Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5307419-63.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
06/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/11/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO À
APOSENTADORIA ESPECIAL.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No caso, formulário DSS-8030, Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPPs e laudo pericial
indicam a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância
previstos nas normas regulamentares, bem como a agentes químicos hidrocarbonetos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
aromáticos, situação que se amolda aos itens 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e
1.0.17 do anexo do Decreto n. 3.048/1999.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise
quantitativa e sim qualitativa. Precedentes.
- O uso de EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo
57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91.
- Termo inicial mantido na data do requerimento administrativo.
- Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5307419-63.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SIDELI GUERRA NEPOMUCENO
Advogados do(a) APELADO: ANTONIO CARLOS FERNANDES DE SOUZA - SP288133-N,
KLEBER APARECIDO LUZETTI - SP286205-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5307419-63.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SIDELI GUERRA NEPOMUCENO
Advogados do(a) APELADO: ANTONIO CARLOS FERNANDES DE SOUZA - SP288133-N,
KLEBER APARECIDO LUZETTI - SP286205-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora busca o
reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria
especial.
A sentença, integralizada por embargos de declaração, julgou parcialmente procedente o pedido,
para enquadrar como atividade especial os períodos de 01/09/1986 a 30/11/1988, 25/05/1992 a
31/10/1992 e 11/01/1994 a 15/03/2017, conceder aposentadoria especial desde a data do
requerimento administrativo (DER) e, por fim, fixar os consectários.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual aduz, em síntese, a impossibilidade dos
enquadramentos efetuados e da obtenção do benefício em contenda. Subsidiariamente, insurge-
se contra o termo inicial do benefício.
Com contrarrazões da parte autora e requerida a antecipação dos efeitos da tutela, os autos
subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5307419-63.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SIDELI GUERRA NEPOMUCENO
Advogados do(a) APELADO: ANTONIO CARLOS FERNANDES DE SOUZA - SP288133-N,
KLEBER APARECIDO LUZETTI - SP286205-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado
pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade
sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, quanto ao intervalo controverso de 01/09/1986 a 30/11/1988, a parte autora logrou
demonstrar, via formulário DSS-8030 e laudo técnico, a exposição habitual e permanente a
agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos - situação que se amolda aos itens 1.2.10 do
anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 do anexo do Decreto n. 3.048/1999.
Sobre o tema, cabe destacar que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes
químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativa
(TRF-4 - APELREEX: 50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio
Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA TURMA, Data de
Publicação: D.E. 10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300,
Relator: JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª
CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P.
281).
Em relação ao referido interstício, além dos períodos de 25/05/1992 a 31/10/1992 e 11/01/1994 a
15/03/2017, consta dos PPPs e laudo técnico pericial a exposição da parte autora, de modo
habitual e permanente, ao agente nocivo “ruído” em níveis superiores aos limites previstos nas
normas em comento.
Ademais, o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia utilizada para a
aferição do ruído. Os registros ambientais constantes dos PPP, expedidos por engenheiro ou
médico do trabalho, indicam a metodologia usada para medição, sendo que a fidedignidade das
informações está sob a responsabilidade do empregador ou de seu representante legal. Nesse
sentido, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal: Ap - APELAÇÃO - 5000006-92.2017.4.03.6114,
Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 21/6/2018, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no formulário, concluo que, na hipótese,
o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Destarte, irretocável o decisum a quo quanto ao reconhecimento da especialidade dos interstícios
supramencionados.
Nessas circunstâncias, somados os períodos ora reconhecidos ao intervalo incontroverso, a parte
autora conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo, faz jus à
concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n.
8.213/91.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo (DER),
consoante entendimento sedimentado no STJ.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS.
Tendo em vista que a parte autora continua em atividade, conforme consulta ao Cadastro
Nacional de Informações Sociais (CNIS), não verifico a existência de periculum in mora para o
deferimento da tutela provisória de urgência requerida, nos termos dos artigos 300, caput, do
Código de Processo Civil.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO À
APOSENTADORIA ESPECIAL.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No caso, formulário DSS-8030, Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPPs e laudo pericial
indicam a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância
previstos nas normas regulamentares, bem como a agentes químicos hidrocarbonetos
aromáticos, situação que se amolda aos itens 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e
1.0.17 do anexo do Decreto n. 3.048/1999.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise
quantitativa e sim qualitativa. Precedentes.
- O uso de EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo
57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91.
- Termo inicial mantido na data do requerimento administrativo.
- Apelação do INSS desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
