Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5440918-80.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
10/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO
FRAUDULENTA. CÔMPUTO DE VÍNCULO TRABALHISTA FICTÍCIO. BOA-FÉ DO AUTOR.
NÃO CONFIGURADA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO AO ERÁRIO E O PROVEITO
ECONÔMICO OBTIDO PELO DEMANDANTE DEMONSTRADO. NECESSIDADE DE
REPARAÇÃO DO ATO ILÍCITO. LIMITAÇÃO DO PERCENTUAL DE DESCONTO.
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMADA E DO CARÁTER
ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA. REVOGAÇÃO DA TUTELA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO.
GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 - Compulsando os autos, verifica-se que o autor usufruiu do benefício previdenciário de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 133.930.163-3), durante o interregno de 20/10/2004
a 31/05/2017. Todavia, em auditoria interna, verificou-se que a concessão do referido beneplácito
foi lastreada em vínculo empregatício inexistente, supostamente mantido pelo demandante com a
empresa CIA. ITAPETININGA DE AUTOMÓVEIS, entre 21/06/1964 e 20/06/1967. Por
conseguinte, foi enviada notificação ao demandante em 17/03/2017, para que defendesse a
regularidade da concessão da aposentadoria e, posteriormente, para quitar o débito
previdenciário de R$ 395.146,28 (trezentos e noventa e cinco mil, cento e quarenta e seis reais e
vinte e oito centavos) (ID 46101192 - p. 70 e 238).
7 - Com relação à irregularidade apurada no âmbito administrativo, foi constatado pela Seção de
Monitoramento Operacional do INSS que "os segurados pagavam para atravessadores para
conseguirem a concessão da aposentadoria, mesmo estes segurados sabendo que não tinham
tempo de contribuição suficiente para a concessão da aposentadoria, uma vez que o próprio
segurado tem conhecimento do exato tempo que trabalhou, principalmente na condição de
empregado com registros em CTPS e contribuições autônomas, que é justamente o caso do
presente procedimento. O benefício foi selecionado para revisão em face da supervisão de
Auditoria instalada pela Gerência em Sorocaba, para execução na APS Itapetininga-SP, que
identificou a atuação de grupo com envolvimento de terceiros e de servidor do INSS (que já se
encontra demitido do cargo), os quais se utilizavam de períodos fictícios de vínculos
empregatícios e na condição de contribuintes, para atingir o tempo de contribuição necessário
para a concessão de aposentadorias, mediante pagamento do serviço pelo beneficiário
(segurado)" (ID 46101202 - p. 1/2).
8 - Por outro lado, a concessão fraudulenta do benefício não foi sequer infirmada pelo autor no
curso da demanda. Realmente, o demandante expressamente anuiu com a sua cassação
administrativa (ID 46101258 - p. 2/3), limitando-se apenas a alegar que recebeu os valores de
boa-fé e, por se tratar de verba de caráter alimentar, o débito previdenciário seria inexigível.
9 - A ocorrência de fraude na concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, portanto, é fato incontroverso.
10 - A celeuma refere-se à responsabilização civil do autor pelo ato ilícito praticado perante o
INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
11 - Ora, ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que a servidora demitida,
Sra. Vera Lúcia da Silva Santos, teve participação na concessão irregular do benefício, quem
usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi o demandante, razão pela qual não há como
dissociar o desfalque ao erário público do recebimento de aposentadoria indevida por cerca de
treze anos.
12 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o
proveito econômico obtido pelo autor, a restituição dos valores recebidos indevidamente, a título
de aposentadoria por tempo de contribuição, no período de 20/10/2004 a 31/05/2017, é medida
que se impõe, devendo ser reformada a sentença de 1º grau neste aspecto.
13 - Dito isto, afigura-se legítima a condenação da parte autora na devolução dos valores
indevidamente recebidos, limitando-se, entretanto, o desconto do ressarcimento a 10% (dez por
cento) do valor mensal da aposentadoria por idade (NB 182.254.501-0), nos termos do artigo 115,
II e §1º da Lei n. 8.213/91 e artigo 154, II, § 3º do Decreto n. 3.048/99. Precedente.
14 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenado o autor no ressarcimento das despesas
processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do
disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do
CPC.
15 - Apelação do INSS parcialmente provida. Sentença reformada. Revogação da tutela. Ação
julgada parcialmente procedente. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de pagamento
suspenso. Gratuidade da justiça.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5440918-80.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO DE GOIS
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5440918-80.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO DE GOIS
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por APARECIDO DE GÓIS, objetivando a cessação dos descontos na renda
mensal, ante o reconhecimento da inexigibilidade do débito previdenciário de R$ 395.146,28
(trezentos e noventa e cinco mil, cento e quarenta e seis reais e vinte e oito centavos), relativo
às parcelas de benefício recebidas indevidamente.
Em sede de decisão interlocutória, houve o deferimento da tutela de urgência, a fim de
determinar que o INSS suspendesse a cobrança do débito previdenciário (ID 46101193 - p. 1).
A r. sentença, prolatada em 18/12/2018, julgou procedente o pedido deduzido na inicial e
condenou o INSS a se abster de realizar a cobrança do debito previdenciário relativo à
aposentadoria por tempo de contribuição recebida pelo demandante entre 20/10/2004 e
31/05/2017 (NB 133.930.163-3). Honorários advocatícios arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil).
Em suas razões recursais, a Autarquia Previdenciária pugna pela reforma do r. decisum, sob o
argumento de ser possível a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelos segurados,
nos termos do artigo 115, II, da Lei n. 8.213/91. No mais, afirma inexistir boa-fé do segurado
que justifique o reconhecimento da inexigibilidade da cobrança. Subsidiariamente, pede a
redução dos honorários advocatícios.
Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este
Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5440918-80.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO DE GOIS
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício
previdenciário, na seara administrativa.
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
871, de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e
o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de
benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o
equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os
demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
Do caso concreto.
Compulsando os autos, verifica-se que o autor usufruiu do benefício previdenciário de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 133.930.163-3), durante o interregno de
20/10/2004 a 31/05/2017. Todavia, em auditoria interna, verificou-se que a concessão do
referido beneplácito foi lastreada em vínculo empregatício inexistente, supostamente mantido
pelo demandante com a empresa CIA. ITAPETININGA DE AUTOMÓVEIS, entre 21/06/1964 e
20/06/1967. Por conseguinte, foi enviada notificação ao demandante em 17/03/2017, para que
defendesse a regularidade da concessão da aposentadoria e, posteriormente, para quitar o
débito previdenciário de R$ 395.146,28 (trezentos e noventa e cinco mil, cento e quarenta e
seis reais e vinte e oito centavos) (ID 46101192 - p. 70 e 238).
Com relação à irregularidade apurada no âmbito administrativo, foi constatado pela Seção de
Monitoramento Operacional do INSS que "os segurados pagavam para atravessadores para
conseguirem a concessão da aposentadoria, mesmo estes segurados sabendo que não tinham
tempo de contribuição suficiente para a concessão da aposentadoria, uma vez que o próprio
segurado tem conhecimento do exato tempo que trabalhou, principalmente na condição de
empregado com registros em CTPS e contribuições autônomas, que é justamente o caso do
presente procedimento. O benefício foi selecionado para revisão em face da supervisão de
Auditoria instalada pela Gerência em Sorocaba, para execução na APS Itapetininga-SP, que
identificou a atuação de grupo com envolvimento de terceiros e de servidor do INSS (que já se
encontra demitido do cargo), os quais se utilizavam de períodos fictícios de vínculos
empregatícios e na condição de contribuintes, para atingir o tempo de contribuição necessário
para a concessão de aposentadorias, mediante pagamento do serviço pelo beneficiário
(segurado)" (ID 46101202 - p. 1/2).
Por outro lado, a concessão fraudulenta do benefício não foi sequer infirmada pelo autor no
curso da demanda. Realmente, o demandante expressamente anuiu com a sua cassação
administrativa (ID 46101258 - p. 2/3), limitando-se apenas a alegar que recebeu os valores de
boa-fé e, por se tratar de verba de caráter alimentar, o débito previdenciário seria inexigível.
A ocorrência de fraude na concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
portanto, é fato incontroverso.
A celeuma refere-se à responsabilização civil do autor pelo ato ilícito praticado perante o INSS e
que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
Ora, ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que a servidora demitida,
Sra. Vera Lúcia da Silva Santos, teve participação na concessão irregular do benefício, quem
usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi o demandante, razão pela qual não há como
dissociar o desfalque ao erário público do recebimento de aposentadoria indevida por cerca de
treze anos.
Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o
proveito econômico obtido pelo autor, a restituição dos valores recebidos indevidamente, a título
de aposentadoria por tempo de contribuição, no período de 20/10/2004 a 31/05/2017, é medida
que se impõe, devendo ser reformada a sentença de 1º grau neste aspecto.
Neste sentido, reporto-me ao seguinte precedente do C. STJ:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO 2/STJ. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. FRAUDE DOCUMENTAL. MÁ-FÉ RECONHECIDA.
DEVOLUÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica
caracterizada ofensa ao artigo 535 do CPC/1973.
2. A jurisprudência do STJ, já há algum tempo, firmou-se no sentido de que os valores
indevidamente pagos a título de benefício previdenciário, desde que recebidos de boa-fé, não
devem ser devolvidos, em razão do seu caráter alimentar. Precedentes.
3. O caso concreto, contudo, trata de situação distinta, em que o benefício previdenciário fora
obtido por meio de documentos falsificados, que atestaram vínculos trabalhistas inexistentes,
tudo devidamente comprovado e, inclusive, confessado pela ora recorrida.
4. A Seguridade Social, amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal,
fundamenta-se no principio contributivo solidário, onde toda a sociedade colabora em prol de
um bem comum. A solidariedade, entretanto, não se resume ao esforço coletivo de manutenção
e custeio da seguridade social, atribuí também aos cidadãos o dever de exercício responsável e
consciente de seus direitos e pleitos, de modo a garantir que os recursos financeiros sejam
distribuídos com igualdade e justiça.
5. A boa-fé objetiva, por sua vez, princípio orientador do Direito contemporâneo, usualmente
empregado na proteção do segurado, também se traduz em alguns deveres dos segurados
para com a Previdência Social. Em observância à boa-fé objetiva, ao requerer um benefício
previdenciário, o segurado deve proceder de forma leal, com absoluta honestidade, não lhe
sendo permitido omitir fatos, adulterar documentos ou de qualquer maneira usar de meios
fraudulentos para a obtenção de benefícios.
6. Não há razão para afastar o dever de devolução dos valores, porquanto, ainda que a
prestação previdenciária tenha natureza alimentar, no caso de fraude contra a previdência
social, a gravidade do caso impõe a devolução do montante pago, a fim de se impedir
enriquecimento ilícito da recorrida em detrimento do interesse público.
7. No mesmo sentido: REsp 1.702.129/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 2/4/2018;
REsp 1.669.885/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, DJe8/6/2017.
8. Recurso especial provido para determinar a devolução de todos os valores pagos
indevidamente à recorrida."
(REsp 1595530/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/10/2018, DJe 24/10/2018)
Tal posicionamento é compartilhado por esta Colenda Corte Regional, conforme se depreende-
se dos seguintes precedentes que trago à colação:
"PREVIDENCIÁRIO. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. PENSÃO POR
MORTE RECEBIDA INDEVIDAMENTE. DESCONTOS NO BENEFÍCIO ATIVO.
POSSIBILIDADE. AFASTADA A BOA-FÉ. DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO DEVIDO.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Relatório Conclusivo contido no processo administrativo foi claro ao apontar que a
concessão do benefício de pensão por morte somente foi possível considerando o último
vínculo existente na CTPS do falecido instituidor, o qual foi anotado de forma fraudulenta.
- Oportunizada administrativamente a demonstração da veracidade de tal vínculo, não obteve
êxito a pensionista.
- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, no caso dos autos, por meio
do cotejo das provas coligidas no feito administrativo, em que foram observados os princípios
da ampla defesa e do contraditório, restou amplamente comprovada a má-fé na concessão do
benefício.
- O INSS comprovou a existência de fraude na concessão e manutenção do benefício que a
autora recebeu, no período a ela reclamado.
- Comprovada a ação de inserção indevida de vínculo em CTPS, o nexo causal, o dolo e o dano
decorrente do recebimento de benefício previdenciário sem os requisitos necessários para
tanto, com enriquecimento ilícito da autora em detrimento dos cofres públicos, ilidida está a boa-
fé, evidenciando-se a ilicitude da conduta e impondo-se a devolução dos valores relativos ao
benefício indevidamente recebido.
- Reconhecida a necessidade de devolução das verbas recebidas indevidamente pela
pensionista, ora autora, não há óbice à cobrança dos valores por meio de desconto no benefício
ativo.
- Em razão da sucumbência recursal, majorados em 100% os honorários fixados em sentença,
observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85
do CPC/2015, suspensa sua exigibilidade, por ser a parte autora beneficiária da assistência
judiciária gratuita, nos termos dos §§2º e 3º do art. 98 do CPC.
- Recurso da parte autora improvido."
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5006991-30.2018.4.03.6183, Rel.
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 19/09/2019, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 24/09/2019)
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO CONCEDIDO INDEVIDAMENTE. EXISTÊNCIA DE FRAUDE.
DEVOLUÇÃO DOS VALORES. VIABILIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Nos termos da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, "administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam
direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.".
2. Tendo sido comprovada a adulteração das informações referentes ao benefício concedido à
parte autora, caracterizando a existência de fraude, possível a anulação da concessão pela
autarquia, bem como a cobrança dos valores indevidamente pagos.
3. O ressarcimento das quantias indevidamente recebidas pela parte autora é legal e legítimo,
encontrando respaldo no art. 115, II e parágrafo único, da Lei 8.213/91 e 3º do artigo 154 do
Decreto nº 3048/99.
4. Apelação desprovida."
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5009760-45.2017.4.03.6183, Rel.
Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 15/07/2020,
Intimação via sistema DATA: 17/07/2020)
Dito isto, afigura-se legítima a condenação da parte autora na devolução dos valores
indevidamente recebidos, limitando-se, entretanto, o desconto do ressarcimento a 10% (dez por
cento) do valor mensal da pensão por morte que recebe atualmente, nos termos do artigo 115,
II e §1º da Lei n. 8.213/91 e artigo 154, II, § 3º do Decreto n. 3.048/99.
Nesse sentido, colaciono trecho do voto do ilustre Ministro Herman Benjamin, no julgamento
pela 1ª Seção do C. STJ do REsp n. 1.401.560, representativo da controvérsia relativa à
devolução dos benefícios indevidamente recebidos em decorrência de reforma da decisão que
antecipa a tutela:
"Não obstante a reiteração referencial ao índice máximo de 30%, considero adequado à
hipótese adotar, por simetria, o percentual mínimo de desconto aplicável aos servidores
públicos referido no art. 46, § 1º, da Lei 8.112/1990. Transcrevo o citado dispositivo legal:
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão
previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no
prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
§ 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da
remuneração, provento ou pensão.
Assim, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e levando-se em conta o dever do
segurado de devolução dos valores recebidos por força de antecipação de tutela posteriormente
revogada, deve ser observado o limite mensal de desconto de 10% (dez por cento) da renda
mensal do benefício."
Desse modo, determino que seja respeitado o limite de 10% (dez por cento) do valor percebido
a título de benefício previdenciário de aposentadoria por idade (NB 182.254.501-0), para fins de
ressarcimento aos cofres da previdência.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença de 1º
grau e julgar parcialmente procedente o pedido de reconhecimento de inexigibilidade do débito
previdenciário relativo aos valores recebidos indevidamente pelo autor, a título de benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 123.633.082-7), no período de 20/10/2004 a
31/05/2017, tão somente para limitar o desconto do ressarcimento a 10% (dez por cento) do
valor do benefício de aposentadoria por idade (NB 182.254.501-0), revogando a tutela
anteriormente concedida.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando o autor no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98
do CPC.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO
FRAUDULENTA. CÔMPUTO DE VÍNCULO TRABALHISTA FICTÍCIO. BOA-FÉ DO AUTOR.
NÃO CONFIGURADA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO AO ERÁRIO E O
PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO PELO DEMANDANTE DEMONSTRADO. NECESSIDADE
DE REPARAÇÃO DO ATO ILÍCITO. LIMITAÇÃO DO PERCENTUAL DE DESCONTO.
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMADA E DO CARÁTER
ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA. REVOGAÇÃO DA TUTELA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO
SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 - Compulsando os autos, verifica-se que o autor usufruiu do benefício previdenciário de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 133.930.163-3), durante o interregno de
20/10/2004 a 31/05/2017. Todavia, em auditoria interna, verificou-se que a concessão do
referido beneplácito foi lastreada em vínculo empregatício inexistente, supostamente mantido
pelo demandante com a empresa CIA. ITAPETININGA DE AUTOMÓVEIS, entre 21/06/1964 e
20/06/1967. Por conseguinte, foi enviada notificação ao demandante em 17/03/2017, para que
defendesse a regularidade da concessão da aposentadoria e, posteriormente, para quitar o
débito previdenciário de R$ 395.146,28 (trezentos e noventa e cinco mil, cento e quarenta e
seis reais e vinte e oito centavos) (ID 46101192 - p. 70 e 238).
7 - Com relação à irregularidade apurada no âmbito administrativo, foi constatado pela Seção
de Monitoramento Operacional do INSS que "os segurados pagavam para atravessadores para
conseguirem a concessão da aposentadoria, mesmo estes segurados sabendo que não tinham
tempo de contribuição suficiente para a concessão da aposentadoria, uma vez que o próprio
segurado tem conhecimento do exato tempo que trabalhou, principalmente na condição de
empregado com registros em CTPS e contribuições autônomas, que é justamente o caso do
presente procedimento. O benefício foi selecionado para revisão em face da supervisão de
Auditoria instalada pela Gerência em Sorocaba, para execução na APS Itapetininga-SP, que
identificou a atuação de grupo com envolvimento de terceiros e de servidor do INSS (que já se
encontra demitido do cargo), os quais se utilizavam de períodos fictícios de vínculos
empregatícios e na condição de contribuintes, para atingir o tempo de contribuição necessário
para a concessão de aposentadorias, mediante pagamento do serviço pelo beneficiário
(segurado)" (ID 46101202 - p. 1/2).
8 - Por outro lado, a concessão fraudulenta do benefício não foi sequer infirmada pelo autor no
curso da demanda. Realmente, o demandante expressamente anuiu com a sua cassação
administrativa (ID 46101258 - p. 2/3), limitando-se apenas a alegar que recebeu os valores de
boa-fé e, por se tratar de verba de caráter alimentar, o débito previdenciário seria inexigível.
9 - A ocorrência de fraude na concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, portanto, é fato incontroverso.
10 - A celeuma refere-se à responsabilização civil do autor pelo ato ilícito praticado perante o
INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
11 - Ora, ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que a servidora
demitida, Sra. Vera Lúcia da Silva Santos, teve participação na concessão irregular do
benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi o demandante, razão pela
qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do recebimento de aposentadoria
indevida por cerca de treze anos.
12 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o
proveito econômico obtido pelo autor, a restituição dos valores recebidos indevidamente, a título
de aposentadoria por tempo de contribuição, no período de 20/10/2004 a 31/05/2017, é medida
que se impõe, devendo ser reformada a sentença de 1º grau neste aspecto.
13 - Dito isto, afigura-se legítima a condenação da parte autora na devolução dos valores
indevidamente recebidos, limitando-se, entretanto, o desconto do ressarcimento a 10% (dez por
cento) do valor mensal da aposentadoria por idade (NB 182.254.501-0), nos termos do artigo
115, II e §1º da Lei n. 8.213/91 e artigo 154, II, § 3º do Decreto n. 3.048/99. Precedente.
14 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenado o autor no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando
a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98
do CPC.
15 - Apelação do INSS parcialmente provida. Sentença reformada. Revogação da tutela. Ação
julgada parcialmente procedente. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de pagamento
suspenso. Gratuidade da justiça. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença de
1º grau e julgar parcialmente procedente o pedido de reconhecimento de inexigibilidade do
débito previdenciário relativo aos valores recebidos indevidamente pelo autor, a título de
benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 123.633.082-7), no período de
20/10/2004 a 31/05/2017, tão somente para limitar o desconto do ressarcimento a 10% (dez por
cento) do valor do benefício de aposentadoria por idade (NB 182.254.501-0), revogando a tutela
anteriormente concedida e condenando o autor no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais
se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade
suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que
fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto
nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
