício.
8 - É certo que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em sede de repercussão geral (RE nº 669.069/MG - Tema nº 666), assentou entendimento no sentido de serem prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrentes de ilícito civil. Todavia, há que ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/32, diploma legal que, malgrado contemple regramento direcionado às demandas ajuizadas em face da Fazenda Pública, comporta aplicação, também, nos feitos em que a mesma figure como autora, a contento do princípio da isonomia.
9 -
In casu
, em auditoria interna realizada, o INSS constatou a inexistência de vínculo empregatício utilizado na contagem de tempo de serviço para a concessão do benefício de aposentadoria recebido pelo réu, no período de 30/05/2000 a 31/08/2010.10 - Apesar de o procedimento administrativo para a apuração da irregularidade ter sido instaurado em 2004, os sucessivos recursos administrativos e judiciais, fizeram com que o crédito só fosse realmente constituído em 05/05/2011, com o seu valor atualizado até então em R$ 222.847,06 (duzentos e vinte e dois mil, oitocentos e quarenta e sete reais e seis centavos).
11 - Quanto a este ponto, é relevante destacar que o prazo prescricional, apesar de ter se iniciado com a ciência da lesão ao erário decorrente da prática de ato ilícito, em 30/04/2004, ficou suspenso durante a tramitação do procedimento administrativo, em respeito ao disposto no artigo 4º do Decreto 20.910/32.
12 - Assim, considerando as datas da constituição do débito (05/05/2011) e da propositura desta demanda (27/01/2015), verifica-se que não foi extrapolado o prazo de cinco anos previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/32.
13 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações
in rem verso
, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.14 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
15 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
16 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
17 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
18 - Compulsando os autos, verifica-se que o réu usufruiu do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição (117.500.238-8), durante o interregno de 30/05/2000 a 31/08/2010. Todavia, em auditoria interna verificou-se que a concessão do referido beneplácito foi lastreada no reconhecimento de vínculo empregatício mantido entre o demandado e a empresa PADARIA E PASTELARIA ESTRELA LTDA.
19 - No entanto, posteriormente constatou-se que o referido vínculo nunca existiu e sua contabilização, para fins de concessão de benefício previdenciário de aposentadoria ao autor, decorreu de fraude. Neste sentido, extrai-se do procedimento administrativo anexado aos autos que a servidora responsável pela análise do benefício foi "demitida a bem do serviço público através da Portaria nº 02 de 05/01/2005, publicado no Diário Oficial nº 04 de 06/01/2005, devido a inobservância das normas que regem as concessões de benefícios ao deixar de observar a falta de documentos comprobatórios da real contribuição à Previdência Social, descumpriu o artigo 62 do Decreto nº 3.048, de 06/05/1999, vigente à época da concessão. A mesma utilizava na contagem do tempo de contribuição vínculos imaginários, ou seja, sem condições de localização através dos sistemas informatizados da Previdência Social, sempre tratando-se de períodos anteriores ao CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais".
20 - O demandado jamais questionou a ocorrência de fraude na concessão do benefício por ele recebido no bojo do processo administrativo. Ao invés disso, ao constatar o risco de perder o beneplácito, diante da evidente insuficiência do tempo de trabalho para se aposentar, o réu ingressou com cautelar inominada em 2004 (Processo n. 1403/04), postulando a manutenção do beneplácito até que a questão da irregularidade fosse integralmente apurada na seara administrativa. Deferida a medida acautelatória em 20/05/2004, o réu apresentou recurso administrativo em 26/05/2004.
21 - Paralelamente, o demandado propôs ação revisional de benefício previdenciário, a fim de obter o reconhecimento dos períodos de labor por ele mantidos de 1962 a 1964 e de 1994 a 1998. No entanto, o referido pleito foi rechaçado em todas as instâncias do Poder Judiciário, sob o fundamento de inexistir substrato material mínimo de que ocorrera realmente a prestação de serviço alegada.
22 - Assim, ao invés de contestar a alegação de fraude, o réu buscou substituir a lacuna decorrente da supressão do vínculo empregatício inexistente por outros períodos de labor, mas não logrou êxito em seu intento.
23 - Nem mesmo em sede de contestação, o réu questiona a ocorrência de fraude na concessão de seu benefício, apenas imputa a responsabilidade pelo ilícito à ex-funcionária do INSS,
24 - A ocorrência de irregularidade, consubstanciada na utilização de vínculo empregatício inexistente, para fins de obtenção de benefício previdenciário, portanto, é fato incontroverso.
25 - A celeuma refere-se à responsabilização civil do réu pelo ato ilícito praticado perante o INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
26 - Inicialmente, não há como reputar de boa-fé a conduta do réu que, ao ser confrontado com a inexistência do vínculo empregatício por ele mantido com a empresa PADARIA E PASTELARIA ESTRELA LTDA, poucos anos após a concessão do benefício, recusou-se em admiti-lo por quase uma década. Ao contrário, no bojo do processo administrativo, buscou responsabilizar a Administração Pública por negligência na fiscalização do empregador ou na guarda dos documentos comprobatórios do vínculo, enquanto tentava ingressar com demanda judicial para suprir a insuficiência do tempo de serviço para a fruição do benefício. Apenas no curso desta demanda, após reconhecer a ocorrência do ilícito, tenta imputar exclusivamente a terceiro a responsabilidade por sua reparação.
27 - Ora, ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que a servidora teve participação na concessão irregular do benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi o réu, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do recebimento de aposentadoria indevida por quase uma década.
28 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos pelo réu indevidamente, a título de aposentadoria por tempo de contribuição, no período de 30/05/2000 a 31/08/2010, é medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do Código Civil. Precedentes.
29 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
30 - Juros de mora fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
31 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
32 - Apelação do réu desprovida. Correção monetária e juros de mora retificados de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares de decadência e prescrição, negar provimento à apelação do réu, em atenção ao disposto no artigo 85, §11, do CPC, majorar os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) e, de ofício, esclarecer que a correção monetária deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora serão fixados de acordo com o mesmo Manual, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
