
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006747-62.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: RICARDO JOSE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: VALERIA SCHETTINI LACERDA - SP350022-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006747-62.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: RICARDO JOSE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: VALERIA SCHETTINI LACERDA - SP350022-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO (RELATOR):
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência desde a data do requerimento administrativo, com possibilidade de reafirmação da DER, bem como o reconhecimento de atividade especial e comum.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a existência de deficiência em grau leve, considerando-se as contribuições sob tal condição a partir de 04/08/2008, até a data da última contribuição, devendo o INSS converter os períodos nos termos do Regulamento. Condenou o INSS ao pagamento de honorários de sucumbência no montante de 10% sobre o valor da causa. O autor deve pagar os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, observada a gratuidade processual deferida. Custas na forma da lei.
A parte autora interpôs apelação, alegando, preliminarmente, o cerceamento de defesa diante da necessidade de produção de prova pericial. Aduz que formulou pedido de perícia técnica junto às empresas para comprovação da especialidade dos períodos de 18/11/1996 a 15/03/2004 e 16/03/2004 a 25/04/2018, ambos períodos laborados como motorista de ônibus e exposto à vibração de corpo inteiro, conforme restou demonstrado pelos laudos emprestados. Afirma que os laudos apresentados pelas empresas não demonstram a efetiva exposição ao agente físico insalubre vibração de corpo inteiro. Requer a anulação da r. sentença, devendo os autos retornarem ao primeiro grau para a reabertura da instrução probatória, a fim de que seja realizado perícia técnica junto à empresa Viação Itaim Paulista, para análise da especialidade dos períodos de 18/11/1996 a 15/03/2004 (Auto Ônibus Penha São Miguel LTDA) e 16/03/2004 a 25/04/2018 (Viação Itaim Paulista LTDA). Requer, ainda, o conhecimento e provimento do presente recurso para que seja reconhecido como especial os períodos postulados, com a concessão do benefício previdenciários desde a DER. Subsidiariamente, requer a realização de perícia por similaridade para comprovação da atividade especial exercida junto as empresas controvertidas.
Sem as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006747-62.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: RICARDO JOSE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: VALERIA SCHETTINI LACERDA - SP350022-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO (RELATOR):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado se mostra formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
No caso em tela, o autor requer o reconhecimento do labor especial, nos períodos de 18/11/1996 a 15/03/2004 ("Auto Ônibus Penha São Miguel LTDA.") e 16/03/2004 a 25/04/2018 (Viação Itaim Paulista LTDA."), em que laborou como motorista de ônibus, para efeito de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência.
Como se observa, a parte autora juntou CTPS, PPP (ID 306409667) e laudo técnico em nome de terceiro (ID 306409668), bem como requereu a realização de prova pericial para comprovar a exposição ao agente físico VCI - vibração de corpo inteiro em petição inicial e posteriormente (ID 306409657 - Pág. 12 e ID 306409721). No entanto, não houve a realização de laudo pericial nos autos, imprescindível para efeito de aferição da especialidade nos períodos pleiteados na exordial.
Desse modo, verifico não ter sido observado o princípio da ampla defesa, esculpido no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que diz: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
E o princípio do devido processo legal (que engloba o do contraditório e o da ampla defesa), no processo civil, necessita ser implementado, para que tenha efetividade, devendo o magistrado permitir que as partes, em igualdade de condições, possam apresentar as suas defesas, com as provas de que dispõem, em prol do direito de que se julgam titulares.
A produção da prova pericial para o fim de revelar a especialidade nos períodos pleiteados na exordial pela parte autora é essencial, vez que o julgamento antecipado da lide somente é cabível nas hipóteses previstas no art. 355 do CPC/2015, in verbis:
"Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I – não houver necessidade de produção de outras provas;
II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.”
Por sua vez, entendo que a conclusão a respeito da pertinência ou não do julgamento antecipado da lide deve ser tomada de forma ponderada, pois não depende apenas da vontade singular do juiz a quo, mas da natureza dos fatos controversos e das questões objetivamente existentes, nos autos.
No caso dos autos, ao contrário do ocorrido, caberia ao Juiz, de ofício, determinar as provas necessárias à instrução do processo, no âmbito dos poderes que lhe são outorgados pelo artigo 370 do CPC/2015.
Ademais, é nítido e indevido o prejuízo imposto às partes pelo Juízo de 1º grau, por não ter promovido a realização de prova essencial ao deslinde da controvérsia aqui posta, diante da ausência de prova pericial, a nortear o exame pertinente no tocante ao requisito especialidade da atividade laborativa.
Dessa forma, o julgamento não poderia ter ocorrido sem a realização do laudo pericial, vez que não se achava o feito instruído suficientemente para a decisão da lide e, ao contrário, caberia ao Juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo, no âmbito dos poderes que lhe são outorgados pelo artigo 370 do CPC/2015.
Desse modo, há que ser anulada a r. sentença, reabrindo-se a instrução processual a fim de ser realizada a perícia técnica vindicada pelo autor.
E, em caso de impossibilidade de realização de perícia diretamente nos locais em que realizado o labor a ser analisado, a perícia por similaridade é aceita pela jurisprudência como meio adequado de fazer prova de condição de trabalho especial.
Neste sentido:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. CÔMPUTO DE TEMPO ESPECIAL. PROVA TÉCNICA. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE PROVIDO.
1. Em preliminar, cumpre rejeitar a alegada violação do art. 535 do CPC, porque desprovida de fundamentação. O recorrente apenas alega que o Tribunal a quo não cuidou de atender o prequestionamento, sem, contudo, apontar o vício em que incorreu. Recai, ao ponto, portanto, a Súmula 284/STF.
2. A tese central do recurso especial gira em torno do cabimento da produção de prova técnica por similaridade, nos termos do art. 429 do CPC e do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991.
3. A prova pericial é o meio adequado e necessário para atestar a sujeição do trabalhador a agentes nocivos à saúde para seu enquadramento legal em atividade especial. Diante do caráter social da previdência, o trabalhador segurado não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção da prova técnica.
4. Quanto ao tema, a Segunda Turma já teve a oportunidade de se manifestar, reconhecendo nos autos do Recurso Especial 1.397.415/RS, de Relatoria do Ministro Humberto Martins, a possibilidade de o trabalhador se utilizar de perícia produzida de modo indireto, em empresa similar àquela em que trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde efetivamente prestou seus serviços.
5. É exatamente na busca da verdade real/material que deve ser admitida a prova técnica por similaridade. A aferição indireta das circunstâncias de labor, quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado é medida que se impõe.
6. A perícia indireta ou por similaridade é um critério jurídico de aferição que se vale do argumento da primazia da realidade, em que o julgador faz uma opção entre os aspectos formais e fáticos da relação jurídica sub judice, para os fins da jurisdição.
7. O processo no Estado contemporâneo tem de ser estruturado não apenas consoante as necessidades do direito material, mas também dando ao juiz e à parte a oportunidade de se ajustarem às particularidades do caso concreto.
8. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte provido.” (REsp 1370229/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 11/03/2014)
Desse modo, entendo ser caso de anulação da r. sentença a quo.
Assim, determino a realização de perícia técnica judicial, visando a análise de exposição à vibração de corpo inteiro (VCI), a ser realizada de forma direta nos locais em que o autor alega ter exercido atividade especial ("Auto Ônibus Penha São Miguel LTDA." e "Viação Itaim Paulista LTDA."), na função de motorista de ônibus, relativo aos períodos de 18/11/1996 a 15/03/2004 e 16/03/2004 a 25/04/2018, observado o modelo de ônibus, em que o autor trabalhava à época, respectivamente. Caso os estabelecimentos não mais existam, que a perícia seja realizada em estabelecimento similar, com a descrição das atividades desempenhadas colhidas pelo empregador.
Ante o exposto, acolho a preliminar, para anular a r. sentença, determinando a remessa dos autos à 1ª instância, para que seja realizada a prova pericial e proferido novo julgamento, restando prejudicado o mérito da apelação da parte autora, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTE NOCIVO (VCI). PRODUÇÃO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DO DECISUM. RETORNO AO JUÍZO DE ORIGEM.
1. Como se observa, a parte autora juntou CTPS, PPP e laudo técnico em nome de terceiro, bem como requereu a realização de prova pericial para comprovar a exposição ao agente físico VCI - vibração de corpo inteiro em petição inicial e posteriormente. No entanto, não houve a realização de laudo pericial nos autos, imprescindível para efeito de aferição da especialidade nos períodos pleiteados na exordial.
2. Somente com o laudo pericial é possível aferir o requisito especialidade nos períodos pleiteados pelo autor em exordial, visando à concessão do benefício pretendido.
3. É preciso, ao menos, dar oportunidade para a parte provar seus argumentos, sob pena de infringência aos princípios do livre acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF) e devido processo legal (art. 5º, LV), abrangente do contraditório e da ampla defesa.
4. Cabe ao Magistrado permitir que as partes, em igualdade de condições, possam apresentar as suas defesas, com as provas de que dispõem, em prol do direito de que se julgam titulares.
5. Tendo em vista o flagrante cerceamento de defesa, deve ser reconhecida a nulidade da sentença, determinando-se a remessa dos autos ao Juízo de origem a fim de que seja realizado o laudo pericial e proferido novo julgamento.
6. Preliminar acolhida para anular a sentença. Mérito da apelação da parte autora prejudicado.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
