Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5168486-76.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO
INSUFICIENTE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS.
ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS À APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO DESDE A DER. CONSECTÁRIOS.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- Conjunto probatório insuficiente para demonstrar o labor rural desempenhado no interstício
pleiteado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A parte autora logrou demonstrar exposição habitual e permanente a agentes biológicos, o que
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
viabiliza o reconhecimento da especialidade conforme os códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n.
53.831/1964, 1.3.4 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 3.0.1 dos anexos dos Decretos
n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora não faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do
artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral requerida (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).
- Termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na
data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido
pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da
Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte: (i) a correção
monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem
como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal; (ii) os
juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a
vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao
mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do
débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do
disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento do julgado (consoante
a Súmula n. 111 do STJ), diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da
sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo
inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo
n. 1.124 do STJ.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelações parcialmente providas.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5168486-76.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARCIA SANTI RODRIGUES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIA SANTI
RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N
OUTROS PARTICIPANTES:
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5168486-76.2021.4.03.9999
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APELANTE: MARCIA SANTI RODRIGUES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIA SANTI
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço rural e insalubre,
com vistas à concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, aposentadoria por
tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer como tempo de serviço
especial e determinar a conversão em tempo de serviço comum do intervalo em que o autor
trabalhou no Hospital de Angatuba e no Posto de Saúde (UBS) até a data do desligamento ou
até a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 103/2019. Por fim, fixou a sucumbência
recíproca.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qual reitera os pedidos de
reconhecimento da atividade campesina e da obtenção do benefício previdenciário (
aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição).
Não resignada, a autarquia também apresentou apelação, na qual alega, em síntese, a
impossibilidade do enquadramento efetuado e requer a reforma da decisão a quo, com a
improcedência do pedido.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5168486-76.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARCIA SANTI RODRIGUES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIA SANTI
RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
De início, cumpre destacar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a
sentença foi proferida na vigência do atual Código de Processo Civil (CPC), cujo artigo 496, §
3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, adstrito ao princípio que norteia o recurso de apelação (tantum devolutum quantum
appellatum), procedo ao julgamento apenas das questões ventiladas nas peças recursais.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de
segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de
segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante
o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento,
observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do
art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a
16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia
familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a
sua eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, o Superior Tribunal de Justiça (STJ),
examinando a matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho
rural anterior ao documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a
prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto
para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
No caso, busca a parte autora o reconhecimento do labor rural desempenhado no intervalo
estabelecido entre 1º/7/1979 a 31/1/1991.
Contudo, não logrou carrear indícios razoáveis de prova material capazes de demonstrar a faina
agrária aventada.
Ressalta-se que as anotações rurais em nome do genitor, Sr. Domingos Santi (certidão de
casamento dos pais, em 1958 e a certidão de nascimento da autora, de 1967), os documentos
do formal de partilha e de imóveis rurais (do ano de 2010 em diante), além de serem
extemporâneas ao período controverso, não foram indicativas do labor rural asseverado; pois
não caracterizaram, de forma convincente, a real participação da requerente nas atividades
rurais alegadas.
O histórico escolar indica, tão somente, a residência da parte autora e de sua família.
Cabe referir que, em nome da parte autora, a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)
e apontamentos no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) acostados aos autos,
indicam que a atividade urbana sempre permeou sua vida laborativa, iniciando-se em 7/2/1991
como “administradora adjunta júnior” na empresa “Ticket Serviços Comércio Adm. Ltda.”.
Embora os testemunhos colhidos tenham declarado que a parte autora laborou nas lides
campesinas, inexistem elementos de prova material relativos ao fato em contenda, de modo a
embasar as alegações expendidas na exordial.
Vale dizer: não se soma a aceitabilidade dos documentos com a coerência e especificidade dos
testemunhos. Na verdade, se os documentos apresentados nos autos não se prestam como
início de prova material, a prova testemunhal tornar-se-ia isolada.
Sublinhe-se que, mesmo para a comprovação da atividade rural em relação a qual, por
natureza, predomina o informalismo, cuja consequência é a escassez da prova material, a
jurisprudência pacificou entendimento de não ser bastante para demonstrá-la apenas a prova
testemunhal, consoante Súmula n. 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção de benefício previdenciário."
Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo que o labor rural em contenda não restou
demonstrado.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, em relação ao intervalo de 1º/1/2000 a 16/5/2018 (DER), consta laudo técnico, o
qual indica a exposição habitual e permanente a agentes biológicos; fato que permite o
enquadramento nos termos dos códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.3.4 e
2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 3.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Ademais, insta acrescentar que as informações do perito merecem total credibilidade, ou seja,
gozam de fé pública (presunção de veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até
que se prove o contrário, o que não ocorreu na hipótese.
Assim, deve ser reconhecida como correta a perícia, por ser o perito imparcial e equidistante
dos interesses das partes litigantes e merecer, sua análise técnica dos ambientes de trabalho
do segurado, fé de ofício.
Cabe salientar que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente nocivo
já é suficiente para a sua caracterização.
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na
GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à
vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enfoque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas
pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES.
FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Em síntese, deve ser mantido o reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
no interregno de 1º/1/2000 a 16/5/2018 (DER), a ser devidamente averbado pela autarquia.
Nessas circunstâncias, a parte autora não reúne 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em
atividade especial e, desse modo, não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos
termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Passo à análise do pedido sucessivo.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Ademais, patente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho,
até o requerimento administrativo (DER 16/5/2018), confere à parte autora mais de 30 anos de
profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral
requerida (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988), conforme planilha disponível em:
https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/7X2QB-VTH6N-VB6FM
Do termo inicial
Quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, a questão foi submetida ao rito
dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte
controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP,
1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou
revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a
contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037,
II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha
processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da
questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da
apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da
parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da
Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Assim, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da
questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que
vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da
Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte:
(i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal;
(ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao
mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
Contudo, desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a
apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples,
nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada
com juros e correção monetária.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a
extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos
sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no
Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa
verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Quanto às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, dou parcial provimento às apelações para, nos termos da fundamentação: (i)
delimitar o enquadramento da atividade especial ao período de 1º/1/2000 a 16/5/2018; (ii)
reconhecer o direito da parte autora à obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição; (iii) fixar os efeitos financeiros da condenação desde a data da citação (parte
incontroversa da questão afetada), observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier
a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ; (iv) fixar os
consectários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONJUNTO
PROBATÓRIO INSUFICIENTE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS.
ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS À APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO DESDE A DER. CONSECTÁRIOS.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior
Tribunal de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova
exclusivamente testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- Conjunto probatório insuficiente para demonstrar o labor rural desempenhado no interstício
pleiteado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A parte autora logrou demonstrar exposição habitual e permanente a agentes biológicos, o
que viabiliza o reconhecimento da especialidade conforme os códigos 1.3.2 do anexo do
Decreto n. 53.831/1964, 1.3.4 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 3.0.1 dos anexos
dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI
não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora não faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do
artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral requerida (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).
- Termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada)
na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser
estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da
Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte: (i) a correção
monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente,
bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal; (ii)
os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do
débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do
disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento do julgado
(consoante a Súmula n. 111 do STJ), diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão
da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o
termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema
Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelações parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
