
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5342352-62.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ELVINO DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CLEITON GERALDELI - SP225211-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ELVINO DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: CLEITON GERALDELI - SP225211-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5342352-62.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ELVINO DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CLEITON GERALDELI - SP225211-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ELVINO DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: CLEITON GERALDELI - SP225211-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: Superior Tribunal de Justiça - STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o
Recurso Especial n. 1.398.260
, sob o regime do art. 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca dainviabilidade da aplicação
retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o
ARE n. 664.335
, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
Neste caso, quanto aos intervalos controversos de 01/06/1985 a 17/10/1985, 23/06/1986 a 26/11/1986, 19/05/1987 a 19/12/1987, 04/01/1988 a 14/05/1988, 16/05/1988 a 24/12/1988, 09/01/1989 a 31/05/1989, 01/06/1989 a 14/11/1989, 01/02/1990 a 31/05/1990, 01/06/1990 a 30/11/1990 e 17/04/1991 a 30/11/1991, consta laudo técnico, que atesta o exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e corte de corte de cana-de-açúcar com exposição habitual e permanente a agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos, fato que permite o enquadramento da atividade como especial.
Com efeito, a atividade desenvolvida nas lavouras de cana-de-açúcar envolve desgaste físico excessivo, sujeição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, além do contato com a fuligem da cana-de-açúcar, o que demonstra a extrema penosidade da função.
Esse também é o entendimento desta Nona Turma: ApCiv 5555531-16.2019.4.03.9999, Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, Data: 9/8/2019; ApCiv 0000424-68.2015.4.03.6120, Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3: 7/8/2019.
Assim, concluo ser possível o enquadramento especial dessa atividade, seja em razão da extrema penosidade da função seja em razão da sujeição a agentes insalubres.
Quanto ao período de 01/01/1987 a 03/02/1987 é inviável o enquadramento, pois a atividade de “auxiliar de produção”, conforme anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, não está prevista nos decretos regulamentares para fins de reconhecimento por categoria profissional e não ficou demonstrada a exposição habitual e permanente a agentes nocivos.
Em relação aos interstícios de 01/06/1992 a 31/10/1992, 01/02/1993 a 30/04/1993, 03/05/1993 a 26/10/1993, 01/11/1993 a 26/11/1995, 09/05/1996 a 06/07/1997, 07/07/1997 a 22/12/1998, 19/04/1999 a 31/10/2016, consta do laudo técnico que a parte autora exercia as atividades com exposição habitual e permanente ao agente nocivo ruído em níveis superiores ao limite previsto nas normas regulamentares.
Ademais, o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia utilizada para a aferição do ruído. Os registros ambientais constantes do formulário, expedido por engenheiro ou médico do trabalho, indicam a metodologia usada para medição, sendo que a fidedignidade das informações está sob a responsabilidade do empregador ou de seu representante legal. Nesse sentido, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal: Ap - APELAÇÃO - 5000006-92.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 21/6/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes e não elimina os riscos à integridade física do segurado.
Quanto ao enquadramento dos períodos em gozo de auxílio-doença, de 19/11/1998 a 20/12/1998, 12/09/2008 a 15/10/2008 e 23/05/2009 a 08/07/2009, a sentença também não merece reparos.
A controvérsia a respeito da possibilidade de cômputo do período de auxílio-doença previdenciário como tempo de serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do STJ, de que “o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial” (STJ, REsp 1723181/RS e REsp 1759098/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe 01/08/2019).
É oportuno referir que, nos períodos imediatamente anteriores ao recebimento do citado benefício por incapacidade, a parte autora esteve exposta a agentes nocivos.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos de 01/06/1985 a 17/10/1985, 23/06/1986 a 26/11/1986, 19/05/1987 a 19/12/1987, 04/01/1988 a 14/05/1988, 16/05/1988 a 24/12/1988, 09/01/1989 a 31/05/1989, 01/06/1989 a 14/11/1989, 01/02/1990 a 31/05/1990, 01/06/1990 a 30/11/1990 e 17/04/1991 a 30/11/1991, em acréscimo aos demais já reconhecidos pelo Juízo a quo (01/06/1992 a 31/10/1992, 01/02/1993 a 30/04/1993, 03/05/1993 a 26/10/1993, 01/11/1993 a 26/11/1995, 09/05/1996 a 06/07/1997, 07/07/1997 a 22/12/1998, 19/04/1999 a 31/10/2016), ora mantidos.
Nessas circunstâncias, a parte autora conta mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo,
faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial,
nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.O termo inicial deve ser mantido na DER – 31/10/2016, consoante entendimento sedimentado no STJ, pois preenchidos os requisitos para a obtenção do benefício previdenciário desde aquela data.
Condeno o INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111, do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto,
nego provimento
à apelação do INSS edou parcial provimento
à apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação (i) determinar o enquadramento, como atividade especial, dos interstícios de 01/06/1985 a 17/10/1985, 23/06/1986 a 26/11/1986, 19/05/1987 a 19/12/1987, 04/01/1988 a 14/05/1988, 16/05/1988 a 24/12/1988, 09/01/1989 a 31/05/1989, 01/06/1989 a 14/11/1989, 01/02/1990 a 31/05/1990, 01/06/1990 a 30/11/1990 e 17/04/1991 a 30/11/1991, em acréscimo aos demais já reconhecidos; (ii) determinar a concessão da aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (DER – 31/10/2016), e (iii) ajustar os honorários sucumbenciais.É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- No caso, consta laudo técnico, que atesta o exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e corte de corte de cana-de-açúcar, com exposição habitual e permanente a agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos, fato que permite o enquadramento da atividade como especial.
- Quanto aos demais interstícios, o laudo técnico indica a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares, situação que autoriza o enquadramento.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes e não elimina os riscos à integridade física do segurado.
- A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91, desde a data do requerimento administrativo.
- Termo inicial fixado na data do requerimento administrativo.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majora-se para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
- Apelação do INSS não provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
