Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002580-02.2020.4.03.6141
Relator(a)
Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
Órgão Julgador
1ª Turma
Data do Julgamento
08/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/11/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. CONTRATO DE FNANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SEGURO
HABITACIONAL.INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE. COMPROVADA. NEGATIVA DE
COBERTURA. EXAMEPRÉVIO. INEXISTENTE. DOENÇAPREEXISTENTE. NÃO
COMPROVADA. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO PROVIDA.
I -A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus requisitos
precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação pressupõe a
existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia previdenciária ou o Poder
Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas, bem como a oportunidade de
determinar a produção de prova pericial, levando em consideração fatores socioeconômicos
como o grau de instrução do segurado para fundamentar a decisão que reconhece o direito em
questão. Deste modo, o ato que concede o benefício previdenciário é documentado e dotado de
fé pública, podendo inclusive ser protegido pelos efeitos da coisa julgada quando reconhecido por
via judicial.
II -Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade
total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia de
que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à
contratação.A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que poderiam
vir a gerar incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas pelo seguro,
envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro.
III -Nesta hipótese, restaria afastada, de um lado, por exemplo, a situação limite de um vínculo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
constituído com má-fé, no qual o segurado portador de doença grave em estágio terminal contrata
seguro estando ciente da configuração certa do sinistro em futuro breve. De outro lado, ao tomar
conhecimento de quais hipóteses fáticas ou quais riscos predeterminados não seriam cobertas
pelo seguro, de maneira transparente e objetiva, o interessado poderia desistir de assumir a
obrigação ou ainda poderia realizar o contrato com a seguradora de sua preferência, já que
poderia entender esvaziado o seu interesse legítimo nestas condições, não se justificando a
contraprestação.
IV -Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os
contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é
redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua interpretação,
já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira distorcida com
vistas a evitar o cumprimento da obrigação.
V -Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da doença tenham se manifestado antes da
contratação do seguro, não é possível pressupor categoricamente que, à época da assinatura do
contrato, fosse previsível que a sua evolução seria capaz de gerar a incapacidade total e
permanente ou o óbito do segurado.De outra forma, doenças de origem genética e predisposição
familiar, doenças que tendem a se manifestar ou se agravar com a idade, doenças decorrentes
de vícios ou maus hábitos do segurado com sua própria saúde, doenças que apresentam
evolução peculiar ou inesperada, a depender da interpretação de seus sintomas, poderiam todas
restar abrangidas pela cláusula em questão, com potencial de esvaziar completamente o objeto
do contrato neste tópico.
VI -Assim, nem mesmo a concessão de auxílio-doença, como fato isolado, exatamente por
somente pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a
configuração do sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente. Nas
controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística a
eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença
que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir notadamente
às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao sinistro, ou quando
houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos 762, 765 e 766, caput
e parágrafo único, 768 do CC.
VII -Além de todo acima exposto, é de destacar, ademais, a afastar qualquer controvérsia a
respeito da matéria, que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 609, redigida nos
seguintes termos:A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é
ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de
má-fé do segurado. (Súmula 609 do STJ).
VIII -No caso concreto, a autora recebeu auxílio-doença no período de 30/10/2015 a 03/02/2016 e
após foi considerada apta para retornar ao trabalho. Ademais, a autora só foi afastada pelo INSS
e passou a receber a aposentadoria por invalidez após a dataem que foi acometida por
enfermidade neurológica, Acidente Vascular Cerebral – AVC, em 01/02/2017.As doenças
alegadas pelas requeridas como preexistentes, quais sejam: Esclerose Múltipla, osteoartrose de
coluna vertebral, transtorno de pânico e depressão, não podem ser consideradas como causa
única e determinante para a ocorrência do Acidente Vascular Cerebral – AVC. Não é possível
concluir que o AVC, doença que ocasionou a invalidez permanente e total da parte autora, teve
como causa única e direta Esclerose Múltipla, osteoartrose de coluna vertebral, transtorno de
pânico e depressão. Não há prova nos autos nesse sentido.
IX -Ressalta-se também, que a autora formalizou contrato de consórcio imobiliário com a corré
CEF em 10 de novembro de 2011. Em 10 de junho de 2016 a autora foi contemplada e firmou
contrato de financiamento imobiliário c/c contratação de seguro com as requeridas. Verifica-se
que a autora assinou o contrato de financiamento e seguro habitacional em virtude de sorteio de
consórcio, no qual foi contemplada. Desse modo, não há razoabilidade na suposição de que a
autora formalizou o contrato de financiamento e seguro habitacional apenas com a intenção de
obter a quitação do contrato precocemente, por meio de cobertura securitária.
X -Nestas condições, não há comprovação de má-fé que sustente os argumentos da seguradora
para negar a cobertura pleiteada. Aliás, se houve má-fé no caso discutido nos autos, esta só
poderia ser atribuída à própria seguradora, que aceitou a contratação do seguro e efetuou a
cobrança do valor do prêmio de seguro sem exigir qualquer declaração de saúde do
mutuário.Desta forma, é de rigor a condenação das rés a promover cobertura securitária a partir
da aposentadoria por invalidez da autora.
XI -Insta constar que, as corrés respondem solidariamente, eis que integram a mesma cadeia de
consumo, que tem a parte autora como destinatário final (arts. 2º e 3º do CDC). Dessa forma, a
devolução de valores à parte autora não está condicionada ao repasse dos valores da cobertura
securitária feito pela Caixa Seguradora S.A. à CEF.In casu, a cobertura securitária não irá quitar
100% o contrato de financiamento imobiliário, desse modo, ressalva-se, a possibilidade de
eventual compensação da dívida, a ser apurado em sede de cumprimento de sentença.
XII - Apelação provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002580-02.2020.4.03.6141
RELATOR:Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: ANA MARIA ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: DANIELA DI CARLA MACHADO NARCIZO - SP149140-N
APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A, CAIXA ECONOMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA -
SP344647-S
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002580-02.2020.4.03.6141
RELATOR:Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: ANA MARIA ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: DANIELA DI CARLA MACHADO NARCIZO - SP149140-N
APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A, CAIXA ECONOMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA -
SP344647-S
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta contra sentença queJULGOU IMPROCEDENTEo pedido
formulado na inicial, nos termos do artigo 487, I, do novo Código de Processo Civil. Condenou a
parte autora, por conseguinte, ao pagamento de honorários advocatícios às rés, no montante
correspondente a 10% sobre o valor dado à causa (inciso I do § 3º do artigo 85 do NCPC),
devidamente atualizado,cuja execução fica sobrestada nos termos do §3º do artigo 98 do novo
Código de Processo Civil.
A ação de conhecimento foi ajuizada porAna Maria Alves de Oliveira em face da Caixa
Econômica Federal e da Caixa Seguradora S/A,por intermédio da qual pretendeu:“1.
CONDENAR a CAIXA SEGUROS a providenciar a cobertura securitária contratada em 10 de
junho de 2016 junto com o contrato de financiamento de crédito imobiliário, em decorrência da
comprovada invalidez permanente da Autora concedida pelo INSS em 15 de setembro de 2019,
no equivalente a 67,4% do saldo devedor do contrato imobiliário, que em setembro de 2020 é
deR$67.010,85 (sessenta e sete mil e dez Reais e oitenta e cinco centavos).2. CONDENAR as
Requeridas a ressarcir a Autora dos valores que foram pagos a título de prestações do
financiamento imobiliário, a contar do aviso de sinistro (15 de outubro de 2019), no importe
deR$9.640,97 (nove mil, seiscentos e quarenta Reais e noventa e sete, correspondendo a
67,4% de cada parcela, incluindo-se ascentavos)parcelas que forem pagas no curso da
presente ação; 3. A CONDENAÇÃO da CEF a providenciar a revisão dos valores das parcelas,
adequando-as à quitação da parte da Autora no financiamento pela Seguradora CAIXA
SEGUROS.”Narrouem suma, que em junho de 2016 contratou financiamento imobiliário junto à
CEF, pelo qual contribuiu com sua renda em percentual de 67,40% do financiamento imobiliário.
À época da contratação, trabalhava exercendo a função de governanta, tendo sido demitida
sem justa causa em 02 de julho de 2016. Por ocasião da contratação, contratou juntamente
com o financiamento seguro de vida com a Caixa Seguradora, contrato este que previa
cobertura para casos de morte ou invalidez. Afirmouque em 2017 a sofreu um AVC – Acidente
Vascular Cerebral – e ficou afastada pelo INSS, obtendo apenas judicialmente a aposentadoria
por invalidez permanente, requerida em 09 de janeiro de 2018, concedida em 15 de setembro
de 2019. Assim, em face da aposentadoria por invalidez, ingressou com o pedido de pagamento
da indenização do prêmio do seguro, no percentual constante do contrato junto à “Caixa
Seguradora”, recebendo a decisão da seguradora de que o pedido de pagamento do prêmio do
seguro fora indeferido, sob o fundamento de que a doença que ensejou a aposentadoria por
invalidez é anterior à assinatura do contrato, ou seja, se trata de doença pré-existente o que
exclui a cobertura do seguro, conforme contrato de adesão.
Em razões de apelação, a parte autora sustenta, em síntese, que a corré Caixa Seguros não
exigiu qualquer exame médico antes de aceitar a contratação do seguro. Aduz que não há
prova nos autos de que a autora agiu com má-fé.Afirma que se aplica ao presente caso a
súmula 609 do STJ. Requer a aplicação do CDC. Assenta que na data de contratação do
seguro estava apta ao trabalho.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002580-02.2020.4.03.6141
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APELANTE: ANA MARIA ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: DANIELA DI CARLA MACHADO NARCIZO - SP149140-N
APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A, CAIXA ECONOMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA -
SP344647-S
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus requisitos
precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação pressupõe a
existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia previdenciária ou o
Poder Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas, bem como a
oportunidade de determinar a produção de prova pericial, levando em consideração fatores
socioeconômicos como o grau de instrução do segurado para fundamentar a decisão que
reconhece o direito em questão. Deste modo, o ato que concede o benefício previdenciário é
documentado e dotado de fé pública, podendo inclusive ser protegido pelos efeitos da coisa
julgada quando reconhecido por via judicial.
Por esta razão, nestas condições, existindo reconhecimento público da incapacidade total e
permanente da parte Autora, é de todo desnecessária a realização de nova prova pericial. Se a
hipótese de ocorrência do sinistro tem requisitos coincidentes ao do benefício previdenciário já
concedido, sua configuração resta presumida, sendo ônus do interessado, pelas vias
adequadas, arguir e provar eventual ilicitude ou nova configuração fática que comine sua
validade ou sua eficácia no que diz respeito às hipóteses em questão.
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. INTERVENÇÃO DA UNIÃO:
DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA: NÃO CARACTERIZADO. COBERTURA
SECURITÁRIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE RECONHECIDA PELO INSS.
JUROS DE MORA: INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO. RECURSOS NÃO PROVIDOS.
1. É desnecessária a intervenção da União em feitos nos quais se discute cobertura pelo Fundo
de Compensação de Variações Salariais - FCVS. Precedente obrigatório.
2. Em observância ao artigo 130 do Código de Processo Civil de 1973, deve prevalecer a
prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de prova em
audiência, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Precedentes.
3. No caso, as provas documentais carreadas aos autos são suficientes para a formação da
convicção do magistrado quanto à incapacidade da autora, sendo desnecessária a realização
de perícia médica para o mesmo fim.
4. É requisito legal para a concessão do referido benefício que o segurado seja acometido por
incapacidade total e permanente, o que foi reconhecido pelo INSS após perícia médica, no caso
da autora, ou não lhe teria sido concedida a aposentadoria por invalidez ainda na esfera
administrativa.
5. Eventual perícia realizada pela seguradora não teria o condão de afastar o resultado daquela
realizada pelo INSS. Ao alegar que a invalidez que acomete a autora seria apenas parcial,
pretende a apelante apenas eximir-se da cobertura contratada obrigatoriamente pela mutuária.
Precedente.
6. No caso dos autos, verifica-se que estiveram à disposição da seguradora pareceres médicos
de conclusões conflitantes, tendo a apelante embasado a negativa de cobertura naquele que
mais lhe convinha.
7. Quanto aos juros de mora incidentes sobre o total a ser restituído à autora, a obrigação de
indenizar retroage à data da ciência inequívoca da invalidez permanente da mutuária, o mesmo
ocorrendo com a obrigação de restituir-lhe as parcelas do financiamento, pagas quando sua
quota no mútuo já deveria ter sido quitada. Uma obrigação refletindo na outra, mostra-se
incabível o acolhimento da tese segundo a qual a CEF só estaria em mora se a sentença fosse
descumprida pela seguradora.
8. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do
Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a
comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso
interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento
de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
9. Preliminares afastadas. Apelações não providas.
(TRF3, AC 00000889120114036124, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1982538, PRIMEIRA TURMA,
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/11/2016)
Em um contexto de relações sociais e jurídicas massificadas, em que inúmeros sujeitos de
direito, diante da necessidade de contratar determinado serviço, tem sua autonomia reduzida a
aderir ou não a contratos padronizados e que pouco se distinguem entre os poucos ofertantes
de um determinado mercado, as controvérsias que se instauram entre os contratantes devem
ser dirimidas tendo como parâmetro o princípio da boa-fé objetiva.
Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade
total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia
de que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à
contratação.
A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que poderiam vir a gerar
incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas pelo seguro,
envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro.
Nesta hipótese, restaria afastada, de um lado, por exemplo, a situação limite de um vínculo
constituído com má-fé, no qual o segurado portador de doença grave em estágio terminal
contrata seguro estando ciente da configuração certa do sinistro em futuro breve. De outro lado,
ao tomar conhecimento de quais hipóteses fáticas ou quais riscos predeterminados não seriam
cobertas pelo seguro, de maneira transparente e objetiva, o interessado poderia desistir de
assumir a obrigação ou ainda poderia realizar o contrato com a seguradora de sua preferência,
já que poderia entender esvaziado o seu interesse legítimo nestas condições, não se
justificando a contraprestação.
Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os
contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é
redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua
interpretação, já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira
distorcida com vistas a evitar o cumprimento da obrigação.
Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da doença tenham se manifestado antes da
contratação do seguro, não é possível pressupor categoricamente que, à época da assinatura
do contrato, fosse previsível que a sua evolução seria capaz de gerar a incapacidade total e
permanente ou o óbito do segurado.
De outra forma, doenças de origem genética e predisposição familiar, doenças que tendem a se
manifestar ou se agravar com a idade, doenças decorrentes de vícios ou maus hábitos do
segurado com sua própria saúde, doenças que apresentam evolução peculiar ou inesperada, a
depender da interpretação de seus sintomas, poderiam todas restar abrangidas pela cláusula
em questão, com potencial de esvaziar completamente o objeto do contrato neste tópico.
Assim, nem mesmo a concessão de auxílio-doença, como fato isolado, exatamente por
somente pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a
configuração do sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente. Nas
controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística a
eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença
que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir
notadamente às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao
sinistro, ou quando houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos
762, 765 e 766, caput e parágrafo único, 768 do CC.
PROCESSO CIVIL, CIVIL, CONSUMIDOR E SFH. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA
FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO
FRENTE AO PRÓPRIO MUTUANTE OU SEGURADORA POR ELE INDICADA.
DESNECESSIDADE. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE COBERTURA POR DOENÇA
PREEXISTENTE. PRÉVIO EXAME MÉDICO. NECESSIDADE.
- É inadmissível o recurso especial deficientemente fundamentado. Incidência da Súmula
284/STF.
- A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a
lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio
mutuante ou seguradora por ele indicada. Precedentes.
- Nos contratos de seguro, o dever de boa-fé e transparência torna insuficiente a inserção de
uma cláusula geral de exclusão de cobertura; deve-se dar ao contratante ciência discriminada
dos eventos efetivamente não abrangidos por aquele contrato.
- O fato do seguro ser compulsório não ilide a obrigatoriedade de uma negociação transparente,
corolário da boa-fé objetiva inerente a qualquer relação contratual, em especial aquelas que
caracterizam uma relação de consumo.
- No seguro habitacional, é crucial que a seguradora, desejando fazer valer cláusula de
exclusão de cobertura por doença preexistente, dê amplo conhecimento ao segurado, via
exame médico prévio, sobre eventuais moléstias que o acometam no ato de conclusão do
negócio e que, por tal motivo, ficariam excluídas do objeto do contrato. Essa informação é
imprescindível para que o segurado saiba, de antemão, o alcance exato do seguro contratado,
inclusive para que, no extremo, possa desistir do próprio financiamento, acaso descubra estar
acometido de doença que, não abrangida pelo seguro, possa a qualquer momento impedi-lo de
dar continuidade ao pagamento do mútuo, aumentando sobremaneira os riscos do negócio.
Assim, não se coaduna com o espírito da norma a exclusão desse benefício nos casos de
doença preexistente, porém não diagnosticada ao tempo da contratação. Em tais hipóteses,
ausente a má-fé do mutuário-segurado, a indenização securitária deve ser paga. Recurso
especial não conhecido.
(STJ, RESP 200801560912, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1074546, MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, DJE DATA:04/12/2009)
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF.
NEGATIVA DE COBERTURA SECURITÁRIA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE TERMO DE
RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. CLÁUSULA QUE IMPEDE A INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA
POR DOENÇA PREEXISTENTE AO CONTRATO. NOVAÇÃO. VALIDADE DO
INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA DA CEF. DANO MORAL INDENIZÁVEL:
INEXISTÊNCIA. RECURSO DO AUTOR PREJUDICADO. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO
CABIMENTO. RECURSO PROVIDO.
1. A ação foi ajuizada com o escopo de obter a declaração de nulidade do termo de
renegociação de contrato de mútuo habitacional vinculado ao SFH, no qual figura como credora
a Caixa Econômica Federal. O fato de a cláusula declarada nula pela r. sentença versar sobre
cobertura securitária não retira a CEF da relação jurídica de direito material, nem tampouco da
relação jurídica de direito processual instrumentalizadora da primeira.
2. O Superior Tribunal de Justiça e a Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal da
Terceira Região já se posicionaram no sentido de que a Seguradora não pode alegar doença
preexistente a fim de negar cobertura securitária, nos casos em que recebeu pagamento de
prêmios e concretizou o seguro sem exigir exames prévios. Precedentes.
3. Somente a demonstração inequívoca da má-fé do segurado, no sentido de que teria
contratado o financiamento ciente da moléstia incapacitante com o fito de obter precocemente a
quitação do contrato, poderia afastar o entendimento jurisprudencial consagrado.
4. O termo de renegociação da dívida originária constitui inequívoca novação.
5. A novação se perfectibiliza se atendidos três requisitos, quais sejam: 1) deve haver uma
obrigação originária e válida; 2) a nova obrigação deverá possuir conteúdo essencialmente
distinto da primeira; e 3) deve haver o ânimo, ou seja, a vontade de novação ("animus
novandi").
6. No caso em exame, não houve demonstração de qualquer vício que pudesse macular o novo
contrato estabelecido entre as partes, de forma que restaram preenchidos os requisitos da
novação pactuada.
7. A narrativa do autor leva à conclusão de que não estão presentes os elementos necessários
à responsabilização da CEF no caso concreto, quais sejam: conduta ilícita, resultado danoso e
nexo de causalidade.
8. O termo de renegociação da dívida é plenamente válido, como visto, mesmo porque o autor
não logrou comprovar a alegada falta de discernimento quando da novação. A aplicação da
Cláusual Décima Segunda e parágrafos não pode ser tomada como ato ilícito praticado pela
seguradora. Menos ainda pode ser classificado como ato ilícito praticado pela CEF a inserção
de referida cláusula no termo de renegociação da dívida. A abusividade não decorre da cláusula
em si, mas da conduta de negar a cobertura securitária ao argumento da preexistência da
doença sem a realização de exames prévios.
9. Também não há ilicitude da apelante no fato de ter dado início ao procedimento de execução
extrajudicial do imóvel anteriormente à comunicação do sinistro pelo autor, que se encontrava
inadimplente desde outubro de 1999.
10. Ausente a ilicitude da conduta da CEF, não há que se falar, consequentemente, em nexo de
causalidade nem em dano moral.
11. A presença da Caixa Seguradora S/A no polo passivo do presente feito deu-se unicamente
em razão do requerimento da CEF, já que a demanda não foi ajuizada contra a seguradora.
Assim, entendo que o feito deve ser extinto sem resolução de mérito em relação à Caixa
Seguradora S/A, sendo-lhe devidos honorários advocatícios, pela CEF, em razão do princípio
da causalidade.
12. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do
Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a
comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso
interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento
de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
13. Preliminar afastada. Apelação da CEF provida. Apelação do autor prejudicada.(TRF3, AC
00078235020024036106, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1516641, DESEMBARGADOR FEDERAL
HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2016)
DIREITO CIVIL. SFH. TERMO DE RENEGOCIAÇÃO E RERRATIFICAÇÃO DA DÍVIDA.
NOVAÇÃO. SEGURO POR INVALIDEZ.
1. Ação proposta por mutuária do SFH onde pleiteia cobertura do seguro por invalidez.
2. Negativa de cobertura pelo agente financeiro sob a alegação de que a doença incapacitante
é pré-existente ao termo de renegociação da dívida, considerado novo contrato de
financiamento.
3. Ausente o animus novandi, o termo de renegociação da dívida não se consubstancia em
novo contrato, mas em confirmação do contrato de financiamento original.
4. Reconhecido o direito à cobertura do seguro por invalidez, uma vez que a autora foi
acometida de câncer após a assinatura do contrato de financiamento.
5. Apelação improvida.
(TRF5, AC 200280000080745, AC - Apelação Civel - 330439, Relator Desembargador Federal
Paulo Roberto de Oliveira Lima, Segunda Turma, DJ - Data::24/03/2004)
Além de todo acima exposto, é de destacar, ademais, a afastar qualquer controvérsia a respeito
da matéria, que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 609, redigida nos seguintes
termos:
A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve
a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do
segurado.
(Súmula 609 do STJ)
O laudo pericial (ID 165249734) carreado aos autos, concluiu o seguinte:
A anamnese colhida no momento do exame pericial, o exame físico e os resultados dos exames
apenso aos Autos e entregues no momento da perícia médica nos apontam ser a Requerente
portadora de sequela de Acidente Vascular Cerebral.
A Autora é portadora de hipertensão arterial desde o ano de 2016, tendo apresentado em julho
de 2017 sintomas de crise hipertensiva e relata desde então apresentar redução da força
muscular em membros a direita.
O exame físico indica redução da força muscular a esquerda, e sintomas de vertigens, tornando
a Autora incapaz para as atividades do trabalho.
Os exames de tomografia indicam haver a presença de lesão cerebral isquêmica a partir de 01
de fevereiro de 2017. Tais lesões não são demonstradas em exame de imagem de 25.10.2017.
Frente aos resultados de exames pode-se afirmar haver a incapacidade total e permanente ao
trabalho desde 01.02.207
Em resposta aos quesitos formulados pelo juízo a quo, o perito confirmou:
3. Caso a incapacidade decorra de doença, é possível determinar a data de início da doença?
R.: desde 01.02.2017.
Ademais, o perito juntou aos autos esclarecimentos (ID 165249750) acerca da existência de
doenças preexistentes:
Constata-se assim:
1- A enfermidade neurológica, Esclerose Múltipla, ter e seus sintomas iniciado em 15.10.15 e
diagnosticada em 01.11.16;
2- A doença psiquiátrica ter o início dos sintomas e o diagnóstico em 11.11.2015ç
3- E a osteoartrose de coluna vertebral ser seu diagnóstico ocorrido a partir de 11.12.2015.
4- Ser considerada inapta ao trabalho, de modo temporal e total, recebendo Benefícios
Previdenciários entre 30.10.15 e 03.02.16.
5- Da enfermidade Neurológica, Acidente Vascular Cerebral, contatado através de Ressonância
Magnética indicando haver sinais de isquemia cerebral a partir de 01.02.2017. Com indicação
de estar incapaz ao trabalho, através de relatório médico.
No caso concreto, a autora recebeu auxílio-doença no período de 30/10/2015 a 03/02/2016 e
após foi considerada apta para retornar ao trabalho. Ademais, a autora só foi afastada pelo
INSS e passou a receber a aposentadoria por invalidez após a dataem que foi acometida por
enfermidade neurológica, Acidente Vascular Cerebral – AVC, em 01/02/2017.
As doenças alegadas pelas requeridas como preexistentes, quais sejam: Esclerose Múltipla,
osteoartrose de coluna vertebral, transtorno de pânico e depressão, não podem ser
consideradas como causa única e determinante para a ocorrência do Acidente Vascular
Cerebral – AVC. Não é possível concluir que o AVC, doença que ocasionou a invalidez
permanente e total da parte autora, teve como causa única e direta Esclerose Múltipla,
osteoartrose de coluna vertebral, transtorno de pânico e depressão. Não há prova nos autos
nesse sentido.
Ressalta-se também, que a autora formalizou contrato de consórcio imobiliário com a corré CEF
em 10 de novembro de 2011 (ID 165249668). Aautora foi contemplada e em 10 de junho de
2016firmou contrato de financiamento imobiliário c/c contratação de seguro com as requeridas.
Verifica-se que a autora assinou o contrato de financiamento e seguro habitacional em virtude
de sorteio de consórcio, no qual foi contemplada. Desse modo, não há razoabilidade na
suposição de que a autora formalizou o contrato de financiamento e seguro habitacional apenas
com a intenção de obter a quitação do contrato precocemente, por meio de cobertura
securitária.
Nestas condições, não há comprovação de má-fé que sustente os argumentos da seguradora
para negar a cobertura pleiteada. Aliás, se houve má-fé no caso discutido nos autos, esta só
poderia ser atribuída à própria seguradora, que aceitou a contratação do seguro e efetuou a
cobrança do valor do prêmio de seguro sem exigir qualquer declaração de saúde do mutuário.
Neste sentido, em caso análogo ao presente, já decidiu esta Primeira Turma:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MÚTUO HABITACIONAL VINCULADO AO PMCMV.
EVENTO DE INVALIDEZ PERMANENTE. COBERTURA DO SALDO DEVEDOR PELO
FGHAB. NEGATIVA DE COBERTURA. RECEBIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA
POSTERIORMENTE CONVERTIDO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VEDAÇÃO
PREVISTA NO ESTATUTO DO FGHAB. CONTRIBUIÇÕES MENSAIS OBRIGATÓRIAS AO
FGHAB. EXIGÊNCIA DE EXAMES PRÉVIOS: INEXISTENTE. MÁ-FÉ DO MUTUÁRIO NÃO
DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. A parte autora firmou com a CEF, em 05/09/2014, contrato de mútuo habitacional vinculado
ao Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, no qual está prevista a assunção do saldo
devedor do financiamento pelo FGHab - Fundo Garantidor da Habitação Popular, em caso de
morte e invalidez permanente do fiduciante. A parte autora pretende a quitação do contrato pelo
FGHab, invocando a ocorrência de sinistro que culminou em sua invalidez permanente,
conforme o previsto no contrato.
2. A Seguradora não pode alegar doença preexistente a fim de negar cobertura securitária, nos
casos em que recebeu pagamento de prêmios e concretizou o seguro sem exigir exames
prévios. Precedentes.
3. No caso dos autos, ainda que o contrato dispense a contratação de seguro com cobertura de
morte, invalidez permanente (MIP) e danos físicos ao imóvel (DFI), conforme estabelece o
contrato, assim o faz porque a Lei nº 11.977/2009 expressamente confere ao FGHab o papel de
garantidor desses eventos.
4. A parte apelante pagou contribuições mensais obrigatórias ao referido Fundo, como requisito
para o acesso à garantia de cobertura do saldo devedor em caso de invalidez permanente, nos
termos contratuais. Não pode, por conseguinte, ter a cobertura a que faz jus negada ao
fundamento de que o Estatuto do FGHab não garante os casos em que a invalidez permanente
decorreu da conversão de auxílio-doença prévio, sem que a administradora do Fundo tenha
realizado qualquer exame médico anterior à contratação. Ressalte-se que o fundamento para a
negativa da cobertura não consta expressamente do contrato.
5. Somente a demonstração inequívoca de má-fé do mutuário, que contrata o financiamento
ciente da moléstia incapacitante com o fito de obter precocemente a quitação do contrato,
poderia afastar o entendimento jurisprudencial consagrado.
6. A parte apelante foi beneficiária de auxílio-doença de 2010 até 26/03/2015, quando houve a
conversão em aposentadoria por invalidez. A suposição de que o mutuário tenha contratado o
financiamento em 05/09/2014 almejando premeditadamente sua quitação antecipada alguns
meses depois da contratação é presunção de má-fé, vedada pelo ordenamento jurídico.
7. Os documentos carreados aos autos não lograram demonstrar a má-fé do mutuário pela
omissão de doença preexistente, nem tampouco a exigência de exames prévios por parte da
administradora do FGHab. Devida, portanto, a cobertura contratada, com a quitação de
eventual saldo devedor pelo FGHab.
8. Dano moral corresponde a toda violação ao patrimônio imaterial da pessoa no âmbito das
suas relações de direito privado. Não se confunde, no entanto, e nem poderia, sob pena de
banalização do instituto, com acontecimentos cotidianos que, apesar de incomodarem, não têm
aptidão para atingir, de forma efetiva, direitos da personalidade. Tais acontecimentos têm sido
tratados, com acerto, pela jurisprudência, como "meros aborrecimentos", inafastáveis na
sociedade contemporânea, devendo ser suportados por seus integrantes, ou punidos
administrativamente, para que o instituto do dano moral não perca seu real sentido, sua
verdadeira função: compensar o lesado pela violação à sua personalidade.
9. No caso concreto, além de não trazer elementos que conduzissem à conclusão pela ilicitude
do comportamento da ré, a parte apelante não demonstrou a ocorrência de lesão a seus direitos
da personalidade. Na verdade, apenas passou por aborrecimento cotidiano, pois se ofendeu
com a negativa de cobertura securitária.
10. O conjunto fático-probatório demonstra que não houve abuso por parte da ré (ilícito objetivo
ou abuso de direito, segundo a melhor doutrina), o que poderia, caso constrangesse a parte
apelante em sua personalidade de forma efetiva, caracterizar o dano moral (art. 187 do Código
Civil - CC). Precedentes.
11. No caso concreto a parte apelante sucumbiu em parte mínima do pedido, cabendo a
inversão do ônus da sucumbência para condenar a CEF ao pagamento de honorários
advocatícios no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa.
12. Em relação aos honorários sucumbenciais recursais, nos termos do Enunciado
Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade
jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra
decisão publicada posteriormente a 18/03/2016, é possível o seu arbitramento, na forma do
artigo 85, § 11, do CPC/2015.
13. Assim, com base em referido dispositivo legal, levando em conta o trabalho adicional
realizado em grau recursal pelo advogado da parte apelante, condeno a CEF ao pagamento de
honorários recursais, elevando o percentual a ser pago pela parte apelada à parte apelante de
10% para 11% sobre o valor atualizado da causa.
14. Apelação parcialmente provida.
(TRF3, ApCiv 5000755-42.2017.4.03.6104, Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE
MATOS NOGUEIRA, 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/11/2019.). (g.n.)
Desta forma, é de rigor a condenação das rés a promover cobertura securitária a partir da
aposentadoria por invalidez da autora.
Insta constar que, as corrés respondem solidariamente, eis que integram a mesma cadeia de
consumo, que tem a parte autora como destinatário final (arts. 2º e 3º do CDC). Dessa forma, a
devolução de valores à parte autora não está condicionada ao repasse dos valores da cobertura
securitária feito pela Caixa Seguradora S.A. à CEF.
In casu, a cobertura securitária não irá quitar 100% o contrato de financiamento imobiliário,
desse modo, ressalva-se, a possibilidade de eventual compensação da dívida, a ser apurado
em sede de cumprimento de sentença.
Em virtude da sucumbência das rés, inverto o ônus de sucumbência e condeno-as
exclusivamente ao pagamento de 10% (dez por cento) sobre a mesma base de cálculo fixada
na r. sentença.
Ante o exposto, dou provimento à apelação, na forma da fundamentação acima.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. CONTRATO DE FNANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SEGURO
HABITACIONAL.INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE. COMPROVADA. NEGATIVA DE
COBERTURA. EXAMEPRÉVIO. INEXISTENTE. DOENÇAPREEXISTENTE. NÃO
COMPROVADA. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO PROVIDA.
I -A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus
requisitos precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação
pressupõe a existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia
previdenciária ou o Poder Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas,
bem como a oportunidade de determinar a produção de prova pericial, levando em
consideração fatores socioeconômicos como o grau de instrução do segurado para
fundamentar a decisão que reconhece o direito em questão. Deste modo, o ato que concede o
benefício previdenciário é documentado e dotado de fé pública, podendo inclusive ser protegido
pelos efeitos da coisa julgada quando reconhecido por via judicial.
II -Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade
total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia
de que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à
contratação.A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que
poderiam vir a gerar incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas
pelo seguro, envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro.
III -Nesta hipótese, restaria afastada, de um lado, por exemplo, a situação limite de um vínculo
constituído com má-fé, no qual o segurado portador de doença grave em estágio terminal
contrata seguro estando ciente da configuração certa do sinistro em futuro breve. De outro lado,
ao tomar conhecimento de quais hipóteses fáticas ou quais riscos predeterminados não seriam
cobertas pelo seguro, de maneira transparente e objetiva, o interessado poderia desistir de
assumir a obrigação ou ainda poderia realizar o contrato com a seguradora de sua preferência,
já que poderia entender esvaziado o seu interesse legítimo nestas condições, não se
justificando a contraprestação.
IV -Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os
contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é
redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua
interpretação, já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira
distorcida com vistas a evitar o cumprimento da obrigação.
V -Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da doença tenham se manifestado antes da
contratação do seguro, não é possível pressupor categoricamente que, à época da assinatura
do contrato, fosse previsível que a sua evolução seria capaz de gerar a incapacidade total e
permanente ou o óbito do segurado.De outra forma, doenças de origem genética e
predisposição familiar, doenças que tendem a se manifestar ou se agravar com a idade,
doenças decorrentes de vícios ou maus hábitos do segurado com sua própria saúde, doenças
que apresentam evolução peculiar ou inesperada, a depender da interpretação de seus
sintomas, poderiam todas restar abrangidas pela cláusula em questão, com potencial de
esvaziar completamente o objeto do contrato neste tópico.
VI -Assim, nem mesmo a concessão de auxílio-doença, como fato isolado, exatamente por
somente pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a
configuração do sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente. Nas
controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística a
eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença
que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir
notadamente às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao
sinistro, ou quando houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos
762, 765 e 766, caput e parágrafo único, 768 do CC.
VII -Além de todo acima exposto, é de destacar, ademais, a afastar qualquer controvérsia a
respeito da matéria, que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 609, redigida nos
seguintes termos:A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é
ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração
de má-fé do segurado. (Súmula 609 do STJ).
VIII -No caso concreto, a autora recebeu auxílio-doença no período de 30/10/2015 a 03/02/2016
e após foi considerada apta para retornar ao trabalho. Ademais, a autora só foi afastada pelo
INSS e passou a receber a aposentadoria por invalidez após a dataem que foi acometida por
enfermidade neurológica, Acidente Vascular Cerebral – AVC, em 01/02/2017.As doenças
alegadas pelas requeridas como preexistentes, quais sejam: Esclerose Múltipla, osteoartrose de
coluna vertebral, transtorno de pânico e depressão, não podem ser consideradas como causa
única e determinante para a ocorrência do Acidente Vascular Cerebral – AVC. Não é possível
concluir que o AVC, doença que ocasionou a invalidez permanente e total da parte autora, teve
como causa única e direta Esclerose Múltipla, osteoartrose de coluna vertebral, transtorno de
pânico e depressão. Não há prova nos autos nesse sentido.
IX -Ressalta-se também, que a autora formalizou contrato de consórcio imobiliário com a corré
CEF em 10 de novembro de 2011. Em 10 de junho de 2016 a autora foi contemplada e firmou
contrato de financiamento imobiliário c/c contratação de seguro com as requeridas. Verifica-se
que a autora assinou o contrato de financiamento e seguro habitacional em virtude de sorteio de
consórcio, no qual foi contemplada. Desse modo, não há razoabilidade na suposição de que a
autora formalizou o contrato de financiamento e seguro habitacional apenas com a intenção de
obter a quitação do contrato precocemente, por meio de cobertura securitária.
X -Nestas condições, não há comprovação de má-fé que sustente os argumentos da
seguradora para negar a cobertura pleiteada. Aliás, se houve má-fé no caso discutido nos
autos, esta só poderia ser atribuída à própria seguradora, que aceitou a contratação do seguro
e efetuou a cobrança do valor do prêmio de seguro sem exigir qualquer declaração de saúde do
mutuário.Desta forma, é de rigor a condenação das rés a promover cobertura securitária a partir
da aposentadoria por invalidez da autora.
XI -Insta constar que, as corrés respondem solidariamente, eis que integram a mesma cadeia
de consumo, que tem a parte autora como destinatário final (arts. 2º e 3º do CDC). Dessa
forma, a devolução de valores à parte autora não está condicionada ao repasse dos valores da
cobertura securitária feito pela Caixa Seguradora S.A. à CEF.In casu, a cobertura securitária
não irá quitar 100% o contrato de financiamento imobiliário, desse modo, ressalva-se, a
possibilidade de eventual compensação da dívida, a ser apurado em sede de cumprimento de
sentença.
XII - Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por
unanimidade, deu provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
