Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5019476-62.2018.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 08/09/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
FRENTISTA. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- O exercício da função de frentista em posto de combustíveis e passível de ser enquadrado em
atividade especial em razão do ofício, consoante jurisprudência firmada nesta Corte
(precedentes).
- Não obstante, Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) indicam que a parte autora exercia
suas atividades com exposição habitual e permanente a hidrocarbonetos aromáticos, situação
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
que se amolda aos itens 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 do anexo do
Decreto n. 3.048/1999.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise
quantitativa e sim qualitativa (Precedentes).
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no formulário, concluo que, na
hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Enquadramentos mantidos.
- Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5019476-62.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO MARIA COSME DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO MORITA MENDES - SP367500-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5019476-62.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO MARIA COSME DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO MORITA MENDES - SP367500-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora busca o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas
à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para enquadrar como atividade especial os
períodos de 01/11/1985 a 30/04/1986, 18/05/1989 a 15/05/1990, 01/09/1998 a 30/10/2003,
01/12/2007 a 19/06/2009 e 01/02/2010 a 03/09/2012, bem como determinar a conversão em
tempo comum e o respectivo enquadramento.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual sustenta a impossibilidade dos
enquadramentos efetuados e a improcedência dos pedidos.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5019476-62.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO MARIA COSME DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO MORITA MENDES - SP367500-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado
pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade
sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, quanto aos períodos de 01/11/1985 a 30/04/1986, 18/05/1989 a 15/05/1990, consta
dos PPPs o exercício da profissão de frentista em posto de combustíveis, passível de ser
enquadrada como atividade especial em razão do ofício, consoante jurisprudência firmada nesta
Corte.
Com efeito, essa atividade é considerada perigosa nos termos da Portaria n. 3.214/1978, NR-16,
Anexo 2 ("Atividades e Operações Perigosas com Inflamáveis"), item 1, letra "m" ("nas operações
em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos") e item 3, letras "q"
("abastecimento de inflamáveis") e "s" ("armazenamento de vasilhames que contenham
inflamáveis líquidos ou vazios não desgaseificados ou decantados, em locais abertos"); e o
Supremo Tribunal Federal, por força da Súmula 212, também reconhece a periculosidade do
trabalho do empregado de posto de revenda de combustível líquido.
Nesse sentido: TRF3, APELREEX 00060038320134036114, Nona Turma, Rel. Desembargador
Federal Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial Data: 29/11/2016; TRF3, APELREEX
00098069520124036183, Décima Turma, Rel. Desembargador Federal Sergio Nascimento, e-
DJF3 Judicial 1 Data: 28/9/2017; e TRF3, REO 00081409820084036183, Sétima Turma, Rel.
Desembargador Federal Paulo Domingues, e-DJF3 Judicial Data: 19/9/2017.
Não obstante, em relação aos intervalos de 01/11/1985 a 30/04/1986, 18/05/1989 a 15/05/1990,
01/09/1998 a 30/10/2003, 01/12/2007 a 19/06/2009, 01/02/2010 a 03/09/2012, a parte autora
logrou demonstrar, via PPPs, a exposição habitual e permanente a agentes químicos
hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos (combustíveis, óleos e graxas) - situação que se amolda
aos itens 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 do anexo do Decreto n.
3.048/1999.
Ademais, os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativo (TRF-4 - APELREEX:
50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM
DA SILVA, Data de Julgamento: 09/7/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E.
10/7/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ
FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA
REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/1/2016 e-DJF1 P. 281).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no formulário, concluo que, na hipótese,
o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Em síntese, a sentença não merece reparos quanto ao reconhecimento do caráter especial das
atividades executadas nos interregnos debatidos.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
FRENTISTA. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- O exercício da função de frentista em posto de combustíveis e passível de ser enquadrado em
atividade especial em razão do ofício, consoante jurisprudência firmada nesta Corte
(precedentes).
- Não obstante, Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) indicam que a parte autora exercia
suas atividades com exposição habitual e permanente a hidrocarbonetos aromáticos, situação
que se amolda aos itens 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 do anexo do
Decreto n. 3.048/1999.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise
quantitativa e sim qualitativa (Precedentes).
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no formulário, concluo que, na
hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Enquadramentos mantidos.
- Apelação do INSS desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
