Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000997-09.2024.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal LUCIANA ORTIZ TAVARES COSTA ZANONI
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/06/2024
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/06/2024
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. LOAS.REQUISITO DE
INCAPACIDADEE DE MISERABILIDADE NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS RECURSAIS.
PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA NÃO PROVIDA.
- Não há falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez queolaudo
pericialfoi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado, especializado
em perícia, e de confiança do Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de forma objetiva e
fundamentada, não havendo que se falar em realização de nova perícia judicial por profissional
da medicina.
- Olaudo pericial atendeu às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito
realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados. Além disso, levou em
consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos
autos.
- O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei
8.742/1993.
-A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito
etário ou de deficiência e de miserabilidade.
– Não preenchidos os requisitos de incapacidade e de miserabilidade.
-Considerando que o recurso foi interposto na vigência do CPC/2015, os honorários advocatícios
devem ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, §11, do CPC, respeitado o art. 98, §3º, do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
CPC.
– Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000997-09.2024.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: FRANCISCO EUGENIO MACHADO
Advogado do(a) APELANTE: JOAO VITOR SCHUNK DE OLIVEIRA - MS25126-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000997-09.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: FRANCISCO EUGENIO MACHADO
Advogado do(a) APELANTE: JOAO VITOR SCHUNK DE OLIVEIRA - MS25126-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA CONVOCADA LUCIANA ORTIZ(RELATORA): Trata-se deapelação interposta
pela parte autora contra a r. sentença (ID 289206984 - Págs. 23/27) que julgou improcedente o
pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada,condenando-a ao pagamento das
custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor
da causa, suspensa a execução, por ser beneficiária da gratuidade de justiça.
Em suas razões de apelação (ID 289206984 - Págs. 34/46), sustenta a parte autora que se
encontram presentes os requisitos de incapacidade e miserabilidade.
Pugna pela reforma da sentença.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação (ID 289857504 - Págs.
1/8).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000997-09.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: FRANCISCO EUGENIO MACHADO
Advogado do(a) APELANTE: JOAO VITOR SCHUNK DE OLIVEIRA - MS25126-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A EXMA. JUÍZA CONVOCADA LUCIANA ORTIZ(RELATORA):Recebo a apelação interposta
sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível
sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Inicialmente, não há falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez
queolaudo pericialfoi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado,
especializado em perícia, e de confiança do Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de
forma objetiva e fundamentada, não havendo que se falar em realização de nova perícia judicial
por profissional da medicina.
Outrossim, o laudo pericial atendeu às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir
que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados. Além
disso, levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica
colacionada aos autos.
Dessa forma, rejeito a preliminar suscitada.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que os impossibilite de
participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma
plena e efetiva.
Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que
o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo
imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que
hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas
voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamento dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), contribui para o cumprimento da Meta
9 do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de números 1 e 2
(ODS 1 e 2) desta Agenda, quais sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente
com as metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social
adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e
vulneráveis (...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas,
em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos
seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta
Magna deve ser compreendido.
O parágrafo 2º do artigo 20 da Lei 8742/1993 define pessoa com deficiência como “aquela que
tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a
presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei
atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida
independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Deveras, o parágrafo 6º do artigo 20 da Lei 8.742/93 prevê que, para concessão do benefício, o
requerente deverá ser submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar
as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores
ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito o interessado.
Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de
pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade
laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2
(dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista
para a sua cessação.
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei
8.742/1993, com redação dada pela Lei 14.176/2021, considere como hipossuficiente para
consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, fato é que a
jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário-mínimo como
parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de
meio salário-mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios,
adotado pelos Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º
10.689/03); Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04); Programa Nacional de Renda
Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Renda
Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001); Programa Auxílio-Gás
(Decreto n.º 4.102/2002); e Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Nesse sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013),
com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei
8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário-mínimo para
a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério
caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão,
Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor
de meio salário-mínimo como referencial econômico.
O parágrafo 11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a miserabilidade do
grupo familiar e a situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidas por outros
elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgInt no REsp
1.831.410/SP, 1ª Turma, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJE 27/11/2019; AgInt no AgRg
no AREsp 665.981/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, dje 04/02/2019; AgRg no
REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016).
No caso dos autos, o inconformismo da parte autoranão procede, devendo ser mantida a r.
sentença monocrática (ID 289206984 - Págs. 23/27), por seus próprios fundamentos, os quais
seguem reproduzidos:
"No que diz respeito as deficiências que a parte autora alega ser portadora, fora determinada a
realização de exame pericial a fim de que restasse demonstrada sua real condição e o grau de
sua incapacidade.
Em laudo, o perito concluiu que:
• DIAGNÓSTICO: TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO. CID F25.
• DATA DE INÍCIO DOENÇA (DID): 2021.
• NÃO SE COMPROVA NEXO ENTRE DOENÇA (S) E O TRABALHO.
• NÃO SE COMPROVA NESTA PERÍCIA INVALIDEZ PARA EXERCER A SUA PROFISSÃO
OU MESMO OUTRAS ATIVIDADES CAPAZES DE PROVER O SEU SUSTENTO.
• NÃO DETECTEI SINAIS DE DOENÇA MENTAL DESCOMPENSADA, TORNANDO ASSIM O
PERICIADO APTO PARA REALIZAR SUA PROFISSÃO (PEDREIRO).
Extrai-se do exame pericial realizado que não restou comprovação de invalidez na perícia
realizada.
Agregado a isso, o estudo social não constatou situação de miserabilidade. (...)"
Destaco que o estudo social evidencia que não foi preenchida a miserabilidade alegada no
recurso de apelação:
"O autor declarou-nos que vive sozinho, que passa por privações em razão da escassez
econômica, porém não foi claro ao mencionar qual é de fato sua renda mensal. Diante o que
nos foi possível constatar, observar e considerando os relatos fornecidos, não verificamos
situação de extrema fragilidade econômica envolvendo o autor. Dispõe de recursos proveniente
de familiares e refere realizar diárias como forma de autossustento. Do ponto de vista social, o
autor não apresenta no momento condição de risco social com o fim de alcance ao benefício
ora pleiteado.”
Dentro desse cenário, entendo que a parte autora não demonstrou preencher os requisitos
legais,não fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Considerando que o recurso foi interposto na vigência do CPC/2015, os honorários advocatícios
devem ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, §11, do CPC, respeitado o art. 98, §3º, do
CPC.
Ante o exposto, REJEITO a preliminar suscitada e NEGO PROVIMENTO à apelação da parte
autora, condenando-aao pagamento dos honorários recursais, na forma antes delineada e
mantenho, quanto ao mais, a sentença recorrida.
É COMO VOTO.
/gabiv/rrios
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. LOAS.REQUISITO DE
INCAPACIDADEE DE MISERABILIDADE NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS RECURSAIS.
PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA NÃO PROVIDA.
- Não há falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez queolaudo
pericialfoi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado,
especializado em perícia, e de confiança do Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de
forma objetiva e fundamentada, não havendo que se falar em realização de nova perícia judicial
por profissional da medicina.
- Olaudo pericial atendeu às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito
realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados. Além disso, levou em
consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos
autos.
- O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
-A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito etário ou de deficiência e de miserabilidade.
– Não preenchidos os requisitos de incapacidade e de miserabilidade.
-Considerando que o recurso foi interposto na vigência do CPC/2015, os honorários
advocatícios devem ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, §11, do CPC, respeitado o
art. 98, §3º, do CPC.
– Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar suscitada e negar provimento ao recurso de apelação
da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
