Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2005061 / SP
0029579-56.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/08/2019
Ementa
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SAQUES
REALIZADOS APÓS O ÓBITO DO TITULAR. MÁ-FÉ CONFIGURADA. DEVOLUÇÃO DOS
VALORES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA. PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA PREVIDÊNCIA.
LIMITE DO DESCONTO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO DO INSS CONHECIDA
EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. INVERSÃO DOS ÔNUS
SUCUMBENCIAIS, COM SUSPENSÃO DE EFEITOS.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 - In casu, o cônjuge da parte autora recebeu proventos de aposentadoria por invalidez (NB
113.584.420-5 - fl. 7), desde 21/08/1999 até o seu falecimento, em 14/02/2002, quando sua
esposa passou a efetuar saques, em seu nome, dos valores advindos do benefício
previdenciário até 31/08/2002 (fls. 02/03).
7 - Em auditoria interna realizada em 25/06/2012, o INSS identificou irregularidades no
recebimento da aposentadoria e, consequentemente, enviou comunicado à parte autora,
solicitando o ressarcimento ao erário dos valores por ela indevidamente recebidos, no valor de
R$ 18.493,93 (dezoito mil, quatrocentos e noventa e três reais e noventa e três centavos) (fl.
10).
8 - Esgotada a discussão na esfera administrativa, a parte autora propôs essa demanda em
02/10/2013, visando afastar a exigibilidade do crédito supramencionado, sob as alegações de
que os proventos de aposentadoria, por ostentarem a natureza de verba alimentar, são
irrepetíveis, máxime considerando a inexistência de má-fé na sua percepção (fls. 02/04).
9 - Até o mais leigo dos cidadãos compreende a irregularidade na percepção de valores
destinados a pessoa já falecida, de modo que não constitui erro escusável o recebimento de
prestação previdenciária sabidamente indevida, razão pela qual deve ser afastada a alegação
de boa-fé conduta da parte autora. Precedentes.
10 - Afigura-se legítima a condenação da parte autora na devolução dos valores indevidamente
recebidos, limitando-se, entretanto, o desconto do ressarcimento a 10% (dez por cento) do valor
mensal do benefício previdenciário que recebe atualmente, nos termos do artigo 115, II e §1º da
Lei n. 8.213/91 e artigo 154, II, § 3º do Decreto n. 3.048/99.
11 - Por fim, à míngua de discussão acerca da restituição de valores já pagos na seara
administrativa, uma vez que não houve a formulação de tal pedido na petição inicial que
instaurou esta demanda, não conheço do apelo autárquico no que se refere aos critérios de
cálculo dos juros de mora e de correção monetária do débito.
12 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenada a parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da
causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo
§3º do art. 98 do CPC.
13 - Apelação do INSS conhecida em parte e, na parte conhecida, parcialmente provida.
Sentença reformada. Ação julgada parcialmente procedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa
oficial e não conhecer em parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar-lhe parcial
provimento, para reconhecer a exigibilidade do crédito, contudo, limitando o desconto do
ressarcimento a 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício previdenciário recebido pela
parte autora e, consequentemente, condenando-a no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais
devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98
do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
